A filha de José Lins do Rego expõe suas lembranças íntimas em livros
De pequena, a escritora Maria Christina Lins do Rego Veras (80) ouvia do pai que mulher deveria aprender violão, cantar, cozinhar, vestir-se bem, ser bonita. Escrever, jamais. Mas foi inevitável. A inclinação para as letras era muito forte. Em 2007, após completar 70 anos, a filha do paraibano José Lins do Rego (1901–1957), autor de Menino de Engenho, Fogo Morto, Riacho Doce, entre outros clássicos, lançou seu primeiro livro, Carta Para Alice. “Se meu pai fosse vivo, ficaria horrorizado. Escritoras para ele só existiam Lucia Miguel Pereira, que ele amava de paixão, Rachel de Queiroz, Dinah Silveira de Queiroz e Clarice Lispector, que ele conheceu no final da vida”, contou. “Antes de ser livro, Carta Para Alice era um relato daquilo que senti e tocou a minha alma. Lembrei a minha fase de 5, 6 anos de idade indo com minha mãe à Paraíba de navio, as recordações do meu avô, da casa, de ver o mar quase que pela primeira vez. Não pretendia publicar. Mostrei à minha irmã Betinha e ela achou ótimo. Pediu que deixasse o amigo e professor Ivan Cavalcanti Proença ler e ele disse que estava excelente. Passou por uma revisão e a José Olympio publicou”, emendou.
No confortável apartamento onde mora, no Rio, Maria Christina vive cercada de Shiva, um border collie, muitos livros, obras de arte e móveis que guardou das andanças de 15 anos como embaixatriz. Ela passou por Finlândia, Romênia, Grécia, Estados Unidos, entre outros países, acompanhando o marido, o diplomata Carlos dos Santos Veras, morto em 1995, aos 74 anos. Há também relíquias que eram da casa do pai, no bairro carioca do Jardim Botânico, endereço que a inspirou a escrever Garzon 10 e Outras Histórias, seu último livro, publicado em 2012. Ela é também autora de Jacarandás em Flor, de 2010. “A casa no Jardim Botânico foi frequentada pelos grandes intelectuais, como Graciliano Ramos, que não tinham nada de esnobismo. Gostavam de brincar, comer bem, tomar seu bom uísque, dar gargalhadas”, rememorou ela. Mas a herança do pai não se limita à vontade de contar histórias e ao mobiliário. José Lins do Rego deixou para ela uma paixão: torcer pelo Flamengo. “Devia ter uns 7 anos, quando eu o assisti recebendo o título de sócio do Flamengo. Fiquei maravilhada de vê-lo entrando no gramado com os jogadores, para mim, era o homem mais importante do mundo. E doente pelo clube. Eu também sou!”, disse.
– Antes de Carta Para Alice, nunca havia escrito nada, nem escondida de seu pai?
– Não. No colégio, fazia as dissertações, sempre voltadas para as histórias do engenho, mas nunca passara pela minha cabeça escrever um livro e cair no ridículo de ser criticada e debochada.
– Encontra alguma semelhança no seu modo de escrever com a narrativa dele?
– Quando escrevo, procuro ser o mais natural possível, quase como falo. Aprendi isso com ele. Quando lhe pedia conselho de português para o colégio, ele dizia: ‘Leia muito Machado de Assis’. Então, não sou nada complicada, não uso palavras difíceis. Mais ou menos influência do meu pai, dialogo com meus personagens.
– Quais são as principais lembranças que tem de seu pai?
– Somos três irmãs, eu, Betinha e Glorinha, e ele sempre quis ter um filho homem. Mas, pensando bem, ele nos adorava, gostava tanto das filhas, nos tratava com tanto carinho e amor, que cada uma de nós acreditava que era a mais querida.Eu e meu pai tínhamos o mesmo professor de tênis, jogávamos juntos. Era um companheirão, mas muito machista, viu?
– A senhora teve uma vida agitada, recebeu personalidades de vários países. E agora?
– Eu procuro preencher a minha vida com atividades. Tenho aula, há mais de 20 anos, com um professor de literatura inglesa. Também pinto. Não tenho estilo, a inspiração vem na hora. Uso tinta acrílica, a óleo, e ainda faço os meus desenhos. Não tenho ateliê. Faço em cima da mesa mesmo.
– Ainda tem muitas coisas escritas que podem ser lançadas?
– Tenho mais de 20 contos, demora mesmo para publicar. Alguns, infanto-juvenis, estão prontos há mais de dois anos.