Em entrevista à CARAS Brasil, Luh Maza comenta estreia de Carne Viva, peça escrita aos seus 16 anos que ganha montagem inédita no Brasil
Publicado em 20/03/2025, às 14h31
Luh Maza (37) é dona de um currículo invejável: dramaturga, diretora e atriz, a multiartista acumula trabalhos de sucesso durante os 20 anos de carreira, como a peça Kiwi e as produções De Volta aos 15 e Da Ponte pra Lá. Entre 20 de março e 20 de abril, ela apresenta o espetáculo Carne Viva em São Paulo. Escrito em 2003, quando Luh tinha 16 anos, a obra — inédita em solo nacional — abre espaço para o feminino no palco. Em entrevista à CARAS Brasil, a autora reivindica novos espaços: "Falar sobre tudo", declara.
A primeira montagem de Carne Viva aconteceu há 10 anos em Portugal, com a companhia Teatro Estúdio Fontenova. O texto, publicado em coletâneas e até indicado ao Prêmio Jabuti de Literatura, nunca havia sido encenado no Brasil. Agora, Luh revisita essa dramaturgia e, com uma nova perspectiva, dá voz a uma história que transcende o tempo. "É um encontro de três tempos: a Luh de agora, a Luh que encenou essa peça em 2015 e a Luh que escreveu esse texto em 2003", reflete.
Além de ser um encontro entre versões da autora, a nova montagem apresenta uma nova dimensão ao texto, agora interpretado por atrizes brasileiras. "É outra energia, é outro sentido para as palavras, para as histórias. Finalmente mostrar esse texto para o meu país, para os meus colegas artistas e para o público é muito especial", reflete.
A obra é uma investigação sobre a condição feminina na sociedade ocidental e parte de pesquisas profundas sobre o papel da mulher ao longo da história. "O texto nasceu de uma inquietação sobre como as mulheres foram moldadas socialmente. Essa personagem, chamada apenas de 'Uma Mulher', reflete sobre sua trajetória e o peso das imposições patriarcais, entrando em um transe onde se enxerga como Jesus Cristo", explica a dramaturga.
Embora ambas as peças tratem de temáticas sociais, a diretora ressalta que sua arte não se limita a um discurso panfletário: "A arte em si mesma já é social. A arte em si mesma já é política sem precisar levantar qualquer discurso político".
A encenação de Carne Viva é marcada por uma estética carregada de simbolismo. O cenário, composto por uma grande mesa de seis metros com um espelho d’água vermelho, representa a carne e o sangue, elementos centrais da narrativa. Os figurinos inspirados na Era Vitoriana evocam o aprisionamento social do feminino, enquanto a iluminação e o desenho de som criam uma experiência imersiva para o público. "A gente usa a tecnologia de som surround para envolver o espectador. O teatro pode ser tão sensorial quanto o cinema", destaca Luh, que tem experência nos dois meios.
O espetáculo, que inicialmente foi concebido como um monólogo, ganhou novos contornos quando a autora decidiu dividir a personagem entre três atrizes. "Não é uma divisão, mas uma multiplicação. São diferentes vozes que compõem essa mulher, trazendo diferentes mulheridades para a cena", pontua.
Além de Carne Viva, Luh também traz de volta Kiwi, um espetáculo que aborda a realidade de jovens em situação de rua e que marcou sua trajetória. "Essa peça tem uma linguagem atlética, onde os personagens estão sempre correndo, refletindo a urgência e a vulnerabilidade dessa juventude invisibilizada", explica.
Com uma carreira consolidada no teatro e no audiovisual, Luh vê esses dois universos se cruzando cada vez mais em seu trabalho. "O teatro me deu base para entender personagens, conflitos e dramaturgia. O audiovisual, por outro lado, me ensinou a pensar tempo, ritmo e estética de forma diferente. Hoje, levo um pouco de um para o outro e acredito que isso amplia minhas possibilidades como criadora", analisa.
Comemorar duas décadas de trajetória artística é, para Luh, um momento de reflexão sobre os espaços que ocupou e ainda pretende ocupar. "A gente já conquistou visibilidade, mas ainda falta sermos protagonistas nas posições de liderança criativa. Quero contar histórias que transcendam a questão identitária, que nos permitam falar sobre tudo", enfatiza.
Como uma das pioneiras no audiovisual e no teatro sendo uma mulher trans, Luh enxerga avanços inquestionáveis na representatividade LGBTQIAPN+ nas artes. "Ocupamos esses espaços como roteiristas, diretoras, atrizes e atores. Mas ainda é muito difícil ver nossos corpos nas posições de liderança criativa", analisa. Para ela, o grande desafio agora é ampliar as possibilidades artísticas para além da identidade de gênero: "Reivindicar o direito a ter uma obra de arte vista por si mesma, para além da minha identidade".
Além dos espetáculos teatrais, a artista segue envolvida em projetos audiovisuais como roteirista e diretora. "Tem muita coisa para acontecer, e o que me guia é o desejo de criar narrativas que importem, que tenham potência e que dialoguem com o público de forma verdadeira", conclui.
Ver essa foto no Instagram
Leia também: Danieli Haloten revisita passado com reprise de Caras e Bocas: 'Parece que foi em outra vida'