Em entrevista à Revista CARAS, Maria Padilha fala sobe maternidade, machismo, racismo e beleza após os 60 anos
De volta à TV, Maria Padilha (64) mergulha em trama densa e, infelizmente, muito comum, em Justiça 2. Na série do Globoplay, ela interpreta Silvana, mulher que sofre violência doméstica e que ajudou a colocar Balthazar (Juan Paiva) injustamente na cadeia. Temas abordados na história, como machismo e racismo, são comuns no dia a dia dela que, além de mãe de Manoel (12) e atriz, é mulher. “Não somos definidas por uma coisa só. A minha única realização na vida não é só ser mãe. Acho importante as mães não esquecerem de si mesmas”, pontua.
– Como foi viver uma trama tão pesada quanto a da Silvana?
– De cara eu vi que estava diante de uma personagem incrível, que era um desafio, porque nunca tinha feito nada parecido. E também vi que era uma história necessária, para ser contada, porque muitas pessoas passam por isso. Achei interessante a Manuela Dias (autora) colocar isso acontecendo com uma mulher que tem instrução, porque ela cursou pediatria, tem um nível financeiro e, mesmo assim, se vê em uma prisão. Acho interessante isso pra gente tirar qualquer responsabilidade das vítimas. Porque, normalmente, quando a gente vê mulheres que sofrem abuso ou violência doméstica, tem sempre alguém colocando responsabilidade na própria vítima, na roupa ou no comportamento. Dizem que ela foi burra, sendo que ela é a vítima!
– Você e a Silvana são muito diferentes, não é?
– Eu perdi minha mãe aos 11 anos, sempre fui muito forte, independente, cheia de opinião, sempre trabalhei, nunca fui sustentada por nenhum marido. A gente faz o possível, mas a cultura que está em volta da gente é muito forte nesse sentido do patriarcado. A gente sente a misoginia, o machismo em outros lugares na vida. O síndico vem falar alguma coisa comigo, ele já vem num tom mais alto, porque eu sou mulher.
– Incomoda ver uma mulher independente...
– Incomoda e acho que a sociedade desrespeita muito a mulher, não só no relacionamento amoroso. Por exemplo, seja qual for o problema da criança, a culpa é da mãe. Fez tal coisa, “ah, mas a mãe...”. Ninguém pergunta se a culpa é do pai, se é da própria criança. Está enraizado na sociedade brasileira esse patriarcado. As próprias mulheres são de um machismo aterrorizante. Tem muita luta ainda pela frente.
– E você não quer criar um filho machista...
– Deus me livre! Estou com muita fé nessa geração aí, que já está com uns 20 e poucos anos e nas que virão, porque eles já estão sendo “alfabetizados” no sentido de vida, de uma maneira diferente. Por exemplo, a palavra ‘fluida’ entrou na cabeça deles, a coisa sexual já não está tão binária e acho interessante isso, para ampliar a possibilidade de escolha e que as escolhas não sejam tão doloridas.
– Por ser mãe de um menino negro, o racismo abordado na série deve ter mexido com você.
– Por causa do meu filho e por causa do mundo, da vida, fiquei arrasada com essa trama! A Silvana está em reparação, mas ela, assim como a maioria da sociedade brasileira, não se achava racista. Quando eu era criança, lembro que a minha avó era uma mulher muito à frente do tempo, era uma militante antirracista, uma mulher da aristocracia. Eu já fui criada assim, a gente sempre pensou muito nessa história do racismo no Brasil, no mundo.
– Vivenciou racismo com ele?
– Infelizmente. Eu já tinha isso na minha cabeça, porque a minha babá, que me criou e por quem eu era apaixonada, era negra e eu já tinha visto ela sofrer várias situações que quase enlouqueci. Porque quando é com uma pessoa que você ama é muito pior do que quando é contado, você sente na carne. Quando ele era bebê, a babá contou que quando passeava com ele na rua perguntavam se ele era filho da Camila Pitanga ou do Lázaro Ramos, porque na cabeça das pessoas, um menino negro, bem vestido, com babá, tem que ser filho de um dos dois. Porque a situação econômica dos negros no RJ é muito cruel, desde a abolição da escravatura que eles não foram inseridos devidamente no sistema social. E já tive situações barras-pesadas em restaurantes. O Lázaro Ramos uma vez me falou para não deixar o Manoel sem camisa na rua, porque de repente ele pode correr, porque criança corre, e um menino negro sem camisa podem achar que é ladrão.
– Está sempre preocupada?
– É uma guerra aqui. Saiu tem que botar camisa, tênis, tem que andar bem vestido, é surreal o que a gente tenta proteger. Outro dia, estávamos em Ipanema, ele não estava de tênis, mas estava bem vestido, correndo com o celular na mão e de repente ouvi: “Pega ladrão!” e veio a polícia pegar ele. Eu passei um sabão na polícia!
– Você é uma mãe leoa!
– Sou, mas acho importante falar que não somos definidas por uma coisa só. Sou mãe, mas sou mulher, trabalho, faço exercício, tenho várias coisas na minha vida, não vivo só para ser mãe. Acho importante as mães não esquecerem de si mesmas. O amor de mãe é avassalador, a gente nem sabe o que faz com tanto amor, mas, ao mesmo tempo, também tenho que ser eu para poder amar alguém.
– Nesse retorno, as pessoas se surpreenderam ao ver que você está muito bem. Uma mulher de 64 anos não pode ser bonita?
– Pode, tem muitas e terá cada vez mais! Tive sorte que nunca gostei de cigarro, nunca tive paixão por bebida, por noitada, sempre fui meio da saúde, até porque o teatro te exige muito fisicamente, espiritualmente e mentalmente. Tenho uma boa genética, porque a minha família é longeva e acho que quando a gente faz uma coisa que a gente gosta, ajuda. Cuido da alimentação, faço crossfit, faço uns lasers, um microbotox para não ficar sem expressão, tenho dermatologista, nutricionista, mas nada exagerado, porque nem tenho dinheiro para isso tudo. Vejo pessoas da minha geração que estão muito bem. Dá trabalho, claro. Quanto mais a gente envelhece, mais tempo tem que investir para a gente ficar direitinho. Vou começar a publicar no Instagram tudo que faço, porque acho que as mulheres podem e mesmo que não estejam bem, podem voltar a ficar. A expectativa de vida hoje em dia é maior. Quando o Manoel chegou na minha vida eu já estava com 52 anos e pensei: “Tenho que viver bastante para eu ir embora quando ele estiver adulto”. Porque eu tinha esse trauma de ter perdido a minha mãe muito cedo, sei como é dolorido para uma criança. Acho que talvez por isso demorei tanto a ter filho, porque, inconscientemente, eu tinha muito medo de não estar ali, porque eu sei o que me custou isso, muita terapia.
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