Lucélia Santos volta ao primeiro teatro de sua carreira para viver Nelson Rodrigues e fala à CARAS Brasil sobre a idealização da nova montagem
Lucélia Santos (67) está de volta ao teatro paulistano na pele da icônica Madame Clessi. Dessa vez, a atriz é responsável por "abrasileirar" a clássica personagem de Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues (1912-1980) na montagem em cartaz no Teatro Anchieta, no Sesc Consolação. "É uma indígena", conta a atriz em entrevista exclusiva à CARAS Brasil.
"A minha Clessi está escrita. No Nelson você não inventa nada, é como Shakespeare, é só você fazer o que está lá, com a vírgula, o travessão, a caixa alta, só seguir as rubricas", responde Lucélia ao ser questionada sobre a inspiração para a heroína de Alaíde na história. Apesar de reforçar que Nelson conduz sempre a personagem, a atriz ressalta que dessa vez, Helena Ignez (85), diretora do espetáculo, não aderiu ao chapéu de plumas da cafetina rodriguiana.
"Todas as Clessis tinham aquela abordagem, mas eu usava uma trança para ensaiar e a Helena disse que gostava e surgiu que fôssemos por esse caminho e assim nasceu uma Clessi mais brasileira. Minha Clessi nasceu em Rondônia ou no Rio de Janeiro. É uma brasileira. Tirou aquela coisa francesa. É uma cigana. Uma mulher que podia ser pé no chão. Não faço pra seguir um glamour, é uma indígena...a gente deu uma abrasileirada", explica.
Os detalhes da composição de sua personagem e a idealização da peça são contados por Lucélia durante a entrevista diretamente da plateia do Teatro Anchieta. O local foi o primeiro espaço onde a atriz atuou nos palcos quando ainda tinha 14 anos, no início dos anos 1970. "Foi aqui nesse pedaço de pau onde ficava deitadinha e tinha um holofote de luz e eu começava a cantar", relembra a atriz apontando o exato canto de sua performance.
Na peça em questão, Lucélia recorda ter interpretado um repolhinho. "Eu era muito criança, não podia fazer nenhum papel adulto, mas o produtor gostava de mim, então fui no juizado de menores e tive uma autorização do meu pai e eu vinha todo dia de Santo André fazer a peça", conta. O espaço, porém, já fazia parte de sua vida antes dessa primeira experiência. Foi ali que Lucélia assistiu à primeira peça de sua vida: A Moreninha, protagonizada por Maríia Pêra (1943-2015) e Perry Salles (1939-2009).
"Eu fui de excursão do colégio. Todo mundo foi embora e eu não fui. Eu fiquei colada na cadeira vendo as pessoas desmontando o cenário e pensei 'isso que eu quero pra minha vida'", relembra. De lá para cá, Lucélia Santos nunca mais havia atuado no Teatro Anchieta, bem como nunca havia encarnado nenhuma personagem de Vestido de Noiva.
A ideia da atual montagem foi uma idealização da própria Lucélia Santos após retirar o vestido de noiva de sua mãe, guardado há oitenta anos, do armário. "Ele ficou comigo, ele é lindo, um tecido que não vejo mais, tem um milhão de botãozinhos que não vejo mais. Eu tenho fotos da minha mãe de noiva. Um dia tirei ele do armário e falei preciso por no sol porque está ficando amarelo, joguei ele assim na minha cama e ficou, aí tirei uma foto e botei nos stories escrito 'vem aí Vestido de Noiva'".
Durante um voo entre o Rio de Janeiro e São Paulo, Lucélia formatou sua ideia original e definiu que a nova montagem teria que ser encabeçada por mulheres. "Tem que ser um olhar feminino sobre as noivas, sobre o casamento, o romantismo, essa coisa feminina, das mulheres, tem que ser um espetáculo feminista pra limpar esse ranço porque no Brasil as coisas são flutuantes, o Nelson de vez em quando fica demonizado", analisa a atriz, que não concorda com o cancelamento do autor.
"Tem que cancelar a própria mente quem pensa em cancelá-lo", reflete Lucélia. A partir daí, veio a conversa com a diretora do espetáculo Helena Ignez, quem ela não via há muitos anos. "A primeira coisa que perguntei a Helena foi sobre a integridade do texto porque acho que não pode mexer em uma vírgula da obra. Eu não embarcaria porque sou Nelson Rodrigues xiita, mas descobri que ela é tão quanto eu ou mais e disse que ia fazer o original obviamente", detalha. Assim, nasceu a atual montagem que traz um texto fiel com projeções que dão ênfase a uma linguagem cinematográfica, área de atuação da diretora da peça.
Estudiosa da obra de Nelson Rodrigues uma vida toda, a atriz, que é uma das artistas brasileiras que mais deu vida a personagens do dramaturgo, confessa à CARAS Brasil que quanto mais explora o autor mais descobre, mais cai em seu universo e mais encantada fica com o lugar que ele tem na dramaturgia da língua portuguesa e sua identificação com este espaço.
"Minha carreira e as coisas que eu faço são mais levadas como o Nelson me via, eu sou uma coisa da natureza, como o vento, sou uma explosão, a minha energia se manifesta assim", descreve a atriz, que já foi caracterizada como uma das artistas preferidas de Nelson Rodrigues nos anos 1970.
Entre as peças preferidas de Nelson para Lucélia, estão Vestido de Noiva, Senhora dos Afogados, A Falecida e Bonitinha, Mas Ordinária. Em sua trajetória, a atriz já deu vida a Zulmira de A Falecida nos palcos em 2012, com direção de Marco Antônio Braz (58). Em 1981, ela interpretou Maria Cecília de Bonitinha, Mas Ordinária no longa Bonitinha, Mas Ordinária ou Otto Lara Rezende, com direção de Braz Chediak (82). Lucélia também viveu papéis do dramaturgo no cinema em Engraçadinha (1981), Álbum de Família - Uma História Devassa (1981) e A Serpente (2019).
Após dar vida a esta versão irreverente e brasileiríssima de Madame Clessi, Lucélia deseja, ainda, viver no cinema Senhora dos Afogados. "Não quero no teatro. Não sei porque, mas tenho que fazer no cinema", adianta a atriz.
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