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Atualidades / DIREITO USURPADO

Especialista aponta gravidade em fraudes de cotas após caso de Matteus Amaral vir à tona

Psicóloga e especialista em diversidade racial, Shenia Karlsson explica por que os brancos fraudam cotas raciais, em entrevista à CARAS Brasil

Thaíse Ramos
por Thaíse Ramos

Publicado em 17/06/2024, às 17h49

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Matteus Amaral diz não estar em um momento fácil de sua vida - Reprodução/Instagram
Matteus Amaral diz não estar em um momento fácil de sua vida - Reprodução/Instagram

Vice-campeão do BBB 24, Matteus Amaral (27) ingressou no curso de Engenharia Agrícola, do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia Farroupilha (IFFar), em 2014, após ter se inscrito nas vagas destinadas a candidatos pardos e pretos. A possível fraude veio à tona por meio do jornalista Gabriel Perline, colunista da Contigo!, e está repercutindo muito mal nas redes sociais. O gaúcho se pronunciou, alegando ter sido um “erro na hora de assinalar a inscrição”.

Em entrevista à CARAS Brasil, a psicóloga Shenia Karlsson, especialista em diversidade racial, explica como pessoas brancas têm usurpado o direito as cotas raciais, conquistado por pessoas negras e indígenas.

“Sabemos que desde 2012 o público está dentro das universidades públicas graças a Lei de cotas raciais, uma lei que nunca teve intenção de garantir vantagens a ninguém e sim, uma lei comprometida em garantir a proporcionalidade de acesso nesse espaço tão importante que é o ensino superior. Ampliada em 2016 para incluir também pessoas com deficiência, a lei de cotas é um enorme avanço enquanto dispositivo político e de enfrentamento contra o racismo, discriminação e a exclusão de grupos minorizados no sistema de educação no Brasil”, fala a especialista.

“Mas como tudo que visa a diminuição das desigualdades incomoda àqueles que sempre usufruíram de privilégios, o número de fraudes aumentou bastante, assim como as denúncias. Quando a lei de cotas foi implementada, jamais poderíamos imaginar que os brancos iriam utilizar uma suposta ancestralidade negra ou indígena para tentar burlar o sistema”, emenda.

Shenia ressalta que entre 2020 a 2023, houve um crescimento significativo de denúncias contra alunos brancos que se autodeclaram negros e ingressam na universidade roubando a vaga de pessoas negras e indígenas. “Com isso, os comitês de heteroidentificação foram criados para tentar combater este tipo de crime. Esses comitês realizam a leitura social do candidato a fim de verificar se é uma pessoa que sofre diretamente os efeitos da desigualdade”, informa.

Para a psicóloga, o racismo no Brasil expressa-se sobretudo por características fenotípicas. “A literatura conceitua como racismo de marca, ou seja, quanto mais características negróides mas suscetível a discriminação e a exclusão essa pessoa estará. Embora o colorismo seja bem discutido dentro da negritude, o colorismo é um fator quase inexistente para se discutir branquitude e acaba por banalizar marcadores sociais tão relevantes”, salienta.

“Atualmente, podemos observar uma fala bem frequente: “No Brasil todos são mestiços, a lei de cotas não faz sentido”. É uma fala perversa, com intenções mais do que perversas. O objetivo?  confundir para deslegitimar.  Ainda estamos polarizados em relação à legitimidade da lei, sobre sua importância e as contradições construídas acerca de uma lei muito objetiva. Essas contradições são geradas a partir de uma mentalidade presente em nossa sociedade que reproduz a colonialidade, uma forma específica de pensar a sociedade a partir de pressupostos coloniais”, acrescenta.

De acordo com Shenia , os historiadores e os cientistas sociais fizeram um trabalho importante quando listaram todas as leis de cotas criadas em benefício de brancos neste país, leis estas dificilmente citadas e questionadas por pessoas brancas hoje em dia. “Também esquecem das leis implementadas para excluir intencionalmente pessoas negras do acesso a direitos fundamentais, leis estas que hoje reverberam em suas vidas”, pontua.

Mas, por que brancos fraudam cotas raciais? A especialista responde: “O Brasil é um país que se construiu a partir da exploração de pessoas negras e indígenas, assim como toda sua estrutura econômica-política-social, e inclusive sua noção de direito e de quem o Estado protege e beneficia”.

E continua: “Como sociedade vivemos a partir de pactos coletivos e introjeção de ideias em que brancos são os únicos a serem beneficiados socialmente: melhores moradias em  partes nobres da cidade, direito à educação, saúde, cultura e afins, quando qualquer movimento de reparação é feito, os brancos costumam lidar muito mal com isso, entendem que políticas de inclusão e diminuição das desigualdades são ameaçadoras ao seu status quo”.

Ainda segundo a especialista, diante do sentimento de indignação, geralmente tentam a todo o custo recuperar o que para eles é direito só deles, e isso pode ser feito, inclusive, através de crimes e contravenções. "Como não é uma questão moral, visto que essa é uma realidade estabelecida para eles, não temem seu próprio sistema penal, pois sabem que esta estrutura também foi desenhada para sua proteção”, finaliza.