À frente do quadro Bem Estar, a jornalista Valéria Almeida dá exemplo de superação: 'Eu não me entrego'
Quem vê Valéria Almeida (39) sorridente e com a voz calma e serena apresentando o quadro Bem Estar, da Globo, não imagina todas batalhas e lutas que ela precisou enfrentar para conquistar seu espaço. “Nasci e cresci na periferia de Santos, no litoral de SP. Esse lugar só estava nas páginas policiais, mas conhecia muita gente legal ali e queria contar as histórias delas. Pensei: no Jornalismo vou contar histórias e ganhar o mundo”, lembra ela, que apesar das dificuldades foi atrás dos sonhos. Formada, iniciou carreira como fotógrafa e estreou na TV com o Profissão Repórter, comandado por Caco Barcelos (73). Foram seis anos na reportagem até migrar, de forma natural e orgânica, para o entretenimento, apresentando o quadro exibido pelos globais Encontro e É De Casa. “Essa transição foi leve e desejada, foi um processo de amadurecimento pessoal. Se não tivesse essa mudança, talvez me acomodasse”, aponta ela, em seu apartamento paulistano.
Casada com o Peterson Gomes (45), seu companheiro, sócio e melhor amigo, Valéria não se cansa de celebrar o amor. “Todo dia a gente tem que dizer sim, seja no café, nas viagens ou nas danças no meio da sala. Sempre tivemos uma relação de cumplicidade, de torcida. A gente coloca a vida como primeiro plano. O trabalho é importante, mas precisamos estar bem, com saúde, com qualidade em família”, afirma ela.
Apesar de gostarem de festejar, a príncipio, eles não fariam uma festa para oficializar a união, mas foram dinâmicos e decidiram organizar tudo em um mês! “A gente entregava os convites e já avisava que eu não estava grávida, porque foi tudo muito rápido!”, lembra ela, aos risos. Por falar em gravidez, esse é um capítulo à parte na vida dela. “Quando a gente casou, combinamos de adotar uma criança, mas com o tempo decidimos planejar a gestação. Fui diagnosticada com endometriose, fiz um tratamento pesado, cirurgia e passei a tentar engravidar mas fui tentando e nada! Por fim, engravidei, me senti a pessoa mais abençoada do mundo. Com 10 semanas, perdi. Chorei, surtei... tentei outras vezes, mas eu não consegui. Foram cirurgias, curetagem, a descoberta de uma trombofilia e decidi não tentar mais. Ficou confuso o que era vontade, o que era questão de honra. Estou contando tudo isso sem chorar porque faço terapia”, desabafa. “Eu me abalo, mas não me entrego”, diz ela, que deixou a questão aberta.
– Batalhou para ser jornalista?
– O processo não foi simples, eu não tinha condições financeiras e fiquei muito tempo desempregada,
porque viam meu endereço, minha foto 3x4 e aquela combinação não dava, ninguém me chamava. Comecei a trabalhar quando passei a colocar endereços que não eram meus, porque era um lugar descriminado. Fiquei inadimplente na faculadade, fui proibida de assistir aulas, fiz bicos, faxina na casa de professores. Essa vontade de estudar e ter uma profissão foi o que me fez não desistir, porque o processo foi muito difícil. Quando falo da minha história, não sei dizer de onde tirei força, mas acredito que tinha uma inspiração: queria que meus pais tivessem orgulho de mim. Minha mãe morreu quando eu tinha 10 anos. Foi minha avó quem me criou e ela dizia que o estudo é nossa liberdade.
– Hoje, se vê como uma inspiração para outras pessoas?
– Tenho noção da responsabilidade que é estar em dois grandes programas, ajudando a construir um imaginário positivo, pois por muitos anos, quando a gente via um negro na TV era em papéis ruins ou retratos sociais que são ruins. Então, estar nesse lugar de destaque, compartilhando conhecimento, trocando e aprendendo é uma semente. É uma responsabilidade e um presente.
– Já sofreu preconceito?
– Quando você nasce mulher e nasce mulher negra, as barreiras surgem o tempo inteiro, mesmo que não sejam ditas ou verbalizadas, porque a gente precisa mostrar que a gente é tão capaz quanto qualquer outra pessoa. Quando eu ainda estava em Santos, uma pessoa disse que eu levava jeito para estar na TV, mas meu cabelo não combinava com TV. O que me limitava não era minha capacidade, mas minha existência como mulher negra. Quando fui convidada para a TV, conversei com o Caco: se vocês gostarem de mim, vou ter que mudar meu cabelo? Se for, prefiro nem começar.
– Quais as grandes lições que tirou do Profissão Repórter?
– A grande sacada do Caco é valorizar o que cada um tem de personalidade e de vivência, para além do currículo. Sempre fui para o lado do social e não gosto de falar em dar voz para as pessoas, porque as pessoas só precisam ter oportunidade de falar.
– Se especializou em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania. Isso apurou seu olhar na profissão?
– Você fica desarmado. Temos as nossas verdades e, quando estamos em um trabalho de comunicação, ao vivo, precisamos nos abrir. Assim, cometemos menos erros e menos preconceitos. Estar aberto e aprender a escutar faz da gente um ser humano melhor.
– Se sente uma guerreira?
– Quando paro e olho, admiro a garota que teve coragem diante de tanta coisa, das questões sociais e pessoais. Lamento o lugar da guerreira, porque é o lugar de alguém que tem que fazer um grande esforço e gostaria que a nova geração não precisasse ser guerreira, só queria que eles tivessem uma vida leve. Meu esforço foi para ter o acesso ao básico, à educação, uma casa, um trabalho, comida na mesa. Para além das questões sociais, tive perdas, dores, meus alicerces foram embora muito cedo. Estou prestes a fazer 40 e estou me sentindo uma garota de 15. Sou grata por estar viva, pela família, pelo trabalho, pela minha relação. Vou lutar quando tiver que lutar e rir quando tiver que rir.
FOTOS: MARTIN GURFEIN