Pensando sobre a paixão, lembrei-me de uma historinha da mitologia. Diz ela que houve um dia criaturas com quatro pernas, duas cabeças, um pênis e uma vagina. Eram tão felizes que causaram inveja em Zeus e este, então, decidiu separá-las em duas partes: um homem e uma mulher — que não deveriam encontrar-se jamais. Isso explicaria por que as pessoas vivem em busca de sua alma gêmea, de alguém que as complete. A paixão seria o estado em que se tem a ilusão de ter encontrado essa metade.
Talvez não exista na vida humana nada parecido com a paixão, que faz as pessoas saírem do sério, ficando em estado de excitação plena e de euforia que não são comparáveis a quaisquer outros sentimentos. Tudo parece muito real, mas é ilusório, porque na paixão não há racionalidade, não há lógica. É quase um estado insano, um “viver nas nuvens” que não admite escolhas conscientes.
Os cientistas que estudam os aspectos bioquímicos da paixão dizem que essa euforia dos apaixonados é o resultado de uma poderosa descarga de anfetaminas produzidas pelo próprio organismo. Para entender melhor, essas substâncias são da mesma família daquelas usadas nos moderadores de apetite. Seus efeitos são bem parecidos: a pele fica ruborizada, a temperatura do corpo sobe, o coração bate mais rápido, o desejo sexual é mais intenso e o estado de consciência fica alterado. Logo após a transa do apaixonado casal, mais uma reação química, provocada pela descarga de endorfinas, dá sensação de bem-estar, de satisfação plena por estar ao lado do objeto desejado, o que faz com que os dois queiram ir além, dividindo o sono e compartilhando o sonho. Parece que o idílio não irá acabar nunca, mas com o passar do tempo, lá pelo terceiro ano de convivência, as células cerebrais ficam saturadas ou simplesmente mais tolerantes à química emocional e deixam de responder como antes. Não é por coincidência que segundo os especialistas uma paixão dura, em média, três anos.
É preciso registrar, porém, que se a paixão aparece no organismo é a estrutura psicológica que a propicia. São as carências e necessidades pessoais que predispõem uma pessoa à paixão, que a tornam uma “presa” fácil para essa experiência. Quando ela se dá conta do seu vazio interior, e sente a necessidade de preenchê-lo, fica a um passo de se envolver. E depois de envolvida a ansiedade muitas vezes faz com que a pessoa nesse “estado de paixão” engula o outro ou se deixe absorver por inteiro. Nesses casos, a paixão se transforma na coisa mais importante da vida, na razão de ser da existência. O que fazer, então, quando essa explosão de sentimento acaba?
Há duas opções. Uma é investir na continuidade do relacionamento, se ainda há respeito, afeto e admiração, se existe uma vida sexual plena e se os dois, conscientes de que a paixão se foi, decidem passar por cima das dificuldades e alimentar o amor tranqüilo e sereno que ficou. Agora, se a conversa acabou, se os objetivos profissionais já ultrapassam os pessoais e da vida a dois e se a relação tornou-se apenas uma muleta para levar a vida adiante, sem o prazer da convivência, então o melhor é desistir. E que cada um passe a usar o seu tempo como se fosse infinito, sem nunca desistir de ser feliz!