Em entrevista exclusiva à Revista CARAS, Belize Pombal celebra conquistas após Renascer e Justiça 2, reflete sobre racismo e destaca novos projetos
O ano de 2024 começou com tudo para Belize Pombal (38). Em janeiro, a atriz impactou o País com a força de sua atuação ao interpretar a Quitéria, na primeira fase de Renascer, novela das 9 da TV Globo. Agora, a artista volta a reafirmar seu talento ao dar vida a Geíza, uma das protagonistas da segunda temporada da série Justiça, do Globoplay. No teatro desde os 11 anos, a paulista na, formada na Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo, fez parte da companhia Os Crespos e já tinha feito participações nas séries Sessão de Terapia e em Irmãos Freitas, mas só agora ganhou projeção nacional. “São dois projetos potentes, que já tinham, ambos, uma construção de relação com o público, além disso, as personagens são ricas, então é realmente um momento muito gratificante”, avalia, em bate-papo exclusivo com a CARAS.
– Como está se sentindo com essa fase da sua carreira?
– Eu estou feliz, muito grata e vivendo um dia de cada vez, porque, no fim das contas é trabalho mesmo, né? Toda profissão tem peculiaridades e essa também. Uma das questões é que, a depender do trabalho, talvez você tenha uma exposição maior desse e um contato com um maior número de pessoas, mas não deixa de ser trabalho, assim como é o de uma médica, de um engenheiro, uma professora... O dia a dia continua bem “comum”, eu não vivencio um cotidiano de flashes e eventos o tempo inteiro, nada disso. Mas estou trabalhando e estou muito feliz com isso.
– Você tem sido muito elogiada, as pessoas perguntam onde você estava escondida esse tempo todo. Onde você estava?
– Nossa, nesse tempo todo passei por tantas experiências... Eu morei em Salvador, morei no Canadá, fiz teatro, trabalhei em outras áreas, estudei outras coisas, estive perto em alguns momentos de pessoas que eu amava, estive comigo mesma. Antes dessa fase agora, que é muito importante, eu passei por uma série de outras experiências que foram também muito importantes, mas em meio a tudo isso, em diferentes momentos, também me dedicando ao fazer artístico. Essa construção de um conjunto de experiências que vão fazendo a gente ser quem a gente é e agora estamos também construindo um próximo momento. Mas onde eu estava? Vivendo (risos)!
– Sua hora demorou a chegar ou foi no momento certo?
– Tem a questão individual e a questão coletiva e as duas estão em conexão. Numa perspectiva individual, acredito que foi na hora certa, que foi uma hora em que eu tinha um pouco mais de maturidade para lidar com isso. Mas uma perspectiva que passa pelo coletivo e também me atinge individualmente, mas está tudo ligado, por exemplo, a questão racial, eu vivencio isso como indivíduo, no meu dia a dia, mas não é uma questão só minha, é uma questão do País, que aconteceu não só no Brasil. Eu sei que isso interfere para o tempo de as coisas acontecerem, então isso também interferiu na minha carreira, mas eu digo isso pensando que, pra mim, foi na hora certa.
– Por quê?
– Eu sei que pessoas brancas, por exemplo, às vezes têm acesso às oportunidades ainda na juventude, muito novinhas e têm a chance de amadurecer ao longo do processo. E aí quando uma pessoa branca erra, sendo uma adolescente, acho que tem uma tolerância maior da nossa sociedade. Acho não, é um fato, a gente vê isso, inclusive em questões sérias, judiciais etc. “Jovem é assim mesmo, está aprendendo”. Pode até dar uma bronquinha, mas a segunda chance vem junto. Já para as pessoas negras acontece outra dinâmica, tem, na verdade, um pensamento de “A gente dá a oportunidade e olha o que faz!”. Sendo que é só um jovem errando. Se uma pessoa mais madura erra, imagina um adolescente?! Eu percebo essa diferença no sentido de que esse tempo acabou me protegendo, porque se eu tivesse vivenciado experiências maiores na minha carreira ainda muito jovem, eu cometeria os erros que qualquer jovem comete. Sendo uma mulher adulta eu também erro, mas tem coisas que olho para trás e vejo que não tem mais a ver com esse momento da minha vida. Então, em alguma medida, esse tempo me protegeu para que eu pudesse acessar as oportunidades maiores e melhores tendo um pouco mais de estrutura interna para lidar com elas também.
– Sua história em Justiça é muito real. Uma mãe solo, negra, que vive na periferia e é vítima de injustiça ligada ao racismo e à classe social. Qual é a importância de mostrar isso na TV?
– É muito importante e isso é fruto de alguns avanços que a gente vem construindo como sociedade, mas que é parte de um processo. A gente ainda tem muito pela frente, estamos em 2024 e alguns absurdos inaceitáveis continuam acontecendo no nosso País, no mundo, como, por exemplo, em relação à questão racial, às questões de classe, gênero, então, com certeza, é fundamental que a gente tenha a possibilidade de abordar esses temas e fomentar reflexões e diálogos acerca desses assuntos. O fato de saber que, de alguma forma, essa trama conta a história de muitas outras mulheres me nutria muito ao longo do processo.
– Você terminou de gravar o filme Vítimas do Dia e é mais um trabalho forte. Quer fazer alguma coisa mais leve agora?
– Eu não tenho apego a um tipo. Algumas pessoas sonham em fazer um determinado personagem, que é uma possibilidade também esse tipo de escolha para a construção da sua trajetória, mas eu tenho mais o desejo de continuar fazendo ótimos projetos, com personagens contundentes, que me deem possibilidade de investigação cênica e descoberta, aprendizado, crescimento. Tenho mais interesse por isso, grandes personagens, projetos artisticamente potentes, com pes soas muito bacanas também, por
que isso conta muito, tanto na relação pessoal ali do dia a dia, porque isso facilita o processo quando você trabalha com pessoas que são seres humanos muito legais e, para além disso, são profissionais excelentes. Uma equipe bacana de direção, caracterização, câmeras bons, iluminação excelente, um roteiro maravilhoso, tudo isso conta muito, é um conjunto de ações que faz com que o projeto seja potente. Então eu estou mais interessada em projetos que tenham força a partir dos profissionais envolvidos e das áreas que compõem aquele projeto, sendo assim, fortes, bonitos e com personagens também encorpadas, fortes, que tenham um espaço considerável naquela trama do que uma personagem específica.
– E que nesses próximos projetos seja mais fácil, sem tanta luta, com mais oportunidades...
– Eu espero que seja, eu confio muito na sabedoria da vida. Quando a gente fale sobre um momento mais fácil, com oportunidades, eu desejo isso para o País na verdade, não apenas para mim. Eu desejo que os meus colegas tenham também oportunidades, maravilhosos colegas e amigos artistas, pessoas em outras áreas, que o brasileiro tenha acesso a momentos cada vez mais felizes e tendo suas necessidades básicas garantidas, enfim, desejo um momento melhor para todos nós.
Fotos: Catarina Ribeiro