Em entrevista à Revista CARAS, a atriz e humorista Júlia Rabello fala sobre cenário do humor para mulheres e analisa sua jornada na arte
Nascida em uma família de artistas, Júlia Rabello (43) entrou para o teatro na infância, mas o sucesso só veio tempos depois. “O reconhecimento do grande público veio lá pelos 30 anos, quando fiz o Porta dos Fundos”, recorda ela, cujas dificuldades ao longo do caminho quase a fizeram desistir.
A atriz chegou a estudar para um concurso público — durou duas semanas —, mas aceitou sua vocação.
“Quando abracei isso, a vida deu uma virada”, conta, em papo com CARAS, no Explore Bar, no Rio. Hoje, cheia de trabalhos, alguns em andamento e outros para lançar, a artista provoca o riso e a reflexão. Tanto na peça Agora É Que São Elas, como no podcast Incomodada Ficava a Sua Avó, Júlia toca em assuntos que são caros para a sociedade e para ela.
– O humor salva?
– Salva. Como disse o Paulo Gustavo, é um ato de resistência. Salva as pessoas, a sociedade. É uma ferramenta de transformação social, você pensa: ‘deixa eu ver isso de uma forma mais leve’, ele é instrumento de saúde mental. Mas, ao mesmo tempo, é uma ferramenta consistente se você quer transformar alguma coisa, se você quer usar a crítica. Uma piada destrói impérios, é uma potência.
– É mais difícil para a mulher fazer humor?
– Na sociedade que a gente vive, para não ser generalista, mas podendo ser, tudo é mais difícil para
a mulher. Para o masculino o vento é a favor, para o feminino o vento é contra. Fazer humor é uma ferramenta de comunicação poderosa, mas o poder é muito cerceado para a mulher, então é uma luta. Fui percebendo isso quando o humor foi se apresentando na minha vida. Acho que por causa do humor e pelo lugar a que cheguei nele, que foi pelo Porta dos Fundos, no Sobre a Mesa (esquete do canal), que é um lugar muito potente feminino, eu mesma fui aprendendo sobre o feminismo. E ainda estou aprendendo, isso é uma jornada.
– Teve um tempo que a mulher no humor ou era burra ou gostosa. Em Agora É Que São Elas vocês interpretam todo tipo de personagem, até mesmo um homem. As coisas estão mudando?
– O humor lida com o que a sociedade dispõe para a gente de imagens. Antigamente, o espaço para a mulher no humor era muito da gostosa ou da desbocada, da transgressora e acho que a gente foi pegando o bastão que essas grandes mulheres trabalharam e ampliando esse espaço. A gente é mais que isso. Os espaços que as mulheres tinham na sociedade também eram muito restritos. Ainda são. Eu brinco que, depois da camada do verniz, a gente ainda tem muita coisa igual, mas a luta abriu espaços e tem aberto.
– No seu podcast, você também fala sobre o feminino. É um assunto essencial para você?
– Total. O humor me ajudou a entender muitas coisas e uma delas é o papel da mulher na sociedade. Especialmente o humor, que o próprio Porta dos Fundos se propôs, fala sobre a estrutura social e essa transformação toda que a gente está vivendo. Antigamente, o humor fazia piada com o oprimido. E é um interesse pessoal também, eu quis entender mais sobre a sociedade. Por ser mulher, não tem como você habitar um espaço público onde você tem voz e não tentar entender qual o seu papel, como você está inserido. Não tem como não tentar entender sobre questão de gênero, de raça.
– Quando se deu isso?
– Ao longo desses dez anos que estou trabalhando intensamente com humor venho me educando e tentando entender o papel da mulher nessa estrutura toda que favorece muito o masculino. Isso me fez querer entender o que é o feminismo, porque as pessoas têm tanto medo dessa palavra. E fui entendendo que o feminismo não é um ódio contra os homens, é sobre uma busca de direitos iguais. Existe um desequilíbrio nos papéis que a gente tem na sociedade. O objetivo do podcast é tentar falar sobre isso de uma maneira leve, mas com todo respeito que merece. É para ser uma porta de entrada para as pessoas que quiserem entender mais. Tem um caminho aí pela frente e é muito bonito, porque
acho que quando você entende qual é a alma do negócio, entende que é tudo ser humano, mas do jeito que a gente se organizou e do jeito que as estruturas são tem gente que está passando por coisas que não são justas. Não são só as mulheres, tem que entrar no recorte de raça, de identidade sexual...
– Algumas pessoas ainda dizem que é mimimi!
– Quem senta na janela não quer sair, né? Pensando na imagem do ônibus, num lugar confortável, quem está sentado na janela vai fazer uma resistência para mudar. E não tem janela para todo mundo. A gente tem que ampliar os espaços para as pessoas. A gente vive um tempo em que as fortunas estão acumulando cada vez mais e isso tem um preço, tem uma realidade concreta, para cada bilionário você tem milhões de pessoas passando situações degradantes e olha que estamos falando de um lugar em que a gente ainda experimenta algum tipo de conforto. A gente também passa perrengue, mas a grande galera é mais do que o perrengue, é desumano, é indigno, é violento, então a gente precisa, enquanto sociedade, tentar arrumar um equilíbrio para isso. O avanço tecnológico abriu muitas possibilidades de comunicação e não à toa estamos vivendo uma transformação da sociedade, porque a gente está ouvindo vozes que a gente não ouvia.
– Um dos temas do podcast foi o etarismo, outra pauta atual.
– Talvez o ser humano tenha muito medo de envelhecer, só que a gente também precisa comunicar as coisas bonitas do amadurecimento. Por mais que a gente olhe para a juventude e enxergue a potência e o desejo de viver, no amadurecimento a gente perde essa energia, mas ganha em outras coisas. Você vai perdendo o viço que a juventude espontaneamente te traz e que a gente reconhece como beleza, mas você vai ficando bonito por dentro. Só que é uma construção, se você não trabalha o seu amadurecimento, você perde a capacidade de florescer por dentro. Não que você não floresça, automaticamente a vida vai te dando experiência. Ainda assim, você precisa de um suporte para ficar bonito por dentro no amadurecimento e a sociedade, às vezes, vai contra, porque quando você diz
que o envelhecimento é ruim, ‘é coisa de velho’ ou quando você trata isso com repugnância, é ruim para todo mundo, porque é para onde estamos caminhando. Se você não amadurece, não envelhece, você morreu no meio do caminho e da morte a gente não pode dizer nada, porque a gente não sabe o que tem. Envelhecer tem tanta coisa legal. Tem os preços físicos e você precisa fazer exercício, se cuidar, mas a gente tem um certo medo. Temos que falar sobre isso para perder esse medo e enxergar a beleza.