Em entrevista à Revista CARAS, Helga Nemetik fala como ressignificou experiência traumática para ajudar mulheres que se identificam com sua história
Ressignificar o sofrimento e o trauma por meio da arte. Foi essa a sugestão do terapeuta de Helga Nemetik (43) diante das memórias e gatilhos que a atriz relatava a cada sessão. E foi preciso coragem para lidar com a sombria realidade do abuso sexual que ela sofreu ainda na infância. Hoje, a dor sofrida pela estrela foi transformada em arte, mais precisamente, no primeiro monólogo da carreira de Helga, Não Conta para Ninguém, em cartaz no Centro Cultural FIESP, em São Paulo.
“Nunca contei a ninguém sobre o abuso sexual que sofri na primeira infância, uma fase em que descobertas e afetos são levados para o resto da vida. Quantas mulheres próximas a você passaram por situações como essa e você nunca imaginou?”, questiona a atriz carioca.
Após protagonizar sucessos no teatro musical e nas novelas, além de participar de quadros como o Show dos Famosos, no Domingão, Helga agora transfere experiências pessoais para o palco, dando vida a uma atriz de musicais que se prepara para a audição de sua vida, mas que descobre que não consegue mais cantar. Determinada a reencontrar sua voz e conseguir o tão sonhado papel, ela é obrigada a enfrentar os segredos de seu passado que foram responsáveis pelo problema.
Animada com o desafio nos palcos, ela reservou espaço na agenda para um bate-papo com CARAS. Na pauta, falou sobre a importância de discutir a questão do abuso sexual e como se sente realizada em enfrentar seus próprios fantasmas e ainda ajudar outras mulheres a fazer o mesmo por meio do teatro.
– Como a peça te ajudou a ressignificar e refletir sobre o que você mesma sofreu?
– Ela ainda está me ajudando e vai me ajudar para sempre, pois penso que vou fazer essa peça até ficar bem velhinha. O mais importante para mim é perceber que com a peça, agora, vou olhar para aquele trauma pela ótica do espetáculo. A primeira coisa que vou pensar quando lembrar do trauma vai ser a obra de arte que nós construímos e como isso também ajudou outras vítimas de abuso que assistiram à peça.
– Como é a experiência de levar essa dor para o palco?
– Sinto orgulho de mim, da minha coragem, de como fui forte até aqui e também sinto que estou cumprindo uma missão muito importante. O teatro deve divertir, entreter e emocionar, sim, mas ele também deve cumprir uma função social, e esse espetáculo cumpre bem essa função.
– Nos últimos tempos, discutiu-se muito o projeto de lei sobre punição para aborto mesmo em casos de abuso. Como você se sente diante desse cenário da sociedade brasileira?
– Sendo uma vítima de abuso, eu me sinto completamente aterrorizada com a possibilidade de se condenar uma criança que tenha engravidado por conta de um estupro, caso ela decida interromper a gravidez. Eu, aos 10 anos, já poderia ter engravidado. Não consigo nem imaginar o que teria sido da minha vida. Criança não é mãe e estuprador não é pai.
– Você é muito conhecida pelos papéis de comédia e musicais. Qual a importância de encarar o drama desta vez?
– Me sinto muito feliz em conseguir produzir o meu trabalho e mostrar para todos a minha versatilidade como artista. Sempre foi um grande sonho poder encarar papéis dramáticos, mas nunca me deram essa oportunidade, então eu mesma me dei! E a partir de agora espero ter mais oportunidades.
– Como está sendo o retorno do público? Qual a sensação de ser ouvida sobre um tema tão sério e necessário de debater?
– O público está recebendo a peça com muito carinho, acolhimento e surpresa por nunca terem me visto atuando desse jeito. Mas o mais bonito é receber relatos de outras vítimas de abuso que se sentiram vistas, representadas e transformadas. Uma mulher me relatou que depois da peça tomou coragem para contar sobre um abuso para seus familiares depois de 20 anos. Outra mulher me disse que depois de Não Conta para Ninguém, ela acordou diferente e percebeu que merecia ser feliz. Ao assistir à peça, ela entendeu que a culpa que ela sentia não era dela. E é exatamente assim que nós, que fomos abusados, nos sentimos: extremamente culpados. Então, receber esses e tantos outros relatos tem me deixado extretamamente feliz e com essa sensação de dever cumprido.
– Além da dedicação ao novo espetáculo, quais os seus próximos projetos?
– Tenho três longas-metragens para estrear em breve, A Miss, O Advogado de Deus e, inclusive, meu primeiro em língua inglesa, The Fox Sisters. Também pretendo fazer uma turnê com esse espetáculo. Levar essa história e esse tema tão importante, relevante e necessário para todo o Brasil e, por que não, para todo o mundo?