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Silvero Pereira relembra sua infância: "Uma extrema pobreza"

O menino pobre de Mombaça, do sertão do Ceará, ganhou o Brasil com sua arte

Roberta Escansette Publicado em 17/08/2017, às 11h13

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Silvero Pereira - Cadu Pilotto
Silvero Pereira - Cadu Pilotto

Depois do sucesso no teatro com BR-Trans, Silvero Pereira (35) rouba a cena na TV como o motorista Nonato e a transformista Elis Miranda na novela A Força do Querer. Em entrevista à CARAS, o ator faz uma retrospectiva da sua vida, que sempre foi de muita batalha, mas também de grandes conquistas. “Penso que muitas coisas podem acontecer ainda. Sou uma pessoa satisfeita e bem feliz no lugar que cheguei. Gosto de pensar que estamos sempre no meio do caminho. E assim me sinto feliz.”

- Por que saiu de casa aos 13 anos?

- Já percebia dentro da cidade que era tudo muito limitado. Principalmente para quem quer fazer arte. E desde pequenininho sempre tive uma inclinação por ela. De brincar, de interpretar. De fazer programas de auditório, de cantar e dançar.

- Mas como teve acesso às artes com a realidade que tinha?

- Imitava a televisão. Tudo o que via na novela, no filme, em programa de auditório... Reproduzia isso em casa. Sempre gostei muito do Vídeo Show. Pegava o caderno de arte do jornal e ficava na mesa da cozinha lendo como se eu estivesse de frente para uma câmera.

- Que tipo de dificuldade sofreu na infância?

- Nossa, de uma extrema pobreza. É uma família que passou por todos os estereótipos desse nordestino de terra seca, rachada. Que não tinha água para beber, que devia muito no supermercado. Que tinha que comprar fiado para poder pagar só Deus sabe quando. Minha mãe sempre foi funcionária pública e meu pai era pedreiro, mestre de obra. Ficava três, quatro meses fora. Um mês em casa. Essa coisa de andar 10 quilômetros para conseguir água potável tudo isso vi de perto. Todo dia tinha que sair de manhã cedo com balde na cabeça e uma peneira para tentar tirar água para não vir com terra e levar para casa para tomar banho e para beber. De não ter o que comer. De comer arroz o mês inteiro porque não tinha dinheiro para comprar nenhum ovo. Dessa pobreza inteira sempre fez parte na minha vida.

- A televisão é que te deu acesso a arte?

- Exatamente. A TV trazia para mim essa ideia do que é ser artista.

- Trabalha desde muito cedo?

- Aprendi desde pequenininho a sustentar a casa por conta das condições. Com 13 anos trabalhava no supermercado entregando compras, botijão de gás. Depois ia para casa tomava banho e às 19h saía para a escola. Dos meus 10 aos meus 13 anos já vivia essa responsabilidade de contribuir dentro de casa. Vi a possibilidade de sair da minha cidade para pensar em um futuro melhor. Foi uma decisão muito madura minha e da minha família. Embora a minha mãe durante muito carregou o sentimento de remorso de não poder criar o filho. Mas depois ela compreendeu que foi a melhor decisão da vida dela. Se não tivesse saído de lá não teria chegado onde cheguei hoje.

- Da casa dos seus pais você foi para onde?

- Para capital morar com um tios. Trabalhei em lanchonete com eles. Dentro disso terminei o ensino fundamental e o médio. Ingressei em uma escola técnica, onde fiz o curso de turismo e foi onde conheci o teatro. Dentro da escola técnica comecei a estudar com professores que, de fato, eram especializados em teatro. Foi quando me apaixonei pelo palco. Vi os meus professores sendo profissionais dessa área e comecei a pensar no teatro como uma profissão. Com 20 e poucos anos criei o coletivo As Travestidas.

- Por que abordar este universo?

- O teatro é um espaço permissivo, mas também é preconceituoso. Os atores que se travestiam acabavam indo para as boates. Isso me incomodou bastante. Entrei na graduação com uma monografia falando da travesti no teatro e a representatividade disso.

- E foi assim que começou a se montar?

- Isso para o meu primeiro espetáculo Flor de Dama em 2002. Fiquei de 2000 a 2002 pesquisando.

- Como a família reagiu a este movimento?

- Eles demoraram muito tempo para me ver. Levou um tempo para os meus espetáculos serem montados na minha cidade.

- Sofreu preconceito em casa?

- Na verdade o preconceito era muito mais do lado de fora. A família sempre compreendia que eu estava em processo de transformação e respeitava. O que mais sofri de preconceito, mesmo, é a questão da xenofobia, por ser nordestino, o meu sotaque mudou muito por causa disso.

- Gloria Perez lhe viu na peça BR-Trans, não foi?

- Isso, no Rio de Janeiro. Em julho do ano passado, ela foi me assistir porque a Roberta Richard, que é uma das diretoras da novela, tinha visto. Gloria chegou muito quietinha, comprou o ingresso. Ninguém sabia da presença dela. De repente ela entra na primeira fila e senta no meio. Fiquei bem gelado. Depois quando terminou a peça ela pegou o meu Whatsapp e falou que gostaria de conversar comigo. Mas nunca pensei que dessa conversa pudesse nascer uma possível participação na novela.

- Você faz mais sucesso pelo Nonato ou pela Elis?

- Acho que com os dois. O Nonato ainda está muito ligado a nossa cultura patriarcal. A identidade de gênero ainda é muito confusa.

- E qual o seu personagem preferido?

- Gosto dessa brincadeira dos dois em um corpo só. Quando tenho que colocar os dois em uma cena só é um desafio muito grande.

- Como define esse momento profissional?

- É a realização de um grande sonho. Conseguir olhar hoje para a imagem do Silvero na televisão é um troféu para as pessoas da minha cidade, por exemplo. Percebo isso nas redes sociais de muitos conterrâneos. Pessoas que querem ser artistas e que me escrevem da minha cidade dizendo que sou um grande exemplo para a gente.

- Já voltou em Mombaça?

- Depois que começou a novela ainda não.  A minha residência é em Fortaleza. Construí essa casa com o teatro. Uma vez me perguntaram o que já tinha comprado com a televisão. Nada! Tudo o que tenho foi com o teatro. O teatro me salvou de determinadas coisas.

- Por exemplo?

- Da pobreza, do afeto, das questões financeiras, do cuidado com a minha família. Da minha consciência enquanto ser humano...

- Você ajuda a sua família?

- Tento fazer o que eles tentaram e não tiveram condições na época. Hoje um sobrinho meu que tem 20 anos mora em Fortaleza. Aluguei um apartamento, pago universidade para ele. Hoje tenho o privilégio de poder contribuir.

- Preserva as origens nordestinas?

- Sempre que recebo os amigos tento oferecer a comida regional. Feijão verde não pode faltar.

- Após a novela fica no Rio?

- Estou vivendo o momento. Tenho muito interesse de continuar na televisão. Sou bicho de teatro, já fiz cinema mas a televisão tem me encantado bastante. Ao mesmo tempo escrevo um novo trabalho que quero estrear em 2018 com uma pegada de musical.

- Depois de tudo o que contou, sente-se um vencedor?

- Ainda não. Penso que muitas coisas ainda podem acontecer.  Sou uma pessoa satisfeita e bem feliz no lugar que cheguei.  Gosto de pensar que estamos sempre no meio do caminho. É assim que me sinto feliz.