Em entrevista à CARAS Brasil, Luiz Bertazzo, o agente Schneider de Ainda Estou Aqui, comenta sincronismo no set e avalia a importância do longa
Publicado em 17/01/2025, às 11h30
Com uma carreira marcada por personagens e produções com um quê de reflexão social, o ator e roteirista Luiz Bertazzo (39) trilha um caminho concreto no audiovisual brasileiro. Em entrevista à CARAS Brasil, ele fala sobre seu papel como o agente Schneider em Ainda Estou Aqui e revela uma curiosidade das gravações do longa de Walter Salles (68): "Não é comum nas produções", compartilha.
Interpretar Schneider, personagem que traz o primeiro momento de ruptura em Ainda Estou Aqui, foi um desafio que exigiu contenção e precisão de Luiz. O ator compartilha que a preparação para o papel foi marcada por um processo incomum, que auxiliou o elenco a imergir na narrativa: "Tudo nesse filme foi pensado para dar ao elenco os melhores instrumentos para a interpretação. Nós fizemos os ensaios das cenas na casa já montada para o filme, isso não é comum nas produções".
A imersão foi essencial para construir um vilão com camadas sutis, que representa uma violência contida. Bertazzo explica que, como ator, há uma tendência de querer "mostrar o trabalho", mas o filme exigia o oposto: "Esse movimento de conter a atuação torna cada detalhe grandioso, e acabei sendo mais preciso nas minhas escolhas de gestos para o Schneider". Até mesmo o desprezo do personagem ao disco de Caetano Veloso (82), um gesto improvisado, ganhou significado na cena.
"Isso é um desafio muito interessante para um ator: esconder para revelar camadas mais profundas. Não foi preciso fazer nada, e fazer nada é uma construção difícil pra caramba", reflete o intérprete, que contou com a ajuda de Fernanda Torres (59) para chegar ao lado humano do personagem.
"Enquanto eu estava criando ele nos ensaios, e até mesmo nas filmagens, a Fernanda começou a brincar comigo, dizendo coisas como: 'Esse cara é um ótimo pai, um excelente marido, ele vai visitar as tias na Tijuca, passa o domingão no Jockey Club'. Ela foi situando aquilo que ela estava vendo, e eu ia me trilhando por esse caminho, como se ela estivesse construindo o personagem junto", relembra e destaca o ato como uma generosidade da atriz.
Antes da parceria com Fernanda, Bertazzo já sabia que precisava fugir de caricaturas para dar credibilidade ao antagonista. "Todo vilão é herói de sua própria história. Minha ideia era defender o Schneider para que ele fosse real", explica. Inspirado nos relatos do livro de Marcelo Rubens Paiva (65), o ator entendeu que esses agentes da ditadura podiam ser gentis e familiares, o que tornava suas ações ainda mais cruéis.
Foi justamente durante a primeira cena de tensão do longa, quando Schneider e seus homens invadem a casa de Rubens Paiva (1929-1971), que o intérprete compreendeu o peso que seu personagem carregava na trama como um símbolo da violência do regime.
Trabalhar com Walter Salles foi um sonho realizado para o intérprete, que afirma jamais ter imaginado estar ao lado do diretor e "das Fernandas" em uma produção. Admirador de Central do Brasil, o ator não esconde a emoção que foi estar sob a direção de um dos cineastas mais reconhecidos do país, mas destaca que o sentimento não foi um empecilho: "Assim que cheguei no ensaio, toda a minha ansiedade se dissipou no momento em que o Walter se mostrou um cara genuinamente gentil, curioso pela minha história de vida, interessado na troca e no diálogo, assim como a Fernanda e o Selton", lembra.
O ambiente no set, conta, era de cooperação, respeito e muita leveza na condução das cenas: "Era um set sem afetação. Ninguém estava movido pela vaidade. O movimento era para contar e honrar a vida de Eunice Paiva. O que me marcou muito foi a condução da 'mise-en-scène' do Walter. Eu tinha a sensação de que estava dançando em cena. Tudo fluía naturalmente. A câmera estava ali para testemunhar o momento, sem fitas no chão marcando foco. Nada era duro e marcado".
Além da direção de Walter, o ator destaca o trabalho de outros profissionais da equipe, como Amanda Gabriel, que preparou o elenco, e Daniela Thomas, cineasta e parceira de Walter nesse e outros trabalhos.
Participar de Ainda Estou Aqui, um filme premiado internacionalmente e cotado ao Oscar, é motivo de orgulho para Bertazzo. "Quando li o roteiro do filme, que premiou o Murilo Hauser e o Heitor Lorega em Veneza, eu sabia que estava diante de um clássico. Isso me encheu de orgulho de ter feito parte desse marco do cinema nacional", afirma. A estreia mundial em Veneza foi um marco em sua carreira: "Passei pelo red carpet, então tudo isso é como pisar no Olimpo para mim, estar diante de deuses e deusas do cinema internacional".
Apesar de sua participação, Luiz se coloca também no papel de espectador e torcedor do filme: "Tem vezes que me distancio da obra e me junto ao Brasil inteiro nas torcidas pela Fernanda e pelo filme. Passo o dia obcecado por ver suas entrevistas internacionais, compartilho memes de “Tapas e Beijos” com legenda em inglês para os gringos terem a chance de se deleitar com nosso humor. Estou "to-tal-men-te dro-ga-do" pela onda Fernanda Torres", brinca.
Com papéis que frequentemente abordam rupturas históricas, Luiz diz que a participação em obras com pano de fundo social é uma escolha natural, mas a ausência dessa característica também não o impede de aceitar um personagem:
"Gosto de andar por outras áreas, me divirto muito como ator, então não negaria um trabalho que não estivesse nesse lugar político", explica e destaca que "atuar é extremamente prazeroso, então estar implicado em uma comédia, numa fábula, num thriller, num horror pastiche, em algo da ordem do entretenimento, pode ser político também, para além da temática".
Sobre sonhos, ele elege o desejo de interpretar uma biografia como o principal. "Gostaria de protagonizar uma biografia, de viver dia e noite na pele de alguém que já existiu, de experimentar essa obsessão que já vi atores e atrizes ao meu lado vivendo, como Julinho Andrade em 'Betinho' ou a própria Fernanda com Eunice. Isso de mergulhar em alguém que existe deve dar um barato doido", conclui.
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