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Revista / Reportagem

Irreverente e subversiva, seu nome é Rita Lee

Rita Lee, a padroeira da liberdade: da infância ao topo da indústria musical

Por Bianca Portugal Publicado em 19/05/2023, às 11h19

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Rita Lee - Fotos: GUILHERME SAMORA e Reprodução / Facebook
Rita Lee - Fotos: GUILHERME SAMORA e Reprodução / Facebook

Na monarquia do rock nacional, o trono máximo sempre foi ocupado por uma mulher: Rita Lee. Ela faleceu no último dia 8/5, aos 75 anos, vítima de câncer de pulmão. Cantora, compositora e multi-instrumentista, a estrela revolucionou a música e também a sociedade como um todo. Ainda cedo, Rita levantou a bandeira do feminismo, lutando, dentro e fora do rock, contra o machismo vigente. Com letras questionadoras, alcançou o top five dos artistas que mais venderam discos na história do País, mas isso parecia pouco para ela. Rita sempre extrapolou o cenário musical, lançou pensamentos revolucionários em entrevistas e, principalmente, em seu dia a dia. A roqueira também encabeçou a defesa pelos direitos dos animais e, além do título de Rainha do Rock, que ela achava cafona, preferindo ser chamada de Padroeira da Liberdade, ostentava a alcunha de Rainha Vegana. Uma grande estrela, que desde os anos 1960 influencia gerações com seu talento, suas convicções e seu modo de viver. Muitas vezes foi incompreendida, mera inconveniência restrita aos que ousam ir além.

A roqueira veio ao mundo quando o ano de 1947 estava quase acabando, às vésperas do Ano-Novo. Os pais, o dentista Charles Fenley Jones (1904-1983) e Romilda Padula (1904-1986), descendentes de norte-americanos e italianos, respectivamente, a batizaram com nome de estrela: Rita Lee Jones. Caçula da família sui generis, Rita tinha duas irmãs, Mary Lee e Virgínia Lee. O sobrenome Lee foi uma escolha do pai para homenagear o general Robert E. Lee (1807-1870), do Exército confederado norte-americano. Já o primeiro nome foi em homenagem à avó materna, Clorinda, chamada de Rita. 

Na infância, no bairro de Vila Mariana, em São Paulo, Rita se dividiu entre o colégio franco-brasileiro Liceu Pasteur e as aulas de piano com a famosa musicista Magdalena Tagliaferro (1893-1986). Ela também aprendeu várias línguas e era fluente em português, inglês, francês, castelhano e italiano. Ainda criança, Rita ouvia de Elvis Presley (1935-1977) a Rolling Stones, mas também amava música brasileira, indo de Cauby Peixoto (1931-2016) a João Gilberto (1931-2019). Na época, sonhava, porém, ser artista de cinema, veterinária ou dentista como o pai.

Rita Lee na Revista CARAS

Mas a adolescente Rita foi atraída pela música. Nessa época, começou a compor e a se apresentar em clubes com o Tulio’s Trio. Aos 16 anos, formou um trio com duas amigas, as Teenage Singers. Um ano depois, elas se fundiram com o trio masculino Wooden Faces, formando o Six Sided Rockers, mais tarde rebatizado como Os Seis. O que ninguém sabia é que ali, no grupo Os Seis, estava a formação do celebrado Os Mutantes, um dos maiores momentos da história do rock nacional. Três dos integrantes originais abandonaram Os Seis, sobrando apenas Rita e os irmãos Arnaldo (74) e Sérgio Dias Baptista (71). Eles, então, passaram a assinar como Os Bruxos. Reza a lenda que, antes de uma apresentação no programa O Pequeno Mundo de Ronnie Von, da TV Record, em 1966, o produtor da atração sugeriu o nome Os Mutantes ao trio porque Ronnie Von (78) andava obcecado pelo livro O Império dos Mutantes, de Stefan Wul (1922-2003). “Olha, eu nunca pensei em fazer o que faço. Eu sempre estudei, sempre pensei em fazer outra coisa, e a música sempre foi uma mistura de ‘deixa eu me vingar da vida’ com ‘deixa eu comemorar a vida’”, revelou Rita.

Os Mutantes gravaram álbuns icônicos, ainda hoje exaltados por muitos, como A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado (1970) e Jardim Elétrico (1971). O estilo, rock psicodélico, encaixou-se no movimento Tropicália, encabeçado por Caetano Veloso (80) e Gilberto Gil (80), um de seus maiores amigos até o fim da vida. A banda, inclusive, participou do disco-manifesto Tropicália ou Panis
et Circensis, que ficou em segundo lugar na lista dos 100 maiores discos da história da música brasileira, no ranking feito pela revista Rolling Stones Brasil.

Mas nem tudo foram flores. Rita foi casada com Arnaldo de 1968 a 1972, e a relação, tanto pessoal quanto profissional, sempre foi confusa. Por fim, em 1972, ela foi expulsa da banda. “Teve um final meio trágico, esquisito e injusto. A verdade é que éramos todos muito loucos. Muita gente pirava”, contou a cantora em entrevista de 1992. No livro Rita Lee: Uma Autobiografia, lançado em 2016, ela detalhou ainda mais o rompimento. “Chego ao ensaio e me deparo com um clima tenso/denso. Até que o Arnaldo quebra o gelo, toma a palavra e me comunica (...): ‘A gente resolveu que a partir de agora você está fora dos Mutantes porque nós resolvemos seguir na linha progressiva-virtuose e você não tem calibre como instrumentista’. Em vez de me atirar de joelhos chorando e pedindo perdão por ter nascido mulher, fiz a silenciosa elegante. Me retirei da sala em clima dramático, fiz a mala, peguei Danny (a cadelinha) e adiós. No meio da estradinha da Cantareira a caminho de São Paulo, parei no acostamento e chorei, gritei, descabelei, xinguei feito louca”, relatou ela.

