Com simpatia e simplicidade, ele busca novos rumos para a Igreja em viagem ao Rio
Nem ouro, nem prata, como ele mesmo disse. O que o papa Francisco (76) trouxe ao Brasil, sua primeira viagem internacional, foram novos ares para a Igreja Católica. Durante uma semana no País para a 28ª Jornada Mundial da Juventude, o argentino Jorge Bergoglio quebrou protocolos para estar mais perto dos devotos e conquistou a admiração de pessoas de todas as religiões por suas atitudes simples e tranquilas. Com fala mansa, mas firme e direta, a maioria das vezes em português, defendeu o Estado laico, o respeito a todas as religiões e conclamou os jovens a irem às ruas pacificamente. “Não sejam covardes, metam-se, saiam para a vida. Saiam às ruas como fez Jesus”, disse, diante de cerca de 3 milhões de pessoas na praia de Copacabana. Sabedor da importância da internet atualmente, o papa alimentou sua rede social com mensagens focadas. “A Igreja é jovem e, na JMJ, se vê isso muito bem. Que o Senhor sempre nos mantenha, a todos, jovens de coração”, escreveu em uma das postagens.
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O carisma e a descontração que marcaram a comunicação de Francisco com peregrinos de 178 países também estiveram presentes no seu encontro com líderes religiosos, intelectuais, artistas e empresários no Theatro Municipal do Rio. Depois de fazer um dos discursos mais impactantes da Jornada, em que destacou a multiplicidade da cultura brasileira e a importância do diálogo, o papa recebeu no palco representantes da tribo pataxó, que o presentearam com um cocar, imediatamente colocado na cabeça pelo pontífice. “O cocar é um amuleto de proteção que faz a ligação do espírito com a terra. E não há pessoa melhor para recebê-lo do que ele”, explicou o índio Ubiraí (26), encantado com a gentileza do papa. “É preciso valorizar a originalidade dinâmica que caracteriza a cultura brasileira, com a sua extraordinária capacidade para integrar elementos diversos”, disse Francisco, ovacionado pelas 2000 pessoas presentes. “A convivência pacífica entre as diferentes religiões é beneficiada pela laicidade do Estado, que respeita e valoriza a presença do fator religioso na sociedade, favorecendo suas expressões concretas”, concluiu, cumprimentando também o babalaô Ivanir dos Santos (57), defensor do direito constitucional à liberdade religiosa. “Pela primeira vez um representante do candomblé é recebido por um papa. Isso é inédito”, destacou Ivanir. A cerimônia ainda foi marcada pela alegria do líder da Igreja Católica ao ser homenageado com peças do compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959) executadas pela Orquestra Sinfônica e Coro do Theatro Municipal e o encerramento caloroso das pequenas bailarinas da Escola de Danças Maria Olenewa.
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Entre os cerca de 30 eventos dos quais o primeiro papa latino americano da História participou em sua estada no País estava a visita a uma comunidade pacificada. E o jesuíta, da ordem da Igreja fundada pelo basco Inácio de Loyola (1491-1556) conhecida pelo trabalho educacional e missionário, voltou a surpreender em Varginha, na zona norte do Rio. Ao passar diante de uma igreja evangélica, o santo padre cumprimentou o pastor e os fiéis que se encontravam à porta e convidou-os a rezar com ele o pai-nosso. Na comunidade, seu discurso teve o tom de um recado para o Poder Público. “Nenhum esforço de pacificação será duradouro, não haverá harmonia e felicidade para uma sociedade que abandona na periferia parte de si mesma. Uma sociedade assim empobrece e perde algo de essencial para si mesma. Não deixemos entrar no nosso coração a cultura do descartável”, afirmou ele. “Cada um, na medida de suas possibilidades, deve saber dar sua contribuição para acabar com tantas injustiças sociais”, completou o pontífice. Durante os dias em que permaneceu no Brasil, Francisco ocupou uma suíte sem nenhum luxo na Residência Assunção, pertencente à Arquidiocese do Rio, e mostrou-se um missionário incansável. Apesar dos inúmeros compromissos, que incluíram viagem a Aparecida (SP) para missa na Basílica da cidade, visita a hospital carioca, confissões de cinco jovens na Quinta da Boa Vista, reunião com cardeais brasileiros e representantes religiosos da América Latina, ele nunca abandonou o sorriso do rosto. Nos deslocamentos pelas ruas do Rio, fossem no papamóvel sem vidros a seu pedido ou em carro popular fechado, do qual insistia em manter a janela aberta, o papa distribuiu cumprimentos e abençoou o seu ‘rebanho’. “Necessito estar perto de gente”, justificou.
