Vítima de assédio e de violência, a estrela Luiza Brunet vira símbolo de coragem: 'A vida me deu um momento de sofrimento absurdo, mas ao mesmo tempo consegui fazer desse episódio algo frutífero'
Há seis anos, Luiza Brunet (60) se viu diante de um dos capítulos mais dolorosos de sua vida. A fama e a extensa lista de predicados — ela é ícone de beleza, modelo de sucesso, empresária bem-sucedida e exemplo de mulher independente — não a isentaram de entrar para as tristes estatísticas da violência doméstica. “Comecei a pensar se o problema era eu. Não! Sempre cuidei da minha vida, sou a Luiza Brunet! Como deixo acontecer isso comigo? Não poderia deixar de lutar! Acredito que nenhuma mulher seja isenta, a violência doméstica é democrática”, afirma ela, ao falar sobre a agressão que sofreu do ex-companheiro, em 2016. Na busca por justiça, Luiza enfrentou críticas, julgamentos e precisou lidar com sequelas, mas não recuou e, desde então, transformou a dor em voz. Uma voz que luta pelos direitos e pela dignidade das mulheres. “A vida me deu um momento de sofrimento absurdo, de muita exposição, foi terrível, mas ao mesmo tempo consegui fazer desse episódio algo frutífero e do qual me orgulho. Não tenho vergonha de falar que apanhei aos 54 anos, porque isso me motivou muito a lutar por outras mulheres”, confessa ela, durante ensaio exclusivo para CARAS, em São Paulo.
O desfecho não poderia ter sido diferente, afinal, a superação e a força sempre foram inerentes à trajetória de Luiza. “Meu pai era alcoólatra e agredia minha mãe, a gente não falava nada porque tinha medo, não tinha a consciência de hoje. Aos 12 anos, sofri abuso sexual na casa onde trabalhava, sem falar no assédio moral e sexual que sofri na época de modelo. A sociedade nos calava, mas hoje as violações são reconhecidas”, diz ela, que se tornou ativista e viaja o Brasil e o mundo dando palestras. “Minha voz tem ecoado. Tenho essa responsabilidade como pessoa pública”, frisa ela.
Hoje, após ressignificar sua própria trajetória, Luiza assegura ter ficado mais forte diante das batalhas e exigente com as relações, mas segue com o coração aberto e pronto para se apaixonar. “Quero viver um grande amor novamente. Sou romântica e estar sozinha é ruim, porém sou bem resolvida nesse sentido”, admite ela, sem perder o charme e o encanto que a tornaram um símbolo sexual. “Eu me acho sensual, tenho saúde e me sinto útil. Isso traduz uma mulher que está plena!”, admite a mãe de Yasmin (34) e Antonio (23), da união com o ex, Armando Fernandez (71), de quem se separou em 2008.
– É difícil aceitar que a agressão pode acontecer com a gente?
– Nunca pensei que fosse sofrer violência da pessoa que eu amava, mas convivo com isso desde criança. Meu pai era alcoólatra e isso potencializava as agressões. Hoje, vejo que ele era doente, porque quando estava sóbrio era um excelente pai. Todos sofriam.
– Tudo isso te traumatizou?
– As lembranças são ruins e só temos noção com a chegada da maturidade. Eu pegava ônibus e tinha o que chamamos de importunação sexual, cansei de passar por isso. Ninguém falava absolutamente nada, nem a gente, porque tinha vergonha. O ganho que temos é o reconhecimento das violações que as mulheres sofrem. Não devemos aceitar, tem que fazer a denúncia. Até hoje tomo remédio, porque desenvolvi algumas síndromes por falta de cuidados. Você somatiza e reflete no corpo.
– Como lidou com as críticas quando decidiu lutar?
– Depois que decidi seguir com o processo veio a pior fase. Fui revitimizada, principalmente pelas mulheres, que me qualificavam como oportunista e faziam todos os julgamentos que você pode imaginar. Isso me incomodou profundamente, perdi meu controle emocional, só que não busquei ajuda psicológica, algo necessário para qualquer mulher que passa por isso. Na época, fiquei apavorada, sabia que eu não era nada daquilo e, mesmo que fosse, nada justifica sofrer violência. Por isso, lutei. Ao mesmo tempo, foi maravilhoso, pois deu visibilidade para a pauta.
