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Teatro / Por trás da estrela

Anna Sant'Ana transforma espetáculo sobre Marilyn Monroe em manifesto: 'Perspectiva'

Em entrevista à CARAS Brasil, a atriz Anna Sant'Ana compartilha detalhes sobre a construção de solo teatral e sua relação com Marilyn Monroe

Anna Sant'Ana caracterizada como Marilyn Monroe em Marilyn, por trás do espelho - Divulgação
Anna Sant'Ana caracterizada como Marilyn Monroe em Marilyn, por trás do espelho - Divulgação

Recentemente em cartaz com o espetáculo solo Marilyn, por trás do espelho, a atriz e idealizadora do projeto, Anna Sant'Ana (43), marca mais um momento da sua extensa carreira no teatro com a obra que lança luz sobre a face desconhecida da estrela de Hollywood: mais humana, mais frágil e mais representativa. Em entrevista à CARAS Brasil, a intérprete revela como transforma a obra sobre Marilyn Monroe em manifesto: "Perspectiva", declara.

A relação de Anna com Marilyn não é de hoje. A atriz conta que, em 2010, se aproximou da história de Monroe para viver uma das facetas de Leia Diniz em um espetáculo em sua homenagem. À Anna coube levar ao palco a Leila atriz, alegre e sexy, que foi inspirada em Marilyn. "Ali comecei uma pequena pesquisa. No ano seguinte, fiz outro espetáculo chamado Besame Mucho, e minha personagem tinha uma fantasia sexual com o marido que era se vestir de Marilyn, e fazer a famosa cena de O Pecado mora ao lado", relembra.

Daí em diante, Anna se encantou com uma versão da atriz de Hollywood que ela não conhecia: "Fui me deparando com outro lado do mito, por trás da imagem do ícone sexual, havia uma mulher como tantas outras, que tentava enfrentar os seus momentos de depressão, sua baixa autoestima e a sua imensa solidão, questões que me fizeram identificar com ela", explica.

Ao se aprofundar nas pesquisas, a artista conseguiu montar um documento com mais de setenta páginas sobre a vida de Marilyn e, é claro, não perdeu a oportunidade de transformar o conjunto em um espetáculo digno de Monroe.

"Depois disso, entreguei nas mãos do dramaturgo Daniel Dias da Silva para escrever o texto teatral", conta. Para estrelar o solo, Anna continuou a pesquisar sobre os trejeitos da estrela, mas focando na persona escondida atrás da musa: "Parti do princípio de entender primeiro quem era Norma Jean, para que depois essas características mais específicas fossem incorporadas. É uma criação de dentro para fora", pontua. 

Se deparar com uma mulher real, com dramas comuns às pessoas comuns, fez Anna mudar de perspectiva sobre a história que vinha até então sendo contada sobre Marilyn. "Acho que o que mais me chamou a atenção foi que Marilyn foi taxada como 'loira burra' e que ela lutou muito para sair desse estigma e ser vista como mulher inteligente e como uma excelente atriz", reflete.

"Entendi que as pessoas precisavam conhecer esse outro lado, porque a grande maioria das pessoas só veem ela como 'a grande estrela do cinema' ou 'o ícone sexual' e tem tanta história interessante por trás disso tudo", fala Anna, que já esteve na pele de Marilyn em outras montagens do espetáculo.

Para a intérprete, um dos pontos mais importantes do espetáculo é "história da perspectiva da Marilyn, além de ser uma homenagem à sua memória e à maneira com a qual realmente acredito que ela gostaria que sua história fosse contada". Exibir a loira como uma mulher enfrentando problemas como depressão, solidão, abandono, ansiedade e baixa autoestima é uma forma de aproximar o público dessa personagem histórica silenciada.

Para o futuro, a intérprete revela que já tem mais dois projetos que irão mergulhar em contar a vida de outras duas atrizes, uma americana e uma brasileira. "Ainda não posso revelar os nomes, mas será na mesma linha de Marilyn, por trás do espelho, mostrando essa face menos conhecida e glamourosa, o lado mais humano e pessoal de cada uma", conclui.

"Tem uma frase dela que digo no espetáculo e que gosto muito: 'Eu só queria que a minha voz fosse ouvida. Eu queria contar o meu lado da história'", cita Anna. Abaixo, a atriz conta mais sobre a relação de Marilyn, por trás do espelho com as questões atuais, compartilha opinião sobre o filme Blonde e revela impactos do espetáculo no público. Leia trechos editados da conversa.


