Em cartaz com 'Baixa Terapia', ao lado da amada, Alexandra Martins, o ator Antonio Fagundes fala sobre a liberdade de não ter contrato fixo na TV e o desrespeito de quem chega atrasado a uma peça teatral
A voz calma e segura, típica de um homem maduro, encontra equilíbrio no olhar esperançoso e visionário, próprio da juventude. É com esse contraponto que Antonio Fagundes (73) chega aos 57 anos de carreira mais ativo do que nunca! “Fui ficando mais maduro, mais velho, mas a profissão tem uma vantagem: sempre vai ter um bruxinho velho para fazer, então, a idade não interfere tanto no desempenho. Mas o ofício mudou. Durante quatro ou cinco décadas, os atores tiveram uma certa estabilidade, que a TV proporcionava com contratos de longa duração. Agora, voltamos à época em que brincávamos que vivíamos sempre desempregados! A gente chama isso de liberdade”, analisa ele, que recebeu CARAS no Teatro Clara Nunes, no Rio, pouco antes de entrar em cena com a comédia Baixa Terapia, espetáculo que estreou em 2017 e já arrancou aplausos — e boas gargalhadas — de mais de 350.000 espectadores.
No palco, Fagundes contracena com a eleita, Alexandra Martins (44), e com a ex, Mara Carvalho (60). Tudo em perfeita harmonia. “A plateia gargalha o tempo inteiro e isso faz falta. A gente precisa dar boas risadas diante das coisas terríveis que vêm acontecendo com o País”, diz ele, sem medo de cancelamentos após impedir atrasos do público na peça. “Tenho certeza de que essa postura em relação à pontualidade tem apoio de 99% dos frequentadores de teatro. Tanta certeza que continuarei fazendo pelo resto da minha vida”, avisa o ator.
– Fazer teatro no Brasil é desafiador? Se sente um resiliente?
– Sempre foi um desafio. Primeiro pela dificuldade das próprias salas de espetáculos. A gente adoraria viajar pelo País, que tem dimensões continentais, mas são poucos os municípios que têm teatros capazes de receber uma companhia profissional. Os custos também são sempre altos, então, só muita resiliência para continuar fazendo. E mais importante que a resiliência, é a paixão que faz a gente nunca desistir.
– Você já disse que o País passou por um desmonte da cultura. Como a arte pode se reerguer?
– Houve um projeto de governo de desmanche não só cultural, mas também na saúde, educação, segurança, meio ambiente... mas não conseguiram muita coisa! A gente se reergue e, diante disso, brinco que sou um realista esperançoso. Vamos ficar cada vez melhores.
– Você costuma declamar poesias nas redes sociais. Fazendo uma metáfora, falta uma dose de poesia na sociedade brasileira?
– Percebi que as pessoas sentiam, no momento que recitava um poema, um certo alívio. Então, sim, falta um pouco de poesia na nossa sociedade e, por isso, as pessoas até hoje esperam a poesia de domingo. Pelo menos ali, no Instagram, aos domingos, elas têm uma pequena ilha de tranquilidade.
– Mudaria algo na sua jornada?
– Durante todos esses anos sempre pensei muito na profissão. Não só no que eu estava fazendo, mas no que a gente poderia fazer como um conjunto. Pensei o teatro como uma forma abrangente, por isso, sempre acabei me satisfazendo muito com o que fazia, porque as coisas eram pensadas, organizadas... não faria nada diferente.
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– Você já disse ter o espírito de um menino...
– Talvez, por preservar esse espírito de menino, éque eu não mudaria nada do que fiz. Continuo com vontade de produzir, de me comunicar e levar à plateia algo que faça com que ela saia modificada do teatro. Isso mantém minha vitalidade, saber que temos uma pequena função social a cumprir.
– Alexandra tem participação nessa eterna juventude?
– Naturalmente ela faz parte dessa equação, porque se Alexandra não pensasse como eu penso, a gente nem conseguia ficar junto. Além disso, ela me estimula muito nesse sentido.
– Vê como questão cultural o atraso de pessoas na peça?
– Já faz uns 40 anos que começo meus espetáculos no horário marcado e não deixo os espectadores entrarem após o início para não atrapalhar quem chegou na hora. É menos uma questão cultural do que uma postura de algumas pessoas que acham que as coisas só começam quando elas chegam. Na verdade, isso é uma grande falta de respeito com aquelas que chegam antes e têm o direito de não serem atrapalhadas.
– Seu filho, Bruno Fagundes, recentemente assumiu a relação com Igor Fernandez. Teve alguma preocupação, já que ainda vivemos em uma sociedade com preconceitos e julgamentos?
– Nenhuma preocupação com o Bruno. Ele é carinhoso, companheiro dos amigos, profissional de mão-cheia e ator talentoso. Tenho profundo amor por ele e certeza de que está fazendo o que é melhor para ele.
– Como definiria o Antonio Fagundes hoje, aos 73 anos?
– Não sou capaz de me definir, deixo isso para as outras pessoas! Tenho certeza de que vão aparecer milhares de definições contraditórias e é isso que é bom no ser humano. A única coisa que continua existindo é a mudança.
FOTOS: FABRIZIA GRANATIERI