Bom humor e sinceridade permeiam temas polêmicos e cenas inusitadas durante a trajetória do Papa Francisco, que possui personalidade única e opinião sincera
Publicado em 26/02/2025, às 07h00 - Atualizado em 21/04/2025, às 07h46
Confira a reportagem publicada pela Revista CARAS em fevereiro de 2024, na edição especial sobre o Papa Francisco:
Apesar de ser o líder de uma das instituições mais antigas do mundo — a Igreja Católica —, o papa Francisco costuma deixar protocolos e formalidades de lado e, muitas vezes, mostra-se um homem à frente de seu tempo. De temas polêmicos a situações inusitadas e engraçadas, o pontífice tira tudo de letra. “Eu não me sinto um homem excepcional. Eu não digo que sou um pobre, não; mas sou um homem comum que faz aquilo que pode, mas comum”, já disse ele, que não faz distinção entre as pessoas e recebe com entusiasmo até os mais excêntricos e irreverentes fiéis, como Mattia Villardita, que participou da Audiência Geral, no Vaticano, vestido de Homem Aranha. “Eu me visto de Homem Aranha para tirar um sorriso das crianças que estão no hospital. Faço isso porque tenho uma doença congênita”, contou ele, arrancando sorrisos de Francisco. Quem também fez o santo padre dar boas risadas foi um grupo circense de Cuba. Após apresentação, o pontífice fez questão de mostrar sua habilidade e equilibrou uma bola no dedo. “Eles são artesãos da alegria e da festa”, sentenciou Francisco, que parece ter uma afeição especial pelo universo dos picadeiros. Em seu aniversário de 86 anos, ele voltou a mostrar equilíbrio ao girar uma panela com a ponta do dedo, para a alegria das crianças presentes. “Brincar com as crianças é algo grandioso. A expressão das crianças é inocência, é promessa, coisas boas...”, exaltou.
Estar próximo aos fiéis e fazer com que eles se sintam acolhidos é uma das grandes missões de Francisco. Não à toa, o papa procurar romper barreiras para se conectar com seu povo e faz questão de usar os presentes que ganha, como, por exemplo, chapéus, colares e medalhas. Um dos momentos mais emblemáticos, aliás, foi durante sua visita ao Canadá, em 2023. Na ocasião, ele ganhou cocar de um líder indígena após pedir desculpa pelas ações da Igreja contra os povos nativos do país durante o início do século XIX. “Vim à sua terra para lhes contar pessoalmente a minha dor, implorar o perdão, a cura e a reconciliação com Deus”, disse Francisco.
Assim como feito no Canadá, o gesto de humildade diante de erros do passado e do presente tem sido uma constante no pontifcado do argentino. As acusações de abuso dentro da instituição, por exemplo, não silenciaram o papa. “Prometo que todos os responsáveis serão punidos. Para aqueles que foram abusados por um membro do clero, lamento profundamente as vezes em que você ou suas famílias relataram o abuso, mas não foram ouvidos ou acreditados. Saiba que o santo padre ouve e acredita em você”, afirmou Bergoglio. “Eu sinto dor e vergonha pelos danos causados”, emendou ele.
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Temáticas polêmicas como homossexualidade e o uso de contraceptivos também foram pauta do pontífice, muitas vezes, contrariando grupos conservadores. “Se um homossexual aceita o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-lo?”, disparou ele, que mais tarde voltou a se desculpar pela
marginalização de alguns grupos. “Acredito que a Igreja não deve apenas se desculpar, não deve apenas pedir desculpas a essa pessoa que é homossexual e que foi ofendida, mas deve pedir perdão aos pobres, às mulheres exploradas, às crianças exploradas”, ressaltou ele. Apesar de se manter incorruptível em relação à temática do aborto, o santo padre já disse que evitar a gravidez não é “um mal absoluto”. “Deus lhes dá métodos para serem responsáveis. Alguns pensam que, desculpe usar essa palavra, para ser bons católicos temos que ser como coelhos. Não. Paternidade responsável”, apontou
ele, quando questionado sobre o controle de natalidade.
Sem meias-palavras, Francisco não se nubla diante das verdades, por mais amargas que sejam. Em 2017, chegou a sugerir, por exemplo, que é melhor ser ateu do que um mal cristão. “É um escândalo dizer uma coisa e fazer outra. Isto é uma vida dupla”, apontou ele, que também já deixou claro: ninguém é melhor do que ninguém. “O Senhor redimiu a todos nós com o sangue de Cristo: todos nós, não apenas os católicos. Pai, e os ateus? Até ateus. Todo o mundo!”, comentou ele, em missa. Nem mesmo o negacionismo de alguns diante da vacina passou despercebido. “É estranho, porque a humanidade tem um histórico de amizade com as vacinas”, afirmou Francisco. Foi na pandemia, aliás, que ele protagonizou uma cena histórica: sozinho e embaixo de forte chuva, rezou e deu indulgência plenária ao mundo em meio à silenciosa e vazia Praça São Pedro, no Vaticano. “Nós avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis em um mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te: Acorda, Senhor!”, proferiu o santo padre.
Se Francisco deixa sua marca em gestos e palavras, com suas expressões não é diferente, já que ele é mestre em fazer caras e bocas. Como todo bom latino de origem italiana, sua linguagem corporal endossa suas falas e entrega seu estado de humor: bravo, irritado, feliz ou entusiasmado. “Zangar-se com Deus é, algumas vezes, uma forma de rezar ao Pai, que sempre nos escuta”, explicou o papa, que até de olho roxo — fruto de um pequeno acidente com o papamóvel na Colômbia — cumpre sua missão. “Dai-me a graça de compreender uma piada, uma brincadeira, para conseguir um pouco de felicidade e para dá-la de presente aos outros”, pediu ele, sem perder o humor nem quando é ‘traído’ pelo vento, que faz suas vestes voarem.
Antenado às mudanças da sociedade, Francisco possui conta nas redes sociais e soma mais de 9 milhões de seguidores. “A internet pode oferecer possibilidades de encontro e solidariedade entre todos; e isso é bom, é um presente de Deus”, atestou ele, sem deixar de apontar os pontos negativos das mídias sociais, como as fake news. “Nenhuma desinformação é inofensiva. Ao contrário, confiar no que é falso produz consequências terríveis”, ponderou ele, creditando a Maria, mãe de Jesus, o título de maior influencer do mundo. “A jovem de Nazaré não aparecia nas redes sociais da época. Ela não era uma influenciadora, mas, sem querer, tornou-se a mulher que mais influenciou a História”, concluiu ele, que, assim como ela, influencia o mundo com seu exemplo de paz e amor.
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