Em entrevista na Revista CARAS, Carmo Dalla Vecchia reflete sobre sexualidade e liberdade
Com quase 30 anos de carreira, Carmo Dalla Vecchia (52) nunca esteve tão próximo do público como agora. Após abrir o jogo sobre sua orientação sexual, o ator começou a falar sobre o assunto nas redes sociais de forma bem-humorada e, algumas vezes, séria, e tem conquistado cada vez mais pessoas, mostrando o cara divertido e família que se esconde atrás dos personagens. Pai de Pedro (3) e marido do autor de novelas João Emanuel Carneiro (53) há 18 anos, o gaúcho conversou com a CARAS no Hotel Laghetto Stilo, no Rio, sobre sua fase de liberdade.
– Você sempre foi discreto, mas temos visto um Carmo brincalhão na internet. Sempre foi assim?
– Sempre fui assim, qualquer pessoa que me conhece sabe que sou um eterno ‘piada quinta série’, muito brincalhão. Talvez, traga isso da minha descendência alemã, com essa cara de sério e, talvez por ter feito personagens com muitas questões e transtornos. Resolvi usar esse meu lado para falar de uma causa que acho superimportante e digna de falar nesse momento no Instagram. Quando você faz as pessoas rirem isso ajuda, faz com que mais pessoas tenham acesso. Mas também tem um lado extremamente violento com quem é gay, porque muitas vezes você tem a sensação que você só é aceito porque você faz rir.
– Como assim?
– A gente percebe isso na própria televisão. Acho que até hoje na história da TV brasileira nunca teve nenhum personagem gay com uma história grande, que ocupasse um espaço maior na trama. Então, existe um preconceito muito grande com as pessoas ainda e o que eu faço muito no meu Instagram é tentar, por meio da comédia, de papos sérios, do dia a dia e da ironia fazer com que as pessoas percebam que o preconceito está dentro de nós. Nós, por natureza social, somos machistas, racistas e homofóbicos, porque a gente cresceu em uma sociedade que isso veio pelos poros para a gente, porque nos ensinaram isso de uma maneira muito triste, cruel e desrespeitosa com as minorias.
– E isso está mudando?
– Nos dias de hoje a gente tem que fazer um esforço para não ser machista, racista e homofóbico. Tem que pensar que aquela piada que você fez a vida inteira, hoje, não vai poder fazer. Pode dizer que é ‘mimimi’, pode achar chato, mas felizmente hoje você não vai poder continuar brincando, porque piada boa é aquela que todo mundo ri e se tem pessoas que estão se sentindo tristes por isso, acabou.
– Como educa Pedro de forma que ele não reproduza isso?
– Acho que pelo fato da história dele, com a família composta por dois pais, ele já vai crescer nesse ambiente em que isso é pensado desde criança. É difícil o preconceito... Se você não é preto, muitas vezes, você não entende o que é a dor que se sente ao lado. Se você não é gay, você não entende a dor. Você tem que ter empatia para olhar a questão do outro sob o olhar do outro, porque se olhar sob o seu olhar o preconceito continua. Por isso que a gente tem que fazer tudo por meio do diálogo, do humor. Acho que Pedro terá mais liberdade de ter opções na vida dele. Acho que ele tem uma natureza, ao meu ver, extremamente heterossexual, é cedo para falar isso, mas é um garoto que gosta de carrinho, de bola. Acho que ele terá liberdade de escolher ser o que quiser, fazer o que quiser e sem grilos, pelo fato de, na casa dele, já ter esse diálogo.
– Você passou a expor sua intimidade. Isso se deu com a chegada do Pedro ou da maturidade?
– Foi a maturidade, a chegada do Pedro, a pandemia, os 15 anos de psicanálise, foi o preconceito que sofri na minha vida o tempo inteiro. Foi uma série de questões que fizeram com que eu decidisse que queria falar... quero falar sobre o assunto, porque é um assunto que é pertinente à minha história, porque me fez sofrer e porque percebi que, quando comecei a falar, pessoas vieram me agradecer e falar o quanto aquele momento estava sendo importante na vida delas. Eu sentia necessidade de me livrar do meu próprio preconceito também. O preconceito está dentro da gente, né? Você cresceu a vida inteira pensando que estava errado, em algum lugar você acreditava.
– Teve medo de falar e acabar atrapalhando sua carreira?
– Fui aconselhado algumas vezes a não falar. Até que chegou um determinado momento que falei: quero pertencer a quem eu sou. Sou essa pessoa e se isso te incomoda, não é mais um problema meu. Levei tempo para entender isso, mais do que isso, levei tempo para colocar em prática e entender no meu corpo. A gente precisa de pessoas que tenham coragem de falar e correr esses riscos. No meu caso não tive ônus, só tive bônus.
– Nas redes você se descreve como o gay da família brasileira...
– E eu comecei a ser aceito por muitas pessoas pelo fato de ter um casamento estável, ter filho, ter trabalho, ser feliz... uma série de questões que as pessoas se conectavam com o heterossexual, eu tinha. Não nego o preconceito que as pessoas sofrem, muito menos o fato de que o Brasil ainda é um País que mais mata transexuais no mundo, não nego isso. Mas nem todas as histórias são assim. As pessoas precisam de exemplos de alguém que têm uma vida boa, estável, para elas poderem olhar e dizer que é possível, que não precisa apanhar na cara, que nem sempre o viado se ferra na vida. E, outra coisa, quando falo que sou o gay da família brasileira é para dizer que existe família como a minha também!
FOTOS: MÁRCIO FARIAS; BELEZA: DAIANNE MARTINS; VÍDEO: ANDRÉ IVO; AGRADECIMENTOS: HOTEL LAGHETTO STILO BARRA