Em entrevista à CARAS Brasil, Camila Mota, a primeira mulher a dirigir um espetáculo do Teatro Oficina, fala sobre a experiência de trabalhar com Zé Celso Martinez Corrêa e o futuro do espaço artístico
A diretora de teatro Camila Mota (49) encerra neste domingo, 30, a temporada de Mutação de Apoteose, espetáculo que marca a estreia da primeira mulher a dirigir uma peça do Teatro Oficina Uzyna Uzona, em São Paulo (SP).
Em entrevista á CARAS Brasil, Camila afirma que a condição de não ter uma mulher a frente de uma produção no local “não era uma regra” e declarou: “não sou a primeira mulher que nasce diretora no Oficina”.
A artista se refere a figuras ilustres que iniciaram suas carreiras no espaço e se tornaram diretoras com a mesma linguagem dali, como Ítala Nandi (81), Maria Alice Vergueiro (1935-2020) e Cibele Forjaz (57).
“O Oficina é um espaço que propicia multi artistas, pela formação do Zé e pela maneira como acontece”, explica Camila, que justifica a demora de sua parte: “Eu sempre fui fascinada em ser dirigida pelo Zé Celso, minha endorfina de artista era alimentada em ser dirigida como atriz”, diz.
Apesar da estreia como diretora neste ano, Camila já havia co-dirigido Os Sertões, obra encenada em diferentes partes sob a condução de Zé Celso, morto após um incêndio no início deste mês. “Eu já estava desenvolvendo esse lado diretora e sendo alimentada pela direção do Zé”, destaca a artista, que ganhou a primeira oportunidade como assistente do diretor logo que chegou ao Oficina, em 1997.
SEM ‘APAGAMENTOS’
Outro aspecto que, segundo Camila Mota, criou uma dificuldade interna de se pensar em outras possibilidades de direção no Teatro Oficina, foi a relação “messiânica” criada ao longo dos anos entre Zé Celso e a companhia de teatro. Apesar disso, alguns homens surgiram ao longo dos anos na condução de espetáculos, como Ronaldo Daniel (71), Amir Haddad (86), Antônio Abujamra (1932-2015) e Fernando Peixoto (1937-2012). Junto a eles, a presença das mulheres sempre era muito forte, aponta Camila.
“Nem se percebia que era questão de gênero. Era aquilo de ‘garotos pensam e mulheres são musas”, analisa a diretora, que reflete a partir de uma visão macro sobre a situação. “Apesar de ser um lugar com mulheres em papel de produção, a questão do patriarcado sempre foi uma questão estrutural no Brasil,” diz.
Com a peça na reta final da temporada, Camila avalia a importância de ser a primeira mulher a dirigir uma peça no espaço. “O Teatro Oficina passar a discutir e ter questões relacionadas a gênero é muito saudável, mas não se trata de apagar as diversas diretoras que nasceram, apenas foi mais difícil”, analisa.
PRESENTE E FUTURO
Questionada sobre o futuro do Teatro Oficina sem Zé Celso, Camila Mota ressaltou que “não será criado um futuro” para o local, mas que a situação “já é um presente”. A profissional confessa que o fato de haver uma peça em cartaz durante a morte do diretor abriu caminho para “interpretar essa tragédia”.
“Se a gente não tivesse nada em cartaz seria mais difícil, pois daria espaço para especular o que seria do Oficina sem o Zé Celso. Agora, a gente vai ter que descobrir como trabalhar dessa forma, porque começamos a praticar, experimentar como o Marcelo [Drummond] já vinha fazendo, como com a universidade [Antropófaga] e outros pequenos trabalhos”, argumenta.
Camila afirma, ainda, que aspira por produções diversificadas a partir de então, que tragam diferentes pontos de vistas e desejos estéticos, mas que tenham uma ligação e compreensão entre si. “Um desafio muito grande”, arrisca a diretora.