Em 2019, a cantora Elza Soares visitou a Ilha de CARAS e em entrevista exclusiva falou sobre sua trajetória
Quando subiu ao palco pela primeira vez, em 1953 no programa de Ary Barroso (1903–1964), Elza Soares (1930 - 2022), aos 13 anos, já era mãe, mas não tinha dinheiro para alimentar seu filho. Foi em busca do prêmio, usando uma saia remendada com alfinetes.
"De que planeta você veio?", perguntou o apresentador, assustado. "Do planeta fome!", respondeu. Ela já contou essa história várias vezes, mas agora, refletindo na Ilha de CARAS, em Ilhabela, São Paulo, Elza confessa não saber a resposta.
"Passei por tanta coisa nessa vida que já nem sei mais de onde vim. Porque vou te falar, é difícil, viu? Viver é uma maravilha, mas a gente paga um preço muito alto", desabafou a cantora, que vive um de seus melhores momentos profissionais.
Ela ganha uma homenagem no Rock in Rio, onde lança o 84o álbum, Planeta Fome, e será enredo da Mo cidade Independente de Padre Miguel em 2020, cujo título é Elza Deusa Soares. O musical sobre sua vida, Elza, também foi o mais premiado do último ano.
– Enfrentou muito em silêncio. Como vê a luta das mulheres?
Era uma época em que as mulheres não se davam. Hoje, entendemos a necessidade que temos uma da outra. A gente já sabe da nossa força, só não queremos assumir isso. Mas temos que assumir. Hoje, denunciaria a violência doméstica que sofri, mas, na época, era muito difícil denunciar.
– E a luta contra o racismo?
Na minha família, tem branco, pretinho, mulato, moreno, índio... Isso é privilégio, mas temos vergonha. Sofri muito racismo, mas nunca liguei. Sempre tive muito peito, passo por cima!
– De onde vem sua força?
Sou de família muito pobre. Dormia em uma esteira. Buscava comida em quartel. Via minha mãe lavando e passando dia e noite com feridas na perna. Andava horrores para estudar. Meu pai não me deu nada, mas me deu força para viver. Sempre me disse para ir em frente. Hoje, me assusta o que vejo. No máximo, os filhos ouvem os pais por WhatsApp. Mas o País vai melhorar. Não vou alcançar esta melhora, mas quero deixar minha marca, de que ajudei nesta mudança.
– O que te derruba?
Falta de educação, desconforto com este País tão destruído, ver que os índios não terão a terra deles, por exemplo. Mas minha força de luta não cai, nunca.
– Qual foi seu ápice?
Muitos. Tive inúmeras decepções também. Não fiquei rica com a música. Não me incomoda.
Tendo um teto, podendo almoçar e jantar e vendo meus filhos felizes, está tudo bem. Não preciso de palácio porque vou morrer e não vou levar nada. Mas hoje vivo uma fase maravilhosa.
– Arrependimentos?
Não me arrependo de nada. Se fiz o que não devia, ao menos fui eu que fiz, ninguém tem culpa.
– Sempre foi vaidosa?
Nada interfere em minha vaidade. Toda hora que vou ao médico aviso: "Vê se caiu alguma coisa. Se caiu vamos levantar". Não é porque você é forte e lutadora que vai ser desleixada. Temos que mostrar que somos fortes, maravilhosas, mães, mas lindas e belas. Eu me gosto muito, meu Deus do céu!
– É uma pessoa agradecida?
Amo meus filhos. Deus me deu esse privilégio. Tive João Carlos tão jovem que ele cresceu comigo. Tive o Gerson, um grande sofrimento porque ele teve problema de pulmão e eu não tinha dinheiro para tratar. Tive que dar para adotarem, mas recuperei ele. Tenho a Dilma e a Sarinha, além dos que faleceram. Filhos são um presente que muitos não sabem como agradecer. Passei por muita coisa e estou de pé. Errei muito também, claro. Sou um ser humano, não fiz só coisa bonitinha. Não sou santa, não. Sou mulher, tenho meus desejos, tenho meus vícios. Acima de tudo, sou mulher negra. Fui muitas vezes rejeitada. Sofri muito, mas nunca perdi a minha dignidade e não perderei jamais!