Com jornada irretocável e meteórica, Ayrton Senna quebrou recordes e ganhou fama mundial
Os números impressionam. Foram 41 vitórias, 80 pódios, 65 pole position e três títulos de Fórmula 1, em 1988, 1990 e 1991. Sem contar todas as conquistas e recordes em outras categorias, como a Fórmula 3 e as Fórmulas Ford 1600 e 2000. Definitivamente, Ayrton Senna (1960-1994) entrava na pista para ganhar, desafiando a lógica, o tempo e a velocidade. “Vencer é o que importa. O resto é consequência”, falava ele, que se tornou um herói nacional ao colocar o nome e a bandeira do País em destaque no automobilismo.
“O brasileiro só aceita título se for campeão. E eu sou brasileiro”, disse ele, cujas conquistas eram sempre embaladas pela canção Tema da Vitória, uma espécie de hino de sua força. “Quando você decide por uma direção, uma meta, tem que dar o seu melhor e lutar para alcançar aquele objetivo”, afirmou ele, durante entrevista para CARAS, em 1994.
Superação e foco eram os lemas do piloto, que contornava com perícia qualquer obstáculo. Na lista dos feitos improváveis do paulistano, destaque para o dia que venceu a corrida praticamente sem freios; em outra ocasião, chegou em primeiro lugar com apenas uma marcha; expert, ele também fez a melhor volta de uma prova passando por dentro do box! “Não conheço outra maneira de guiar se não de maneira arrojada. Quando é hora de ultrapassar, eu ultrapasso. Cada piloto tem seu limite, o meu está um pouco além dos outros”, explicava ele. “Tive o privilégio de fazer do meu hobby minha profissão! Hoje, me divirto e ainda sou pago para isso!”, brincava ele, que não gostava de ostentar. “Não ganho muito não, mas já deu para colocar a gasolina no meu aviãozinho”, respondeu, ao ser questionado sobre faturamento.
Na Fórmula 1, categoria na qual começou a correr em 1984, Senna passou pelas equipes da Toleman, Lotus, McLaren – com a qual se consagrou tricampeão mundial –, e a Williams. Seu estilo de direção era definido como agressivo, afinal, ele freava pouco nas curvas e era expert nas corridas com chuva. Para além de seu papel como piloto, o brasileiro também gostava de acompanhar de perto o trabalho dos engenheiros, com os quais passava horas elaborando as melhores soluções. “Não existe mérito de uma pessoa na Fórmula 1. Mérito existe de uma equipe. São os mecânicos, os projetistas, os patrocinadores que financiam o equipamento. Os fornecedores de motores, de pneus, enfim, é um conjunto de pessoas”, dizia.
A cada corrida, Senna se firmava como uma lenda do automobilismo e, para conseguir dar conta da rotina intensa, ele tinha uma rigorosa agenda de cuidados. “O fuso horário é um grande inimigo, ainda mais porque o piloto precisa estar com a cabeça em ordem. Por isso, é fundamental ter um bom condicionamento físico, não só pela segurança, mas também pelo desempenho na corrida. Procuro treinar cinco dias por semana, de duas a três horas, com corrida e musculação. É preciso muita vontade e energia!”, frisou ele, cujo maior desafio era buscar o equilíbrio. “É preciso manter a cabeça no lugar. Às vezes, o físiso está bem, mas a cabeça não está legal”, emendou.
Dono de personalidade forte, Senna também protagonizou momentos únicos no automobilismo. Em 1992, por exemplo, parou seu carro no meio da pista para ajudar o piloto Érik Comas (60), que havia se acidentado. Com a batida, o carro estava vazando combustível e havia risco de explosão. Senna pensou rápido: desligou o motor do francês e evitou o pior. “O Senna era tão generoso que, para ele, foi um ato normal ter me salvado. Para mim, ele é um herói”, comentou Érik que, por ironia do destino, foi o primeiro piloto a se aproximar do carro de Senna após o acidente fatal em Ímola, em 1994. “Eu tinha que deixar o carro e ir lá para ajudar de alguma maneira. Mas os médicos não deixaram. Eu entendi que ele estava morrendo ou estava morto”, comentou o francês, sentindo até hoje a frustração por não poder ter retribuido a ajuda.
