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Revista / Entrevista

Na Itália, Ilze Scamparini faz 40 anos como jornalista e conta sobre sua carreira

Ilze Scamparini elenca suas coberturas históricas e também conta sobre a vida de correspondente internacional

Por Tamara Gaspar Publicado em 21/10/2022, às 09h37

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Ilze Scamparini na Revista CARAS - Fotos: Solange Souza
Ilze Scamparini na Revista CARAS - Fotos: Solange Souza

A cena já faz parte da rotina dos telespectadores brasileiros: Ilze Scamparini (63) envia notícias internacionais direto de Roma, na Itália, quase sempre com as imponentes cúpulas de Francesco Borromini (1599-1667) ao fundo. “Nós enfrentamos anos de fila para conseguir um espaço com uma visão dessas. As cúpulas são um dos maiores símbolos de Roma e é uma oportunidade de dar ao telespectador uma referência artística autêntica, secular, que se tornou íntima e praticamente de casa”, diz a correspondente da Globo na capital italiana há mais de 20 anos.

A cada aparição na TV, Ilze leva não apenas notícias — das movimentações do Vaticano aos conflitos políticos —, mas também um pouco da atmosfera e da cultura do país que se tornou sua segunda casa. “Os melhores hábitos italianos são à mesa! Alguns eu já tinha herdado da minha família, como o prato de que mais gosto: tortelli di zucca. Uma taça de vinho acompanhando o jantar foi um costume que adquiri aqui, mas não faço frequentemente, embora os meus avós o praticassem. O bom de conhecer a Itália inteira também é ter aprendido tantos pratos novos e tradições”, fala a jornalista, sem deixar de lado os hábitos brasileiros.

“Gosto de andar em casa descalça por uma ou duas horas. Para o brasileiro é um gesto simples e cotidiano. Para os italianos, quase uma infração. As mães aqui não deixam os filhos ficarem descalços para não pegarem resfriado, gripe ou dor no estômago! Outro hábito que mantenho religiosamente é uma boa feijoada”, confessa ela, que no ano passado revelou sua faceta de escritora ao lançar o livro Atirem Direto no Meu Coração. “Foram quatro anos escrevendo, mais uns dois de pesquisa. Porque eu tinha que aproveitar as pequenas brechas, madrugadas, amanheceres. Fiz várias versões e, de uma para outra, precisava me distanciar, ver o tempo passar para amadurecer a minha história”, conta ela, sobre o processo de escrita da obra que narra a história de Yana, uma ex soldada que lutou na guerra do Kosovo como miliciana.

Ilze Scamparini

– São 40 anos de carreira. Que balanço faz desse período?
– Passei décadas viajando e vivenciando situações que nunca experimentaria se não fosse jornalista. A sensação de ter atravessado vários desses confins, numa época em que viajar era mais difícil, é algo valioso que, com o passar dos anos, me enriquece como pessoa. Ao mesmo tempo, cada aventura exigiu um sacrifício mental, físico e emocional. Sempre foi duro para mim me separar da família. Então,
a minha profissão envolveu algumas lágrimas pelo caminho. Tive a imensa sorte de, no início da doença da minha mãe, ter podido trazê-la para a Itália, ainda com saúde, e com quase toda a família. Foram meses maravilhosos de despedida, com almoços e jantares especiais, viagens, passeios, conversas e fotografias. Foi um grande privilégio que a vida me deu.

– O que mudou nesses anos?
– O tamanho dos equipamentos, sem dúvida alguma (risos). Fazíamos pesquisas em livros, xerox de jornal e revistas e se traduzia com a ajuda de dicionários enormes. Hoje, com o celular na mão se faz tudo isso, até cobertura de guerra. A internet multiplicou as notícias falsas, mas também trouxe coisas boas. Fake news sempre existiram, dos contadores de história da Idade Média, que inventavam tudo e depois virava verdade, às notícias falsas plantadas, como a da morte de Napoleão, em 1814. O que posso dizer é que continuo amando as grandes reportagens, os documentários, aquilo que se pode contar com um pouco mais de profundidade.

Ilze Scamparini

– Entre tantas coberturas históricas, qual a mais marcante?
– A chegada do Euro e quase seu fim, com a crise do débito grego, que começou em 2009. Outro processo histórico foi o de reunificação das duas Alemanhas, que começou em 1990, mas nada se comparou, de fato, ao impacto da morte de João Paulo II, o fim de um papado de quase 27 anos e do Conclave que elegeu o sucessor, e que quase ninguém mais sabia como era.

– E qual o mais desafiador?
– A renúncia de Bento XVI foi bastante tensa. Eu estava de férias no Rio, em pleno carnaval. Eu tinha ido ao Sambódromo, cheguei à casa da minha irmã e, logo depois, o telefone tocou. Parecia que uma jamanta tinha me atropelado. Deixei tudo para trás para pegar o primeiro voo de volta a Roma.

– Tem uma editoria preferida?
– Gostaria de fazer mais matérias de cultura, gosto de cobrir a vida dos papas e aqui aprendi muito com a caótica política italiana. Na adolescência me dividia entre três impulsos para o futuro: o jornalismo, as artes plásticas e a arqueologia. Roma resume um pouco disso tudo. Gosto também das histórias de comportamento e de tradições gastronômicas, mas destas melhor ficar longe, já que consegui perder 20 kg este ano!

Ilze Scamparini

– Qual o papel do trabalho de repórter na produção do livro?
– O livro nasceu de um encontro casual com uma mulher que tinha lutado na guerra do Kosovo. Passei
quatro anos entrevistando essa ex-soldada, que inspirou a protagonista e posso dizer que foram a experiência de repórter e os anos de psicoterapia que ajudaram a tocar adiante essa história. Porque uma pessoa que vive uma situação dessa remove muita coisa da memória e, quando não remove, esconde. Além das perguntas que fazia, da forma de conduzir as conversas, o silêncio era importante. E esses silêncios, muitas vezes, foram quebrados por uma revelação. Foi um exercício para mim e um enorme aprendizado.

– Que mensagem quer passar?
– O livro toca em vários temas sensíveis. Um deles, talvez o principal, é o perigo dos nacionalismos e da sua propaganda. A minha protagonista, Yana, passou por isso. E, logicamente, pela fragilidade dela, vítima perfeita desses movimentos. O martírio da guerra, as manipulações impostas pelo poder das armas e, no meio disso, uma mulher que quer amar e ser amada também.

– Já pensa em novos títulos?
– Estou organizando minha experiência no Vaticano, começando a escrever sobre os papas. Eu tenho outros dois projetos encaminhados que, curiosamente, esbarram em guerras. Estranho período esse, no qual o mundo acaba nos encurralando para escolhas que talvez não fizéssemos se os fatos fossem diferentes. Ou talvez seja só ilusão, talvez faríamos tudo exatamente igual, mesmo que o mundo fosse outro. Quem sabe?. 

Ilze Scamparini

Fotos: Solange Souza