Rita Lee na Revista CARAS

Rita Lee

Rita Lee

Rita Lee

Após a expulsão de Os Mutantes, Rita Lee formou, em 1973, outra banda com amigos chamada Tutti Frutti. O primeiro álbum do grupo foi cancelado pela gravadora, a Polygram, segundo ela, por ter sido gravado em meio ao uso exagerado de ácido. Rita, então, foi ao escritório do empresário André Midani (1932-2019) tomar satisfações. Na recepção, encontrou Tim Maia (1942-1998), também insatisfeito, e juntos decidiram quebrar o escritório do executivo. “Papo vai, papo vem, soube que ele estava puto porque a foto da capa do seu novo disco não foi a de sua escolha. A cena seguinte entrou para o folclore. Dois caubóis destruindo o saloon quando o xerife estava ausente. Saindo de lá, Tim diz para a secretária: ‘Nada pessoal. Viu, lindinha?’”, escreveu ela em sua autobiografia, em que também narra outras “aventuras”, como roubar a cobra de Alice Cooper e participar de uma orgia com a banda inglesa Yes.

A roqueira, porém, teve uma segunda chance com a Polygram e lançou outro álbum, Atrás do Porto Tem uma Cidade. Um ano depois, já em outra gravadora, a Som Livre, Rita finalmente conquistou a liberdade total e lançou o disco Fruto Proibido. Nele estão alguns dos seus maiores sucessos, como Agora Só Falta Você, Esse Tal de Roque Enrow e Ovelha Negra. O suficiente para a plena consagração e a conquista do trono de Rainha do Rock, o qual ocupou até o fim de sua vida. Nessa mesma época, em 1976, Rita foi apresentada a Roberto de Carvalho (70) por Ney Matogrosso (81), com quem ele tocava guitarra. E ali começou uma grande história de amor. “O gato, além de lindo, cheiroso e excelente guitarrista, também se mostrava exímio pianista. Amor à primeira tecla. Humm”, escreveu ela.

Em 2020, Roberto também deu sua versão desse primeiro encontro com Rita Lee. “A primeira vez que encontrei a Rita foi no festival de Saquarema, em 1976. Foi a primeira vez que a gente conversou, se olhou e alguma coisa aconteceu em nossos corações”, disse ele. Rita logo convidou Ney e a banda para um jantar em sua casa, em São Paulo. “Corta para a cena do dia seguinte, mostrando o casal dormindo de conchinha depois de se amarem apaixonadamente debaixo de lençóis imaculados. Na verdade, meu quarto no sobradinho da rua Pelotas estava longe de ser imaculado, era forrado do chão ao teto com fotos de James Dean, o que causou um certo estranhamento em Rob, mas, como bom carioca, não perdeu a piada: ‘Pelo menos meu rival está morto’”, contou Rita.

Rita Lee na Revista CARAS

Rita Lee na Revista CARAS

Em março do ano seguinte, 1977, nascia o primeiro filho do casal, Beto Lee. Sim, Rita decidiu seguir com o sobrenome que seu pai introduziu na família. Parceiros no amor, Rita e Roberto também se tornaram grandes parceiros musicais e inauguraram a fase mais popular da cantora. O primeiro álbum da dupla saiu em 1979 com hits como Chega Mais, Doce Vampiro e Mania de Você — no qual Rita alcançou o topo das paradas ao abordar o tabu do prazer feminino. Junto com o primeiro disco, chegava o segundo filho, João Lee. “Parimos o disco e a seguir parimos na marra o segundo filho. Digo ‘na marra’ porque estava eu no oitavo mês quando Beto vem correndo, pula na barriga e puff! A bolsa estourou e lá fui eu encarar uma cesariana”, contou ela. Em 1980, o casal lança mais um álbum recheado de sucessos, como Lança Perfume e Baila Co migo. No ano seguinte nasce o terceiro filho, Antônio Lee. “O casal Lee/Carvalho se tornava cada vez mais fazedor de músicas e filhos”, brincou Rita.

Em 2012, Rita se aposentou dos palcos com show em Sergipe, onde terminou detida após discutir com policiais. A última música que ela e Roberto fizeram juntos, Change, foi lançada durante a pandemia, em 2021. Desde que encerrou os shows, a roqueira se mudou para um sítio no interior de São Paulo, onde convivia com dois cachorros, três gatos, 30 carpas, três tartarugas d’água, cinco jabutis, macaquinhos, tucanos, maritacas e beija-flores que, segundo ela disse: “vivem soltos no jardim encantado que nós temos”.

A história de Rita segue viva. No próximo dia 22 de maio, Dia de Santa Rita, chega às livrarias a segunda parte da sua biografia, com novas revelações, inclusive sobre a luta contra o câncer. “A verdade é que queria mesmo ser abduzida por um disco voador e sumir sem nenhuma explicação”, escreveu.

Rita Lee na Revista CARAS

Rita Lee na Revista CARAS

Rita Lee na Revista CARAS

Rita Lee na Revista CARAS

FOTO DA CAPA: GUILHERME SAMORA; FOTOS MATÉRIA: CRISTINA GRANATO; FRANCISCO INÁCIO/SBT; GLOBO/DIVULGAÇÃO ;GUILHERME SAMORA, MOACYR DOS SANTOS/SBT, REPRODUÇÃO FACEBOOK; REPRODUÇÃO INSTAGRAM: TV GLOBO/KIKO CABRAL; TV GLOBO/MARCOS MAZINI