Munida de criatividade, ousadia e talento, a grega Mary Katrantzou deflagrou uma revolução em pleno século 21. Seu principal campo de batalha são as passarelas da Semana de Moda de Londres, na Inglaterra. Sua arma mais poderosa, as estampas digitais. Seu alvo, um velho preconceito. “Há alguns anos, estampas eram um pouco tabu, especialmente no tapete vermelho”, diz a designer. “Meu objetivo é desafiar aquilo que as pessoas aceitam como bonito e criar uma nova linguagem visual”, completa. E ela vai à luta.
Parte do seu arsenal é hereditário. Filha de pai engenheiro de tecidos e mãe designer de interiores, Mary formou sua estética ainda muito nova. Também é uma característica familiar a ambição de ter seu próprio negócio. Sua empreitada começou logo que se formou na tradicional escola londrina de artes e moda Central Saint Martins, em 2008. Naquele ano, sem nunca ter trabalhado para outro estilista, ela lançou sua marca homônima e mostrou uma coleção Primavera-Verão inspirada nos anos 1970, cheia de grafismos extravagantes e estampas de joias enormes. A coleção chamou a atenção dos especialistas. Curiosamente, Mary nunca imaginou desenhar roupas. Estudou arquitetura e depois design de tecidos para decoração. À moda mesmo ela só se dedicou no último ano da faculdade. E, até mesmo a mudança para Londres aconteceu por acaso. Depois de cursar o primeiro ano na Rhode Island School of Design (RISD), nos Estados Unidos, seu namorado neurocientista foi transferido para a Inglaterra e ela decidiu acompanhá-lo.
Seu último desfile, no final de 2012, trouxe para o universo fashion selos postais e notas antigas impressas em náilon e numa tela de cristais. Aos 29 anos, Mary sabe que sua campanha vai longe. “As estampas digitais são relativamente novas e seu potencial ainda não foi totalmente explorado”. Ela já provou que pode criar uma imagem incrível de quase tudo e quem se impressionou com as máquinas de escrever e os vidros de perfume estampados em suas peças, pode se preparar para o que está por vir. Na entrevista a seguir, Mary afirma que a estampa faz parte da forma e do jeito de se vestir da mulher do futuro.
É comum ouvirmos que “tal estampa engorda”, “aquela outra emagrece”, “essa só pode ser usada por pessoas jovens”. Você concorda, existem regras para usar estampas?
Existem certas ideias e noções, mas não regras de verdade. Há alguns anos, estampas eram um pouco tabu, especialmente no tapete vermelho. Mas agora as pessoas estão mais corajosas e felizes de usar estampas sobre estampas. Se for a estampa certa na silhueta certa, pode causar um ótimo impacto e também ser muito elegante.
Até que ponto as estampas estão relacionadas às formas? Qualquer peça pode ser estampada?
Para nós, uma estampa não é uma padronagem ou um preenchimento do tecido. Ela faz parte da forma. Do mesmo jeito que outros designers usam o corte como suas assinaturas, eu uso a estampa para realçar a figura feminina e criar uma certa silhueta. São coisas paralelas e podem ser igualmente influentes.
Quem ou o que te inspira?
A cada estação, diferentes temas me inspiram. Normalmente, é uma questão de filtrar a beleza através do design. Eu já olhei para objetos de arte, de decoração, vidros soprados, garrafinhas de perfumes e, mais recentemente, selos postais e papéis-moeda antigos. Depois, o tema dita a estampa, a silhueta e a fabricação. Eu não desenho com um tipo específico de mulher na cabeça. Trabalho de um jeito que me permite misturar imagens diferentes para criar uma nova estética, mas sempre considerando como isso vai aparecer e reagir no corpo feminino.
Você usa a mesma técnica para criar suas estampas ou há variações?
Sempre tentamos e desenvolvemos novos jeitos de trabalhar. As estampas digitais são relativamente novas na indústria e seu verdadeiro potencial ainda está longe de ser totalmente explorado. Se você pensar que a moda está por aí há séculos, e a estampa digital apenas por seis ou oito anos, dá para imaginar o quanto ela pode crescer. Nós, felizmente, mudamos a percepção das pessoas em relação às estampas e permitimos que as mulheres as usassem de um novo jeito. Toda estação, tentamos algo diferente e nessa coleção Primavera-Verão 2013, imprimimos em náilon e numa “tela” de cristais Swarovski, o que nunca havia sido feito antes. Também nos afastamos da impressão e criamos nossos próprios brocados, onde o desenho é entrelaçado no tecido e não impresso. É desafiador, mas excitante.
Como foi trabalhar com o atelier Lesage na coleção de Outono 2012?
Foi incrível. Eles têm muita experiência e o trabalho artesanal deles é impecável. Nós também os provocamos com ideias que eram criativamente desafiadoras, mas o resultado foi lindo. Bordamos lápis reais, pérolas e grama artificial. Eles ficaram realmente animados de tentar algo novo e diferente do que eles estão acostumados a fazer. E ficaram maravilhados com os resultados.
Mais do que estampas, o seu trabalho mexe com efeitos. Qual é o seu objetivo com a moda?
Desafiar aquilo que as pessoas aceitam como bonito e criar uma nova linguagem visual que as mulheres possam usar e que transforme a percepção de se vestir. Quero que as mulheres se divirtam com a moda e sejam capazes de usar peças que celebrem a beleza da arte e do design.
Você sempre mistura a moda com temas que estão mais distantes desse universo. Há um limite?
O limite é criar um vestido que a mulher queira usar. Não pode ser apenas uma ideia, tem que ser desejável.
Apesar do trabalho cheio de cores, você está sempre usando preto.
Eu adotei mesmo um uniforme preto. Foi um modo subconsciente de criar uma ‘tela branca’ enquanto trabalho com tantas cores.
Sendo reconhecida pelas estampas digitais, é de se esperar que você seja uma pessoa tecnológica?
Na verdade, não. Sou bem tradicional, inclusive no jeito como uso o Photoshop. Minha equipe é bem mais avançada tecnologicamente do que eu!
Você nasceu em Atenas, um lugar com uma herança cultural e arquitetônica enorme. E, claro, uma natureza exuberante. Como foi a sua infância e adolescência?
Atenas é um lugar adorável para se crescer. Há tantos lugares bonitos diferentes. Eu vivia a 20 minutos do centro da cidade e do bairro antigo de Plaka, com suas ruas de paralelepípedos e prédios pitorescos, mas ao mesmo tempo, eu estava a 40 minutos do mar. Existe um senso de segurança e liberdade que fica gravado em você quando se cresce num lugar onde as pessoas são tão abertas. Tenho ótimas memórias da minha adolescência em Atenas.