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Ao reprimir o parceiro, ciumento tenta frear o próprio desejo de trair

Maria Vilela Nakasu Publicado em 11/12/2013, às 18h56 - Atualizado em 10/05/2019, às 11h20

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Estamos acostumados a acompanhar, pelos jornais e pela televisão, episódios relativamente frequentes de violência contra parceiros motivada por ciúme. Nos últimos tempos, porém, outro tipo de ocorrência tem chamado atenção: tentativas de suicídio e outros tipos de autoviolência têm sido praticados com a mesma motivação. São, em sua maioria, garotas e garotos que não conseguiram suportar, embora nem todos o admitam, o ciúme que sentiam de seus namorados e namoradas.

A possessividade faz parte da economia do amor. Mas, quando ela se torna organizadora da relação, a qualidade de vida dentro da relação cai e o grau de infelicidade e de insatisfação podem se elevar ao limite do insuportável, gerando não só a violência contra o outro como contra si mesmo, pois mulheres e homens que constroem um relacionamento aprisionador tendem a tornar-se prisioneiros em seu próprio cárcere.

Em relações assim, ambos os parceiros têm responsabilidades. Um impõe: “Agora que nos casamos, ela não precisa mais trabalhar”; “Odeio quando ele sai com os amigos”; “Como  ela ousa pensar em viajar sem mim?”; “Puxa, parece que ele prefere estar com sua família, do que comigo”. O outro admite a prisão: “É melhor mudar de escola, pois sei que ele tem ciúme do meu ex-namorado”; “Por que ficar brigando? Vou sair do trabalho assim que me casar para alegrá-lo”; “Prefiro recusar aquela viagem com os amigos a deixá-la chateada.”

O desejo de controlar, esse desejo tão humano, está presente em todas as formas de relações afetivas. Há mães que controlam os filhos, filhos que controlam os pais, maridos que controlam as mulheres, mulheres que controlam os maridos. Nos casais, essa possessividade, ou o grau de desconfiança de uma pessoa em relação à outra, pode ser proporcional a um desejo de novas experiências, às vezes até inconsciente, experimentado por aquele ou aquela que manifesta o ciúme. Sim, o temor de que o outro traia pode ter relação com a própria vontade de trair da pessoa. Ela projeta o seu desejo no parceiro e então constrói um cárcere para ele. Controla o outro para controlar a si mesma.

O outro muitas vezes aceita ser controlado pelas mesmas razões. “É até bom que ele me fiscalize, pois se não fosse assim eu poderia me soltar demais e me perder”, pensa. No fim das contas, todos querem conter o desejo de liberdade total, liberdade que poderia levar, no limite, a um descuido consigo próprio.

A saída para essa situação está no esforço em olhar para os próprios desejos — e admiti-los, pensar neles — antes de olhar para os desejos e ações do outro e querer inibi-los. Parece fácil, mas não é. Muito mais fácil é colocar no outro um desejo que é seu. Mas quando uma pessoa assume seu desejo e arca com a responsabilidade sobre ele, os efeitos dessa atitude para vida da pessoa — e do casal — tendem a ser muito positivos.

Quem assume o próprio desejo passa a ter mais facilidade de confiar no outro. Esse é o primeiro passo para que o ciúme e a necessidade de controle sejam redimencionados e para que a qualidade da relação amorosa possa melhorar. Mas trata-se de assunto íntimo, que se resolve interiormente. Só a gente pode se mobilizar no sentido de fazer a mudança crucial e finalmente dizer não ao cárcere afetivo.