Com seu pai, Reginaldo Faria, e a filha, Felipa, Marcelo Faria se renova com lições do passado e do futuro: “Tive uma criação machista e sou um machista em desconstrução”
Entre um clique e outro, o clima de harmonia e intimidade era evidente. “Onde já se viu um marmanjo de 50 anos fazer foto no colo do pai? Não dá!”, disparou, aos risos, Marcelo Faria (50), que preferiu apenas encostar a cabeça no ombro do pai, o ator Reginaldo Faria (85), para o registro.
Foi com essa descontração que Marcelo abriu as portas de sua casa carioca para narrar a dupla relação com a paternidade: a de filho do Reginaldo e a de pai da Felipa (11), fruto da relação com a ex, Camila Lucciola (37). “Comparações sempre existirão entre pais e filhos que escolhem o mesmo caminho profissional, mas nunca deixei isso me atrapalhar. Ao contrário, busquei incentivo por ter um pai cineasta e consagrado”, diz Marcelo. Das lições que aprendeu, e ainda aprende, com Reginaldo, a maior delas foi se manter sereno diante dos obstáculos. Tanto que, quando o assunto é a educação da herdeira, Marcelo não mede esforços para se reinventar e rever conceitos. “Tive uma criação machista e sei que sou um machista em desconstrução. Busco ser o melhor para ela. Felipa já vem com outros olhares sobre as relações e os seres vivos. Sejam humanos, animais ou a natureza de forma geral. Preservar e respeitar. Espero que eles melhorem o planeta”, fala.
Diante do encontro de gerações, Reginaldo é puro orgulho. “Vejo em Felipa o brilho, a inteligência, a sensibilidade e a determinação. Em Marcelo, vejo o que via nele quando tinha a idade de Felipa. Às vezes, me confundo, mas logo me situo, porque o que há de belo nele, há de belo nela. E podem me chamar de pai e avô coruja!”, avisa o veterano.
Se diante da família o ator tem motivos de sobra para comemorar, na vida profissional não é diferente. Após quatro anos, Marcelo volta aos palcos com a peça Duelos ao lado da atriz Patricya Travassos (67), no Rio. “Teatro é um desafio. O ao vivo não é para todos. Não tem como voltar a cena e fazer de novo, sem falar na preparação, que é deliciosa, temos tempo para burilar os personagens e entendê-los minuciosamente. Em uma história com início, meio e fim faz o ator ter mais chances de acertar quem é a pessoa que está vivendo naquele momento”, detalha o eterno galã dos anos 1990, sem fazer do tempo um símbolo de amadurecimento. “Não me sinto mais ou menos seguro. Existir é uma gangorra e busco sempre o equilíbrio para viver bem. Não importa a idade”, frisa ele, que está namorando, mas se mantém reservado quando o tema é o coração. Confira os principais trechos da entrevista de Marcelo à CARAS:
– São mais de 30 anos de carreira. O que mudou nesse tempo?
– Fiquei mais velho (risos)! Eu acho que amadurecer na vida e na profissão é muito bom… nos dá mais tranquilidade para realizar os projetos sem ansiedade. Fiz muitos personagens de sucesso e a fama nos traz um certo conforto. Às vezes, deixamos passar determinado projeto mais desafiador por estarmos na zona de conforto e, hoje, me permito desafios sem receio desta fama. Hoje, a fama vem de outras formas. Qualquer pessoa que seja esperta nas redes sociais se torna uma celebridade e pode até protagonizar um projeto. Para quem está na arte real, isso não é uma ressonância agradável, pois banaliza muito o nosso trabalho, talento, estudo e a nossa história.
– É uma profissão difícil?
– Hoje eu não indicaria a profissão para quem estuda a arte na essência. Qualquer pessoa pode ser ator de novela ou série. É só ser famoso e ter milhões de seguidores. É um absurdo isso tudo. Subir ao palco para fazer um personagem não é banal. Falo sem nenhuma inveja dos tempos que vivemos, mas sim da forma que a produção audiovisual compactua com esse tema sem olhar diretamente para o talento do artista.
– Defina o Reginaldo.
– Meu pai, simplesmente isso. Um homem gentil, culto, que, por onde passa, é admirado.
– Quando você e seu pai estão juntos conversam de trabalho?
– Basicamente só falamos disso. Projetos, projetos e projetos! Mas falamos de relação, Flamengo, política, livros, viagens, boas comidas e bons vinhos.
– Como era sua relação com ele na adolescência?
– Adolescentes não são fáceis e eu não fui diferente. Brigamos e nos amamos sempre. Aprendi a ser educado com as pessoas por meio dele. Temperamento, às vezes, nos leva a trair nossa educação e nos faz chegar a lugares ruins, mas a vida é feita de erros e acertos. Quando resolvi não ir para a faculdade, ele me incentivou a fazer cursos de teatro, assim como minha mãe. Ainda bem que deu tudo certo (risos).
– Como você é como pai?
– Ser pai é uma das coisas mais belas e difíceis da existência. Não é fácil educar e criar um ser humano neste mundo tão desigual. As mudanças de comportamento nas novas gerações, muitas vezes, nos fazem olhar para dentro e buscar mudanças.
– Como é ser pai de menina? Ela sente ciúme de você?
– Somos bem unidos e conversamos muito. Ela tem liberdade para falar comigo sobre qualquer assunto... mas ela tem um pouco de ciúme de mim!
– Felipa tem vontade de seguir na área artística?
– Ela nem pensa nisso e a deixo à vontade. Acho cedo para definir qualquer coisa de profissão, mas Felipa é boa em exatas. Fato!
– Você e a Camila têm uma ótima relação. Qual o segredo?
– Somos pais e temos um papel em comum, educar a Felipa. Nós somos grandes amigos. Não sermos mais casados não significa que não nos amamos, apenas mudamos a nossa forma de amar.
FOTOS: Fernanda Candido; Produção: Samantha Szczerb; Agradecimentos: Amil Confecções e Edu Bogosian