O marido é um “tranqueira”; escandaliza; desqualifica a parceira; é agressivo; tem comprometimentos financeiros; dá motivos para que se duvide de seu caráter e assim por diante, mas, mesmo azucrinada e insatisfeita, a mulher permanece ao seu lado. A terceiros, argumenta: “No fundo, ele tem bom coração” — não se dá conta de que é com a superfície e não com o fundo do parceiro que ela se relaciona. O oposto também ocorre. A mulher é infernal. Não dá trégua. Queixa-se. Reclama de tudo. Cobra em todas as moedas. Exige. Nada oferece. Faz o parceiro parecer o “ó do borogodó”, ao passo que se divulga como maravilhosa. É ferina, perversa. O cara permanece com ela. “É uma boa mãe para as crianças”, acredita.
Relações tóxicas como essas não são exclusividade de casais. Ocorrem em quaisquer ligações pessoais (familiares, de trabalho, em sociedades comerciais etc.), porém a incidência nos relacionamentos amorosos salta aos olhos. O que determina, afinal, que as pessoas sejam capturadas e mantidas em situações como as descritas acima? Há saída para esse tipo de cativeiro?
É fato que os envolvidos sentem-se mais fortes quando pensam sobre o assunto. À medida que conseguem se posicionar com certo distanciamento, enxergam perfeitamente o pernicioso roteiro que ajudam a encenar. Uma vez dentro do contexto conflitivo, porém, voltam a se deixar enredar. Por que isso acontece?
Para chegar a uma resposta, é fundamental que se entenda a dinâmica de tais relacionamentos. Em geral, ela conta com alguns dos componentes a seguir:
1. O algoz é capaz de suscitar no outro terríveis sentimentos de culpa (sentimentos que ele próprio, aliás, geralmente não experimenta). Isso explica boa parte do aprisionamento. “Como posso me ausentar desta relacionamento, se sou devedor?”
2. Tudo, na relação, se polariza, sendo que cada parceiro se incumbe de desempenhar papel de um dos polos: um é devedor e o outro, credor; um detona quaisquer valores, o outro é ético; um é descuidado, o outro, cuidadoso; um barbariza, o outro tem especial requinte. O cuidadoso, sensato e requintado se sente pessoalmente responsável por manter inteiro o sistema relacional. A fantasia é que, caso se retire, obrigará o conjunto a ruir. E ele não tolera arcar com essa responsabilidade.
3. A vítima experimenta dúvidas a respeito de sua própria leitura dos fatos, bem como de sua saúde mental. Embora perceba a situação muito bem e não cometa distorções, a contundência da desautorização do outro é de tal porte que ela chega a pensar que está louca. E, se está louca, é o algoz quem está “certo” e ela entende que deve permanecer ao lado dele.
4. Por rugir, o algoz parece um leão, quando é rato. Insegura, a vítima acaba agindo como quem se sente “protegida” ao lado dele.
5. Instaura-se a síndrome de Estocolmo, ou seja, a vítima desenvolve uma espécie de compaixão para com o algoz, na tentativa mágica de, com isso, não mais ser destinatária das ações destrutivas de seu par.
Existe saída para essa dificuldade tão terrível? Sim, existe, claro. Pela porta. Ou pelo aeroporto, pela rodoviária, pela estação de trem. Mas é bom advertir: antes de sair, será necessário a vítima procurar um advogado, porque o algoz pode inverter a situação e fazer dela o bandido. Cuidado.