É possível que você já tenha vivido ou testemunhado uma cena como essa no contexto amoroso: “Nenê té ête?” “Não! Ête, não. Té ôto.” A infantilização nos gestos, na linguagem e no tratamento entre parceiros amorosos é uma realidade amplamente presente. Ele a trata como uma miniatura de porcelana e a cerca com carícias “fofas”, além de falar-lhe usando-se de preferência o diminutivo. Ela, por sua vez, o infantiliza para aquém de um bebê recém-nascido e totalmente dependente, esvaziando-o de toda potência e consciência. Ou vice-versa.
O que pode estar contido nessas atitudes? O que querem dizer um ao outro, quando procedem assim? Em que lugar se colocam no cenário amoroso e, reciprocamente, qual lugar atribuem ao outro com esse tratamento? Isso é bom ou é ruim? Em um primeiro — e positivo — golpe de vista, talvez se possa dizer que essa tonalidade afetiva é carinhosa, meiga, gentil. E genuína — por que não? Mas também há de se considerar que, ao infantilizar o outro, a pessoa se coloca em posição típica de uma figura parental, em especial a mãe. Pouco importa se o gesto vem da mulher ou do homem. É uma manifestação do chamado “complexo materno”, uma espécie de “espírito da mãe” presente na psique de todas as pessoas e que, nessas horas, se apossa do sujeito e o domina. Mas, quando se considera que o “filho” ou a “filha” se encontra em idade adulta, essa forçada de barra chega a ser perversa. A “figura parental” fica grandiosa perante o ser amado, que, destituído de sua maturidade, retrocede a um estágio infantil. Quando aquele que é colocado no lugar do filho acolhe o papel que lhe é atribuído, fica autorizado o exercício do poder parental exercido pelo outro. Qualquer que seja o cenário, esse estado de coisas faz lembrar relações incestuosas.
Claro, há oportunidades em que a própria pessoa escolhe infantilizar-se, compelindo o outro a ocupar a posição parental. E há, ainda, situações em que ambos se infantilizam e viram “bebês irmãozinhos”, órfãos de pai e mãe. Se esse expediente tiver um propósito meramente lúdico e for apenas uma entre inúmeras e diversificadas maneiras de aquelas pessoas se relacionarem, não há problema algum. Complicado é quando essa se torna a modalidade preferencial de relacionamento. O principal problema está em que, sob esse diapasão, costumam desaparecer o tesão, a pegada, o fator especificamente erótico da relação entre pessoas que se amam. (Se esses elementos se preservam, talvez se constele aí um fetiche!)
Quando teimosamente incidente, esse padrão relacional costuma ser indício de que o plano da intimidade no casal está profundamente comprometido. Tudo se dá como se o único (ou o principal) modelo de intimidade conhecido e, então, reproduzido pelos parceiros, fosse aquele oriundo das relações com figuras parentais. Pode não ser um modelo ruim, mas certamente é restritivo e deixa o repertório amoroso empobrecido. Para quem se sente nutrido, ótimo. Para quem anda queixoso de que a vida não tem graça, no entanto, fica o desafio para aquecer o relacionamento e conduzi-lo a um patamar adulto, sexuado, interessante e motivador.