Outra marca registrada era a bandeira brasileira que Senna carregava no carro e fazia questão de levantar sempre que ganhava uma corrida. A ideia surgiu após o Brasil ser derrotado pela França nas quartas de final da Copa do Mundo de 1986. “Eu imaginei a frustração de todos os brasileiros. No dia seguinte tinha prova e eu ganhei. Ao vencer, vi um brasileiro com uma bandeira e foi natural: ‘vou pegar essa bandeira para ajudar a levantar a moral do Brasil’. Eu fiquei emocionado, fiquei feliz”, relembrou o piloto. O gesto se tornou tradição em suas vitórias. “Carregar a bandeira, para mim, tem um valor simbólico forte. Olha que já estou acostumado com essa história de ouvir o hino nacional em cima do pódio, mas na hora isso sempre mexe comigo”, falava ele, cujo coração chegava a marcar mais de 180 batidas por minutos durante as corridas.
Atencioso, Senna tinha uma relação de carinho com os fãs e, apesar de discreto, não se intimidava na hora de fazer fotos com os admiradores, em especial, as crianças. “Minha responsabilidade é principalmente com a meninada. A gente sente nas crianças uma admiração e um carinho grande e isso motiva mais ainda você a procurar transmitir alguma coisa especial para eles. Enfim, é para quem estou realmente aberto”. Com seu infalível capacete verde e amarelo – criado por Sid Mosca –, Senna era unanimidade nas pistas e tinha licença poética para fazer o improvável e quebrar regras.
Em 1991, por exemplo, protagonizou uma das cenas mais inusitadas da Fórmula 1: no GP de Silverstone, após ficar sem gasolina na reta final, o brasileiro pegou uma carona no carro do vencedor da prova, Nigel Mansell (70), durante a volta da vitória do inglês. A cena foi tão emblemática que ganhou até miniatura de colecionador. No mesmo ano, Senna deu carona para Jean Alesi (59), da Ferrari. “O Ayron Senna era o Michelangelo da Fórmula 1!”, comentou o piloto francês. Por falar em Ferrari, a escuderia italiana era fã do piloto e chegou a manifestar a vontade de tê-lo na equipe. Com Senna, não era diferente, e o brasileiro já tinha dito que gostaria de encerrar a carreira na Ferrari. O acordo, porém, não aconteceu.
Se as vitórias do ídolo eram sempre cercadas de emoção, quando a conquista era em solo verde e amarelo, a festa era ainda maior. Em 1993, em seu último pódio no Brasil, a celebração tomou proporções nunca antes vistas. O público invadiu a pista e cercou o carro de Senna para comemorar. O piloto desceu de sua McLaren sem nem tirar o capacete e festejou junto com a multidão. O problema é que, com tantas pessoas em volta, ele não conseguiria pilotar o carro até o pódio. Então, pegou carona com o safety car e fez a volta da vitória sentado na janela, acenando para os fãs. “Toda vitória é importante, mas essa do Brasil é especial. Por ser o Brasil e por ser em uma fase da minha carreira e da própria McLaren de dificuldades”, falou ele, após a conquista.
Confiante e seguro, o piloto não temia as apostas. A mais famosa delas foi feita em 1991 com Ron Dennis (76), chefe da McLaren. Se Ayrton vencesse o GP de Ímola, na Itália, ao final da temporada, poderia levar para casa a McLaren de número 6, de modelo MP4/5B. Senna venceu e ficou com o carro que, hoje, ocupa lugar de destaque na sede do Instituto Ayrton Senna, em São Paulo. “Ele era competitivo, tinha valores, foi um bom ser humano”, definiu Ron. Outra aposta da dupla foi no México, quando Senna prometeu 10000 dólares se Ron comesse um jarro de pimentas. “Antes que ele pudesse desistir dessa aposta, eu estava devorando tudo. Essa é uma lembrança muito carinhosa, porque colocar um sorriso na face do Senna não era fácil, mas fazê-lo colocar dinheiro era ainda mais difícil”, brincou o chefe da equipe.
Além de toda técnica e concentração antes de entrar na pista, Senna não abria mão de ter o seu momento de fé. “No que eu entro no carro de corrida, toda vez, eu rezo. E é uma forma que eu encontro de ficar normal, natural, tirar aquela tensão, aquele nervosismo, aquele ímpeto e aquilo faz com que eu fique bem tranquilo. Na hora que o carro sai se torna natural”, falou ele. Já em 1988, ao vencer o GP do Japão e consagrar-se campeão da temporada, Senna admitiu ter sentido a presença de Deus. “Tive o privilégio de ter essa experiência, na última volta da corrida. Comecei a agradecer, nem eu acreditava, e senti a presença Dele”, revelou o piloto.
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