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Medo da entrega é herança deixada pelo machismo a ambos os sexos

Nahman Armony Publicado em 12/11/2013, às 21h32 - Atualizado em 10/05/2019, às 11h20

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Muitas vezes ouvi mulheres reclamando de homens que não se deixam amar: dão um jeito de quebrar o clima de intimidade quando este se aproxima da entrega total e interrompem os movimentos acariciantes quando o relaxamento beira o ápice. Dentro de uma mentalidade patriarcal, é possível compreender tal comportamento. O homem entregar-se a seus sentimentos é sinal de fraqueza inconcebível para o machismo. Valoriza-se então a capacidade de permanecer objetivo, sem se deixar influenciar pelo subjetivo, mantendo-se no controle da situação. É uma questão de princípio, mas também pragmática, porque o prazer obtido no encontro amoroso pode vir acompanhado de uma gratidão com um amolecimento da dureza do ego. O homem fica mais predisposto a atender aos desejos da companheira e mais sensível às suas necessidades. Para o machismo isso é perigoso, pois tira o homem da posição de dominador. A solução encontrada por ele é entregar-se até certo ponto, não ultrapassando a linha além da qual a gratidão e o relaxamento o fariam sair de sua posição de poder.

Essa situação era a que prevalecia no século XX. De lá para cá muita água passou debaixo da ponte. O machismo está perdendo o valor e, embora ainda haja uma certa indefinição, a sensibilidade masculina está em alta.

A indefinição da qual falo refere-se a uma dubiedade quanto à masculinidade do homem hoje. Ele precisa ser sensível, mas não deve abandonar certos comportamentos, como pagar a conta da companheira, abrir a porta do carro e outras gentilezas exclusivas de homem, estabelecendo ainda uma diferença de gêneros. 

Ou seja, o assunto permanece confuso — ou, digamos, está em processo de elaboração social —, e mais confuso se torna quando nos deparamos com outro fenômeno compreensível: a mulher atualmente apresenta o mesmo medo de entrega. Vamos tentar compreender:

Por séculos a mulher foi oprimida, até que as condições sociais e tecnológicas vieram permitir uma revolta contra sua condição de inferioridade. As primeiras feministas, diante da força esmagadora da tradição, tiveram que vestir o uniforme de supermulher, tornando-se tão agressivas quanto o homem. À medida em que elas foram conquistando espaços e se libertando do jugo masculino, a luta se amainou e essa força passou a ser desnecessária. Mas no inconsciente coletivo feminino ficou a lembrança arcaica de uma época terrivelmente desfavorável à mulher. O medo inconsciente do retorno da dominação masculina faz com que a mulher de hoje evite uma entrega completa, repetindo, por outros motivos, o comportamento do homem. Este, por sua vez, ainda parcialmente aprisionado pelo antigo modo de agir, também não consegue uma entrega completa. Ou seja, homem e mulher se entregam apenas até certo ponto e não vão além por medo de se sentirem dominados (e também de perder a individualidade, que é um dos grandes fantasmas de nossa época). O resultado é a incompletude da relação amorosa, que deixa ambos insatisfeitos, facilitando o rompimento ou a procura de outros parceiros.

Espero que estas considerações possam ajudar os casais a se encontrarem o mais próximo possível da plenitude de suas potencialidades amorosas, que hoje vão muito além da relação sexual padrão.