O espetáculo aborda muitos temas que ainda são comuns hoje. Como você enxerga a questão de que, mesmo depois de tantas mudanças, ainda precisamos debater assuntos que eram tópicos no passado?

Marilyn foi uma mulher muito à frente de seu tempo, e isso para mim é o ponto mais atual nessa história. Infelizmente, ainda hoje nós mulheres precisamos lutar por igualdade e por nosso espaço, principalmente no mercado de trabalho. Marilyn lutou contra uma indústria cinematográfica dominada por homens, em plenos anos 50/60, para não ser subjugada e rotulada apenas como uma sex symbol. Além disso, recusou o papel da “dona de casa” que a sociedade costumava impor às mulheres para ter sua independência. Ditou regras de moda e comportamento, mostrando às mulheres que elas poderiam ser mais livres, inclusive sexualmente. Temas que até hoje muitas vezes são tabus, numa sociedade onde o patriarcado ainda impera. Temos realizado vários debates com o público após o espetáculo. Um deles foi o tema “O papel da mulher no século XXI”. Além de muito rico o debate pelos temas abordados, tivemos a presença de duas ONGs de apoio às mulheres vítimas de relacionamentos abusivos e violência doméstica. E ambas falaram da importância de abordarmos esses temas e o quanto o espetáculo era pertinente e atual.

Que desafios você enfrentou para passar essas características para um público que, muitas vezes, só conhece a Marilyn sex symbol?

Acho que o primeiro desafio foi “desnudar” e me permitir passar por esses sentimentos e entrar em contato com as minhas próprias feridas e traumas para me aproximar da fala dela. Isso tudo muito bem orquestrado pela diretora Ana Isabel Augusto, que conduziu esse carrossel de emoções com muita maestria. As emoções mudam a cada minuto na peça, estou chorando, ao mesmo tempo que estou rindo e a Marilyn era assim. Quando você desfaz o mito, tira ele do pedestal e nos aproximamos dele, você vê a perspectiva da pessoa e não mais da estrela. 

Depois de se aprofundar tanto no que foi a Marilyn, como esse contato te mudou?

Ser ator é poder viver várias vidas. E nós podemos aprender muito com nossos personagens. Sempre acreditei que os personagens é que escolhem seus intérpretes. Não é à toa que estou interpretando Marilyn, uma mulher tão complexa e completa ao mesmo tempo. Duas coisas em mim mudaram bastante. Primeiro física e esteticamente, meus cuidados com o corpo, alimentação, saúde e beleza aumentaram. E depois, a garra e a determinação que ela tinha, que só me deram mais força ainda para correr atrás dos meus objetivos e da minha carreira. Faço a produção do espetáculo e cuido sozinha de toda a organização. Faço na “raça” como a gente diz, pois não tenho patrocínio e a luta é maior ainda para manter esse espetáculo de pé. Marilyn me mostrou que todas às vezes que esmoreci e pensei em parar, que tudo vale a pena e precisamos insistir no nosso sonho.

Como intérprete e estudiosa de anos da história da Marilyn, o que você achou de Blonde?

Blonde não é uma biografia, a própria autora coloca que é uma ficção inspirada na Marilyn, mas o filme foi vendido como se fosse uma biografia. Quem conhece sua história sabe que tudo que ela não queria era ser taxada como uma mulher “fácil” e “louca” e é exatamente isso que o filme faz. Ele contém cenas desnecessárias e muitas inverdades na história. Preciso ressaltar que a interpretação de Ana de Armas é ótima, principalmente nas cenas que reproduzem os filmes, tendo como ponto alto a caracterização, direção de arte e cenário que são iguais aos originais. Mas fora isso, não entendo o porquê desse filme, já que o propósito não é contar a história dela como verdadeiramente foi. Recomendo outro filme que saiu na mesma época, que é o documentário “O Mistério de Marilyn Monroe: Gravações Inéditas” ou um mais antigo, “Sete dias com Marilyn”, esses, sim, retratam fatos de sua vida.

Quais são os feedbacks do público? 

Muitas pessoas falam comigo depois do espetáculo, ou entram em contato pelas redes sociais. E tenho ouvido coisas lindas ao longo desses dois anos. Em sua maioria, elas falam da identificação que tiveram com a Marilyn, comigo e com o espetáculo. Que elas jamais imaginam se identificar com uma mulher como ela e que saíram profundamente tocadas com a sua história.