– Houve falta de sororidade?
– Muita! Há uma dificuldade para trazer algumas mulheres para a fala feminista, talvez por uma competitividade, por não conseguirem realizar seus sonhos. Não entendem que precisam ir à luta. Lutamos por direitos iguais e quero ser respeitada. Vejo mulheres falando que vão votar em mulheres. Vamos votar em quem quisermos, desde que traga benefícios para a sociedade. Sou a feminista que agrega valor ao homem e sei que é difícil ser homem no Brasil, com toda a educação machista que existe. Precisamos desmistificar a ideia de que mulher é criada para ser mãe e obedecer ao marido. Estamos pavimentando o caminho para isso, mas ele é longo.
– Sendo mãe de menino, como aborda isso com ele?
– Sempre fui aberta, Antonio sabe de onde vim e de toda a minha história. É importante que as mães eduquem os filhos mostrando que não se bate em mulher. Antonio mora junto com a namorada, tem a autonomia e independência dele, mas se o vejo falando mais alto com ela, já chamo a atenção. Sou capaz de fazer uma denúncia contra meu próprio filho se eu vê-lo agredindo qualquer pessoa.
– Sua luta se transformou em um propósito de vida?
– É um tipo de trabalho que exige paixão. Como mulher e sociedade civil a gente pode e deve lutar por direitos, mas quando você passa a trabalhar com isso, e até me emociono ao falar, a gente vai além. Tenho estudado e passei a falar coisas que eu nem sabia que seria capaz. Não obrigo ninguém a fazer a denúncia, mas mostro o perigo e a responsabilidade que temos de lutar pelos direitos.
– Qual a lição que fica?
– Somos responsáveis pelas nossas escolhas e decisões, mas não estamos sozinhas, vivemos em um coletivo. Minimizar o sofrimento é possível. Eu disponibilizo um e-mail para as mulheres falarem comigo e minhas redes sociais viraram praticamente um consultório. Procuro entender a situação e encaminho para outras mulheres que também ajudam, é um coletivo, uma rede de apoio.
– Seu engajamento te fez pensar em entrar para a política?
– É verdade. Eu me filiei a um partido e fui convidada a me candidatar a deputada federal por SP, mas vivemos um momento muito polarizado e acho que eu ficaria limitada. Faço política humanitária e posso falar com qualquer partido, em qualquer lugar. No futuro, talvez, eu possa repensar.
– Como se sente aos 60 anos?
– Eu me acho maravilhosa, sensual e desejadíssima pelos homens mais jovens, embora eu prefira os maduros! Falo para as mulheres que elas precisam se sentir bonitas, pois cada pessoa é única. Todas nós temos atributos e temos que correr atrás do que nos faz bem.
– O segredo é a autoestima?
– O maior presente que Deus nos deu é a vida e ela passa rápido. Claro, em alguns momentos, fico chateada e triste, mas procuro estar bem. Problemas precisam ser resolvidos, não jogados para debaixo do tapete, senão a gente se acostuma e sofre.
– Está aberta ao amor?
– Não existe idade para a vida amorosa e sexual, basta ter vontade. Minha mãe é meu exemplo. Aos 81 anos, ela tem namorado, vida sexual ativa, viaja, tem autonomia. Gosto de namorar, beijar na boca... estou superaberta!
– Só para homens maduros!
– Sempre fui assim. Gosto de conversar, trocar ideias, admiro homens que têm inteligência e falam de diferentes assuntos.
– Ficou mais seletiva?
– Me achava exigente. A pessoa que me agrediu foi um homem que admirei, achava sofisticado e inteligente. Hoje, presto atenção nas histórias que eles contam, porque o agressor demonstra nas falas como ele é, por exemplo, falando mal da ex. Aprendi por experiência própria, tenho propriedade para falar. O agressor é apaixonante quando se apresenta, mas se revela aos poucos. Começa com a posse, depois a violência verbal, emocional... Quando aparece homem com papo furado, eu já corto.
Fotos Danilo Borges; Coord. fotográfica: Regina Kotsubo; Beleza: Leandro Rodaluge; Stylist: Tina Kugelmas; Finalização: Jujuba Digital; Agradecimentos: Alexandre Birman; Barbara Bela; Bo.bô; Boss; Dolce & Gabbana; Julio Okubo; Maxmara e Nádia Gimenes