Destaque em Terra e Paixão como Ramiro, Amaury Lorenzo reflete sobre luta contra preconceito: ‘As pessoas têm o direito de existir como quiserem'
Publicado em 01/12/2023, às 09h03 - Atualizado em 13/12/2023, às 13h50
Nascido no interior de Minas Gerais e, desde criança, envolvido com balé clássico e artes cênicas, Amaury Lorenzo (38) sentiu na pele o preconceito que, hoje, retrata de maneira diferente, na global Terra e Paixão. Destaque na trama como Ramiro, o ator rompe barreiras e faz o público torcer por um romance entre dois homens. Em bate-papo exclusivo com CARAS no LSH – Lifestyle Hotel, no Rio de Janeiro, o ator celebra o feito. “A gente está fazendo uma pequena revolução, sim, e eu estou muito feliz com isso”, diz ele.
– Como está a vida com novela no ar?
– A vida deu um giro de 180 graus, mudou. Fico feliz de receber tanto afeto do País inteiro. É impressionante o quanto as pessoas amam o Ramiro, a novela, a relação dele com Kelvin — Diego Martins. A minha vida virou um furacão do bem. Na rua, me parabenizam e perguntam onde é que eu estava esse tempo todo.
– E o que você diz?
– Que estava no teatro há 25 anos, trabalhando, colocando comida na minha mesa com a minha arte. Ao mesmo tempo que virou um furacão bonito, estou tentando colher os frutos disso, porque é uma onda. Já tomei muitos ‘nãos’, então, eu sou pé no chão. Sei que a novela vai acabar e isso vai acalmar. Pra quem juntou dinheiro para pagar passagem para ir para a faculdade, que deslumbre eu vou ter agora?
– Foi difícil chegar até aqui?
– Muitos ‘nãos’, muito choro. Inclusive, na própria emissora, tentativas de quase receber um personagem, não rolar e ficar um pouco frustrado. Mas acho que as coisas vêm no momento certo. Tenho certeza de que tinha que ser eu fazendo o Ramiro, o Diego fazendo o Kelvin. Não guardo mágoa das vezes que perdi as oportunidades ou que elas não me foram dadas, acho que tudo foi importante, necessário para a construção do que sou agora e para que chegasse pra mim esse personagem.
Mas é uma carreira de muita dificuldade, neste País a gente não tem políticas públicas que contemplem artistas. Infelizmente, às vezes a gente ainda é chamado de vagabundo. É uma luta gigante.
– As dificuldades te fizeram pensar em desistir?
– Mesmo com todos os perrengues, nunca pensei em desistir. Mas quando a gente começou a gravar a novela, tivemos um estresse e eu pensei nisso, fui desacreditado. Alguém disse para mim: ‘Você não é capaz, não está fazendo bem’ e era alguém importante dentro da novela. Mas, com o passar do tempo, fui mostrando para essa pessoa que sou bom, sim. Tive o elenco que me abraçou, a direção inteira da novela, o próprio Walcyr Carrasco. São as dificuldades da vida que a gente vai superando. E, quando a novela estreou, inclusive quem disse que eu não ia conseguir, acabou tendo que admitir que estou indo bem.
– Seu interesse pelo teatro e pelo balé clássico começou ainda na infância. Por ser do interior, sofreu algum preconceito?
– Muito! Me lembro um dia, com 9 anos, saindo da escola de balé clássico com minha sapatilha preta pendurada no ombro, ouvi alguém dizendo ‘ei viadinho!’. Quando viro, eram duas mulheres com uns 30 anos. Outra vez, na minha rua, um garoto falou: ‘Amaury, olha o que quem faz balé merece’ e me deu um tiro nas costas com uma pistola de chumbinho de matar passarinho. Fez um buraco nas minhas costas. Aquele meu amigo, que me deu um tiro nas costas porque eu dançava balé clássico, estava sendo preconceituoso no seu limite, mas ele estava sendo atravessado por um preconceito estrutural que nem ele se dava conta. Voltei para casa com crise de choro e meus pais me apoiaram. Eu não tinha dimensão! Por que na cabeça das pessoas se você faz balé clássico você é homossexual? É um problema grave isso no Brasil, de ignorância. Te dei esses exemplos entre muitos outros que tenho para que entendam que Kelvin e Ramiro não são caricatos, eles são reais. E para que entendam a dimensão desses personagens, porque os atores, por suas escolhas profissionais, também foram atravessados por todo esse preconceito.
– Te surpreendeu a torcida do público pelo romance dos dois?
– A gente já imaginava que iria tocar o público porque a gente está falando de amor. É óbvio que tem algumas pessoas que são mais conservadoras, a gente está vivendo um momento delicado no nosso País de destituição do direito das pessoas LGBTQIA+ a casarem e por aí vai. Mas, a partir da estratégia de fazer esse casal com amor, você vai chegando às pessoas mais resistentes e elas vão entendendo que eles não estão fazendo mal a ninguém, são dois indivíduos se amando. A novela, para além dessa função do entretenimento, tem um componente social importante.
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– O casal ainda não se beijou. O tema ainda é um tabu?
– Walcyr e Thelma Guedes vão saber o momento exato desse beijo, confiamos totalmente neles. Agora eu, Amaury, entendo que nós somos diversos, que as pessoas têm o direito de existir como elas bem entendem. Para os mais conservadores, que entendem que um beijo entre dois homens ou duas mulheres é um tabu, seria importante pensarem que as pessoas têm o direito de ser livres. Não
consigo conceber por que alguém se preocupa com a sexualidade do outro. Por que vou me preocupar com quem você vai ou não para cama? Acho tudo isso muito ignorante. As pessoas dizem: ‘Mas e as crianças assistindo?’ E as crianças que são LGBTQIA+ e veem casais héteros se beijando o tempo todo? Me espanta muito que seja um tabu as pessoas não serem livres para viver do jeito que elas querem viver.
FOTOS: MARCIO FARIAS; MAKE: ZUH RIBEIRO; STYLING: SAMANTHA SZCZERB; AGRADECIMENTOS: HOTEL LSH, RAFFER, BREDA UOMO E AMIL CONFECÇÕES.
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