Um dos momentos mais esperados e impactantes da Jornada Mundial da Juventude, a encenação da via-sacra na orla de Copacabana reuniu 1,5 milhão de pessoas que se emocionaram com o cortejo formado por 300 religiosos e artistas, entre eles, Cássia Kis Magro (55), Elba Ramalho (61), Ana Maria Braga (64), Lívian Aragão (14), Eriberto Leão(41) e Narjara Turetta (46). Em 13 palcos montados ao longo da Avenida Atlântica, além do principal, de onde o papa assistia à encenação, o caminho percorrido por Jesus Cristo carregando a cruz, da sua condenação ao calvário, foi retratado de forma original pe lo diretor artístico Ulysses Cruz (60). Repleta de metáforas e referências nao teatro grego e shakesperiano, com direito a efeitos especiais e estátuas vivas, a via-crúcis foi para Eriberto, como enfatizou, um momento ‘arrepiante’. “Atuar é sempre uma emoção muito grande para mim, mas aqui houve uma energia especial. Francisco chegou com uma mensagem de simplicidade, interesse pelo próximo e resgate da Igreja. E é por acreditar nesses valores que eu estou aqui”, contou o ator, que leu meditação espiritual sobre o momento em que Jesus é entregue a Pôncio Pilatos pelos judeus. “Dizer ‘Fora! Fora! Crucifica-o!’ foi forte demais”, contou ele.
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Escolhida para interpretar Maria, Cássia comoveu a todos ao representar o momento dramático do encontro de Cristo com sua mãe. “Não vi como um grande desafio. Eu tenho uma prática religiosa, converso com Jesus, então simplesmente quis estar pronta para viver esse instante com intensidade. Entreguei o meu coração para uma experiência que talvez tenha sido a mais preciosa da minha vida”, declarou. Na pele de Verônica, a mulher que enxugou o rosto de Jesus, Elba Ramalho se concentrou bastante antes de subir ao palco, mas não deixou de observar a reação das pessoas que assistiam à apresentação. “Foi lindo demais e havia um mar de gente”, contou a cantora, que hospedou 30 peregrinos em sua casa. “A JMJ deixou sementes de fraterno amor e esperança. Foi uma semana intensa de vigília e oração. Fortes emoções!”, afirmou.
Sensibilizado pela representação da Paixão de Cristo, o pontífice lembrou os mortos na tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, há seis meses, e comparou o sofrimento das famílias das vítimas com o de Jesus. “Com a cruz, Jesus se une ao silêncio das vítimas da violência, que já não podem gritar. Sobretudo, os inocentes e os indefesos. Ele se une às famílias que se encontram em dificuldades e que choram a trágica perda de seus filhos”, disse o papa, arrancando aplausos dos peregrinos.
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Inicialmente programadas para acontecer no Campo da Fé, em Guaratiba, zona oeste do Rio, a vigília e a missa de encerramento, os dois maiores eventos da Jornada Mundial da Juventude, também tiveram a praia de Copacabana como cenário. O cartão-postal da cidade recebeu os maiores públicos de sua história, chegando a 3,5 milhões no último dia da JMJ. Na abertura da cerimônia de vigília, Tony Ramos (64) incitou os jovens — que depois de peregrinar por 9,5 km permaneceram na praia até o amanhecer — a promover uma “revolução do amor”. “Temos que amar agora quem está ao nosso lado. Amar a quem está ao nosso alcance. Amar ao próximo, entender, perceber, conhecer, reconhecer, saber ouvir, tolerar, saber amar. Amar é a nossa vitória. O nosso fracasso é não amar”, disse, empolgado, o ator. Em seguida, o Bispo de Roma mais uma vez convidou a juventude a ser revolucionária. “Os jovens que estão nas ruas querem ser protagonistas da mudança. Por favor, não deixem que outros sejam protagonistas. Vocês são. O futuro vai chegar através de vocês”, disse ele.
No domingo, 28, a despedida de Francisco foi marcada por uma agenda cheia e por palavras de grande afeto. O dia começou com a missa de envio em Copacabana, onde ele anunciou Cracóvia, na Polônia, como próxima sede da Jornada, em 2016, e se encantou com um flash mob. Mais tarde, em seu penúltimo compromisso, disse aos milhares de voluntários que lotaram o Riocentro que fossem contra a corrente e acreditassem no casamento. À noite, pouco antes de embarcar na Base Aérea do Galeão para Roma, Francisco voltou a emocionar no último discurso, em que ressaltou o calor e a hospitalidade dos brasileiros. “O coração desse povo é muito grande. É um povo tão amável, que faz festa, que no sofrimento sempre vai achar um caminho para fazer o bem em alguma parte. Um povo que sofreu tanto, mas é muito alegre”, disse. “Parto com a alma cheia de recordações felizes. Já começo a sentir saudades. Saudades do sorriso aberto e sincero que vi em tantas pessoas, saudades do entusiasmo dos voluntários. Saudades da esperança no olhar dos jovens no Hospital São Francisco. Saudades da fé e da alegria em meio à adversidade dos moradores de Varginha”, declarou Francisco, que prometeu retornar ao País em 2017 para festejar os 300 anos em que foi encontrada a imagem de Nossa Senhora Aparecida no rio Paraíba. Já no helicóptero a caminho do aeroporto, ele retribuiu a calorosa despedida fazendo corações no ar com os dedos, encantando mais uma vez com sua doçura e simpatia. Assim que chegou ao Vaticano na manhã de segunda-feira, 29, o pontífice escreveu uma mensagem em sua rede social. “Estou de retorno à casa, e asseguro que a minha alegria é muito maior que o meu cansaço!”, festejou.