Em entrevista exclusiva à Revista CARAS, a medalhista olímpica Flávia Saraiva detalha sua jornada na ginástica e reforça apoio entre as mulheres
Nos Jogos Olímpicos de Paris, Flávia Saraiva (24) comprovou que o famoso ditado “tamanho não é documento” tem lá sua verdade. A ginasta, de apenas 1,47 m, se mostrou uma gigante após cair no aquecimento, cortar o supercílio, voltar para a competição e sair com uma medalha no peito!
Ao lado de Rebeca Andrade (25), Jade Barbosa (33), Julia Soares (19) e Lorrane Oliveira (26), ela conquistou o bronze por equipes na ginástica artística, um feito inédito para o Brasil. Feliz e realizada com a conquista, ela afirma que a medalha não é o mais importante.
“Quero tornar o esporte um momento único, para que as pessoas sempre lembrem da ginástica e da Flavinha como uma pessoa que mudou a geração do esporte”, diz em entrevista exclusiva para CARAS no Rayz Beach Point, no Leme.
– Como é ser uma medalhista olímpica?
– É um sonho realizado, fico muito feliz de ter conseguido conquistar essa medalha. Demorou um pouco, mas finalmente saiu e não tem momento mais especial para mim do que esse.
– Demorou?
– Antes, eu sentia que faltavam medalhas no meu currículo e, depois de um tempo, comecei a entender que uma atleta não se dá em torno de medalhas olímpicas ou mundiais. Lógico que a gente sempre quer, mas não é isso que me torna uma atleta. O que me torna é o que passei para as pessoas, para mim mesma, a história que escrevi e o que quero levar para minha vida. Daqui a uns 20, 30 anos, todo mundo vai esquecer quais medalhas você ganhou, mas ninguém vai esquecer do seu sorriso, do seu abraço, da sua história. Quero tornar o esporte um momento único para que as pessoas sempre lembrem da ginástica e da Flavinha como uma pessoa que mudou a geração do esporte. Sei que a medalha é importante, mas a sensação de estar lá representando o seu País é uma alegria enorme. Ver que as pessoas têm esse reconhecimento por você é melhor ainda.
– Então quais são as suas realizações pessoais?
– A medalha é consequência de um bom trabalho. Minha primeira realização é conseguir chegar à Olimpíada. Por conta das lesões, em um esporte de alto rendimento, a gente sabe que talvez não consigamos chegar à competição, porque é muito treino. Esse é o meu foco principal! Depois, é competir, chegar às finais, ganhar medalha. Mas o meu maior sonho é estar sempre feliz fazendo ginástica e ver que estou passando essa felicidade para as pessoas. Trazer o público para dentro do ginásio é demais, isso a medalha não compra. Nessa Olimpíada, consegui sentir isso o público torcendo por nós.
– Este ano você se mostrou gigante, o público vibrou com sua superação após a queda
– A gente treina tanto para chegar a esse momento tão especial, que não dá para abandonar. Eu estava com todo suporte médico, fisioterapeuta, meus treinadores, a comissão toda, e falei que estava bem e iria tentar. Se não me sentisse segura falaria. Me esforcei tanto, não queria jogar esse momento fora. Senão, ia ter que esperar quatro anos para poder competir na próxima Olimpíada e eu não sei se vou estar num momento tão especial como agora, na ginástica. Não queria sair de mais uma Olimpíada sem medalha, então dei minha vida.
– Vocês se tornaram referências no esporte. Como é essa responsabilidade?
– Não sinto como uma responsabilidade, mas como um dever cumprido. Me inspirei em ginastas mais velhas quando comecei, então ser inspiração agora é legal. Valeu a pena todas as coisas que passei, lesão, dificuldades, porque vejo crianças querendo se tornar ginastas, atletas, pessoas mais fortes. Que mais crianças pratiquem esportes, que mudem a vida delas como o esporte mudou a minha.
– Como mudou a sua vida?
– Eu vim da comunidade, de Paciência, no Rio, minha família não tinha tanta condição. Eu conheci países por causa do esporte, conheci culturas, pessoas, fiz amizades e até aparecer na TV, dar uma entrevista... O esporte me proporcionou essas coisas e pude mudar a vida da minha família.
– Você começou num projeto social, não foi?
– Sim, aos 8 anos, na ONG QualiVida, da Georgette Vidor, e foi importante ter um projeto social perto da minha casa. Foi um esforço da minha família, das pessoas que me ajudaram a construir esse sonho, porque tinha gente que me emprestava carro, emprestava dinheiro para a condução. Sou muito grata a todas as pessoas que me ajudaram a construir a Flavinha que sou hoje.
– A rotina de treino é intensa. Você consegue curtir a vida?
– Mais ou menos, porque a gente treina muito, de segunda a sábado, sete horas por dia. Domingo é para descansar. Óbvio que a gente faz coisas, sai, vai à praia, mas com sabedoria, porque segunda-feira já tem treino de novo.
– Abdicou de muita coisa?
– Não digo que abdiquei, eu quis viver dentro do ginásio, eu gosto de estar lá e as pessoas que estão lá são minhas amigas. Eu escolhi coisas diferentes para fazer.
– Além do desempenho, da dedicação, é bonito ver a sororidade entre as ginastas.
– Nós treinamos juntas, a gente se ama, somos irmãs mesmo, então nunca vou torcer para uma companheira minha ou uma outra atleta que pode estar competindo junto comigo cair. Eu sei da dificuldade que cada uma passou para estar ali. Gosto de vencer pelo meu mérito, porque eu consegui, não porque uma errou e, por isso, eu venci. Eu não posso torcer para outra pessoa não ir bem, eu vou aplaudi-la de pé, porque quando uma pessoa do Brasil vence, o Brasil todo vence. E quando uma mulher vence, todas as mulheres vencem.