Em entrevista exclusiva, Gloria Perez, a autora de 'Salve Jorge', a próxima novela das 9 da Globo, fala sobre as novidades de seu mais novo trabalho, a protagonista Nanda Costa, galãs, beijo gay e revela que chega a se emocionar ao escrever um capítulo
“Quero dar visibilidade aos invisíveis, dar voz aos que não tem voz”, afirma Gloria Perez (63), autora de Salve Jorge, a próxima novela das 9 da TV Globo. Disposta a trazer temas sociais e culturas diferentes, a autora apostará desta vez na Turquia e no tráfico internacional de pessoas. Crime que, segundo ela, é pouquíssimo comentado pela mídia brasileira.
“É um assunto invisível porque a maior parte das pessoas nunca ouviu falar ou acredita que se trata de mais uma lenda urbana. Isso até no meio de gente informada. Mas esta modalidade de crime é a mais rentável, depois do tráfico de drogas”, declarou Gloria em entrevista exclusiva à CARAS Online.
Pesquisadora, atenta e amante de culturas diferentes, ela também é uma visionária. Já levou discussões ultracontemporâneas sobre experiências genéticas na novela O Clone (2001), sobre conversas online em Explode Coração (1995), e sobre gravidez de substituição em Barriga de Aluguel (1990)... Além de ir à Índia, Marrocos e Estados Unidos para ambientar uma trama.
Em entrevista exclusiva, a autora fala sobre as novidades de seu mais novo trabalho, a protagonista Nanda Costa (25), galãs, beijo gay e revela que chega a se emocionar ao escrever um capítulo.
- Acostumada a abordar temas sociais, neste trabalho você falará sobre o tráfico internacional de pessoas. Como esse assunto foi parar até você a ponto de decidir permear a sua mais nova produção?
- Os cartazes no aeroporto me chamaram a atenção e me perguntei: por que estavam só no aeroporto? Comecei a me informar e me deparar com um drama doloroso, invisível, que é esse do tráfico humano. Invisível porque a maior parte das pessoas nunca ouviu falar ou acredita que se trata de mais uma lenda urbana. Esse pensamento ocorre até mesmo nos meios de gente informada. Mas atualmente esta modalidade de crime é a mais rentável depois do tráfico de drogas. Fui atrás e já estou em contato com muitas pessoas que viveram essa experiência: mulheres traficadas para sexo, para trabalho, jovens que foram traficados bebês para adoção... Boa parte deles vai dar depoimento ao longo da novela.
- A atriz Carolina Dieckmann afirmou à CARAS que chorou ao gravar algumas cenas do folhetim. Você também se emociona escrevendo ou no processo de criação é mais fria?
- No workshop da novela, levei algumas dessas vítimas e o relato do que elas sofreram emocionou muito os atores, especialmente aqueles que iriam representá-las na trama. A personagem da Carol é um exemplo. É muito forte, sim. E é claro que eu me emociono, choro, porque nessa parte da história estamos falando de vida real.
- Suas mocinhas geralmente não são nada bobas. São heroínas, corajosas, diferentes... Como será uma protagonista de Gloria sendo vítima de tráfico internacional de pessoas? Esta é uma das provas de que para cair em tal golpe não precisa ser necessariamente inocente ou bobo?
- Morena não é mesmo nada boba: como todas as minhas protagonistas tem atitude e marra de sobra. Mas não precisa ser boba para cair nesse golpe: basta ser desinformada, como a grande maioria é. E sonhar alto, como todo mundo sonha. O que a pessoa aceita é um ótimo emprego no exterior, com contrato assinado em cartório e tudo. Prometem que, depois de uns poucos meses, você terá o suficiente para comprar a casa própria e melhorar a vida da familia. Mas, ao chegar, tem o passaporte confiscado e é mantida em cativeiro.
- Nanda Costa é a protagonista do folhetim, mas não tinha trabalhado com você ainda. Como chegou até ela e decidiu que Nanda seria ideal?
- Nanda é uma atriz fascinante. Não é à toa que tem sido tão premiada no cinema, tanto no Brasil quanto no exterior. É uma atriz visceral, sem medo dos limites: exatamente o que eu procuro nas minhas protagonistas. Morena, uma garota típica do Alemão, é uma personagem densa e cheia de nuances: vai do humor ao drama, e a Nanda a vestiu como uma luva. Tem sido um privilégio trabalhar com ela.
- Recentemente, muitos autores reclamaram da falta de galãs da nova geração. O que um ator precisa ter para conquistar as telespectadoras tendo o mesmo “borogodó” do José Mayer, Tarcísio Meira...?
- O que um galã precisa ter? Isso que você chama de "borogodó". E um papel onde esse mel, esse carisma possam ser sublinhados. Em Salve Jorge tenho o Rodrigo Lombardi e o Domingos Montagner. O que não falta aqui é galã (risos)!
- Como foi a escolha e trabalhar no universo do Complexo do Alemão?
- Fiquei muito emocionada com a pacificação do Alemão, o resgate dessa parcela da população que há tantos anos vivia isolada, aterrorizada sobre outro governo, com outras leis que não aquelas que regem os brasileiros. É claro que isso que a gente chama de pacificação foi só o ponto de partida de um processo de pacificação. Mas deu-se a largada. Antes, a imagem do Alemão era associada a traficantes, a barbáries, como o assassinato do Tim Lopes. Eu quero que a novela dê visibilidade aos talentos de lá: o Rene Silva, que fundou o jornal a Voz da Comunidade, o livreiro do Alemão, que com sua biblioteca ambulante estimula o gosto pela leitura, os fotógrafos, os vendedores de rua, um monte de gente que a violência imposta pelo tráfico impedia que pudéssemos conhecer.
- E como ocorreu essa nova paixão pela Turquia?
- Escolhi a Turquia por ter reunido culturas tão diferentes na fase do império otomano, que durou 700 anos, tem essa mistura de costumes e de tempos que sempre me fascina. Correndo as suas regiões você passeia da antiguidade até o contemporâneo. Istambul é a única cidade do mundo situada em dois continentes: metade na Europa, metade na Ásia. Minha curiosidade pela Turquia se aguçou quando li o livro da Dalal Achcar e da Kátia Leite Barbosa. Eu brinco que a Dalal é a madrinha desse projeto. Fui conhecer e voltei convicta de que o cenário era aquele.
- Você é católica não praticante, mas escolheu o nome Salve Jorge. Qual o motivo?
- Ah, mas isso não tem muita relação com religião. Quando falo de São Jorge, falo do mito que ele representa. Da força guerreira que temos que acordar dentro de nós para vencer os dragões de todo dia. Isso não tem nada a ver com religião.
- Depois da censura do beijo gay, em América (2005), pretende abordar novamente a temática em algum personagem ou um novo beijo?
- Ah não, esse assunto já foi: até a propaganda política já mostrou o beijo gay (risos).
- A novela é um produto de entretenimento e você consegue dar inúmeras mensagens, seja ela na questão social, cultural, de campanhas ao telespectador. Você tem a consciência que suas obras mexem nos valores dos brasileiros?
- As novelas tem sido no Brasil o que Hollywood foi para o americano: a crônica da vida cotidiana. De modo que, mesmo quando não buscam isso de uma forma direta, elas sempre estão pondo em discussão nossos valores e costumes. Eu, particularmente, procuro dar visibilidade aos que estão invisíveis, voz aos que não tem voz. Por isso falei de barriga de aluguel, dos ciganos, das crianças desaparecidas, dos dependentes químicos, dos esquizofrênicos. Sempre pela ótica de quem vive o drama, e não de quem reflete sobre ele.