Com a entrada da mulher no mercado de trabalho e uma vida cada vez mais ativa, cuidar dos netos se tornou opção e não obrigação. E as avós que vivem essa mudança garantem: ela é ótima para a família
Ela tem 88 anos, é vaidosa, faz pilates e acredita que o trabalho, as amizades e os relacionamentos amorosos são fundamentais para manter-se jovem. Autora do livro “Velha é a sua Cabecinha”, a italiana Giuliana Mecocci Russo diz que existe uma grande diferença entre ser velha e sentir-se velha. Com três netos e dois bisnetos, ela impressiona pela vitalidade. Trabalha todos os dias em seu próprio escritório de administração de bens, em Santos, e faz questão de ser independente. “Trabalho, sim, mas adoro participar da vida em família. Meus netos estão sempre me pedindo conselhos”, conta orgulhosa. Ela diz não entender algumas amigas que sacrifi cam a vida pessoal para cuidar dos netos. Acha que essa é uma tarefa dos pais, e não dos avós. Bem-humorada, conta que foi ela quem levou as netas mais velhas — que chama de ‘minhas companheiras’ — pela primeira vez a uma boate. “Acho ótima essa revolução feminina”, confessa.
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Giuliana faz parte de uma nova geração de avós, que reúne exemplos como Susana Vieira (69), Rita Lee (64), Regina Duarte (65), Ana Maria Braga (63), Claudia Ohana (49) e Cristiana Oliveira (48). Nenhuma delas corresponde ao estereótipo da avó de cabelos brancos tricotando em uma cadeira de balanço, que dedica seu tempo integralmente aos filhos e netos. Elas refletem os novos papéis que o mundo contemporâneo apresentou às mulheres nas últimas décadas. Todas têm uma carreira, cuidam da aparência e cultivam outros interesses além da família. Mas nem por isso dedicam menos amor a seus filhos e netos. Ao contrário: justamente por valorizarem suas individualidades, acabam sendo mais participativas, o que influi positivamente no relacionamento familiar. Essa nova geração de avós tem chamado a atenção para uma realidade em intensa transformação. Uma mulher que trabalha, namora, estuda, viaja e sai com as amigas. E que tem prazer – e não obrigação – de participar da criação dos netos, mas não faz disso o centro de sua existência. Essa mulher pode ser sua vizinha, sua tia e, com sorte, até a sua mãe.
A verdade é que o mundo mudou rapidamente nas últimas décadas e, como consequência, nossas identidades passaram por uma reformulação. Qual é o papel da mulher hoje? E da família? São perguntas que ainda tentamos responder e que não têm apenas uma resposta ‘certa’. “Até bem pouco tempo atrás, vivíamos sob uma ordem estruturada, onde os papéis eram muito bem definidos. Família, igreja e governo desempenhavam suas funções e nos davam segurança”, diz o psicólogo Glauco Martins. “Basta olhar em volta para perceber que essas estruturas estão em transformação. O mundo passa por uma mudança de valores que impõe novos papéis. E isso inclui as avós”, diz o psicólogo. Esse movimento ocorrido nas últimas décadas, chamado de pós-modernidade, também trouxe a consciência de si mesmo, que resultou em uma valorização da individualidade. Junte-se a isso uma revolução feminista, em curso desde os anos 1960, e temos a avó do terceiro milênio.
“Não sou daquelas avós que deixam fazer tudo. Sou linha dura”, conta Norma Corrêa, de 66 anos, diretora financeira de uma empresa e avó de cinco netos. A afirmação derruba mitos como “na casa da avó pode tudo”, ou “a mãe educa e a avó deseduca”. “Se eles saem da linha, chamo a atenção e lembro que, se não me obedecerem, não voltarão a brincar na minha casa tão cedo”, diz. Durante as férias, Norma leva os meninos mais velhos — Vinicius, de 6, Felipe, de 4, e Nicolas, de 3 anos — à praia. “Os vizinhos me perguntam como tenho tanta energia para lidar com eles”, diverte-se. “Participo das brincadeiras e jogo até videogame”, diz. Mas não toma conta dos netos em tempo integral, tarefa desempenhada por babás e pelo colégio. E, uma vez ao ano, ela faz uma viagem acompanhada somente do marido. “Em março deste ano, passamos quase 30 dias entre Vietnã, Camboja e Laos”, diz. Mas a viagem teve de ser reagendada devido ao nascimento da primeira neta, Julia. Como se pode notar, avós modernas valorizam sua independência, mas fazem questão de estar ao lado da família em acontecimentos importantes.
A massoterapeuta Miriam Carvalho, de 59 anos, é um exemplo de mulher que faz parte de um dos muitos modelos de família contemporânea: divorciada, com uma única filha do primeiro casamento, ela se casou de novo e é avó de Felipe, de 8 anos. Na visão dela, houve realmente uma mudança nos papéis, que ela considera bem-vinda. “Acho que netos e avós estão mais próximos. Ganhamos cumplicidade”, afirma. E diz que, apesar dessa proximidade, o neto a obedece. “Mas o relacionamento acaba sendo mais light, já que a obrigação de educar é da mãe, e não minha”, fala. E para equilibrar o trabalho e a relação com o neto? “Às vezes acontece de eu ter compromisso e não poder. Mas aí jogo limpo e não sinto culpa. Sou ocupada, mas estou presente sempre que posso”, diz. Norma e Miriam concordam em um ponto: os netos as “rejuvenescem”. As duas garantem que acompanham o pique das crianças e se sentem cheias de energia. Para Miriam, isso acontece devido ao perfil multitarefa da mulher. “Damos conta de tudo e temos flexibilidade, uma habilidade que aprimoramos a cada fase da vida”, diz.
São avós como Norma e Miriam que a fotógrafa mineira Mari Camargos retrata nas fotos da exposição “Delícias de Vó”, em cartaz no Museu dos Brinquedos de Belo Horizonte, e que ilustram esta reportagem. “A ideia era fazer uma homenagem ao Dia das Avós, comemorado no dia 26 de julho”, diz Mari. “Mas creio que acabou ultrapassando a simples homenagem e virou um registro de uma nova geração de avós que está surgindo”, conclui. As imagens revelam momentos de alegria, cumplicidade e aconchego entre netos e mulheres que pouco lembram as avós de antigamente. E deixam evidente que, antes de serem avós, elas são mulheres. Todas com seus sonhos, planos, dúvidas e certezas. E querendo fazer o seu melhor, participando plenamente do crescimento dos netos, sem deixarem a si mesmas em segundo plano.
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