No casamento, um dos desafios é tornar suave a convivência, palavra...
...que vem do verbo latino convivere, viver com alguém. A tarefa se complica se os parceiros passam algum tipo de necessidade, do latim necessitate, que indica a carência de algo importante, como moradia.
Deonísio da Silva Publicado em 03/05/2006, às 17h01
Convivência: de conviver, do latim convivere, viver com alguém. A convivência com o semelhante, em especial no lar, no trabalho e na sociedade, pressupõe acordos e contratos. Célebres escritores trataram das dificuldades da convivência em casa, sobretudo entre os cônjuges. O paranaense Dalton Trevisan (81) o fez nos contos de A Guerra Conjugal, transpostos para o cinema pelo carioca Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988). Os desentendimentos entre pessoas que se amam levaram o poeta romano Virgílio (71-19 a.C) a resumir o impasse nestes versos de sua obra Remedia Amoris (Os Remédios do Amor): "Nec sine te, nec tecum vivere possum"("Nem contigo, nem sem ti posso viver"). Lenda encontrada nos antigos textos hindus que recebem o nome de Veda (conhecimento, em sânscrito) dá conta de que Deus criou a mulher a pedido do homem, que se queixou de solidão, mas depois a devolveu alegando que o importunava muito. Sentindo saudade, pediu ao Criador que a trouxesse de volta. Tornou a devolvê-la tempos depois, sob o pretexto de que seu temperamento alegre e divertido contrastava com o dele, rude e austero. Por fim, Deus se cansou da hesitação e disse: "Agora chega, meu filho! Fica com ela, que sem ela não sabes viver. Procura entendê-la e perdoar-lhe os defeitos, para que os dois, na compreensão mútua, possam percorrer juntos, em harmonia e felicidade, o caminho da existência."
Emprestar: do acréscimo do prefixo em a prestar, do latim praestare, pôr à disposição, fornecer, garantir. O verbo latino foi formado a partir do advérbio praesto, à mão, disponível. Tomou o significado de ceder o uso de alguma coisa a alguém, mas sua consolidação como verbo deu-se na Idade Média para designar o ato de ceder certa quantia em dinheiro a outro, que o devolveria com juros no prazo combinado. O escritor francês Victor Hugo (1802-1885) ensejou a difusão do ditado "Qui donne aux pauvres, prête à Dieu" ("Quem dá aos pobres empresta a Deus") ao pôr a expressão como epígrafe da poesia Pour les Pauvres (Pelos Pobres), constante do livro Feuilles d'Automne (Folhas de Outono), adaptando o provérbio latino "Foeneratur Domino qui miseretur pauperis" ("Empresta a Deus quem se compadece dos pobres"), que foi como São Jerônimo (347-420) e outros tradutores da Bíblia trouxeram do hebraico e do grego para o latim o provérbio. Emprestar a Deus é bom negócio. Segundo o Evangelho de São Mateus, receberá cem por um nesta vida e a imortalidade na outra.
Mote: do latim mutum, som, do verbo muttire, emitir sons inarticulados, onomatopaicos, quase mugir. Na Idade Média, o mutum latino passou a designar palavras e ditos debochados, lemas de cavaleiros e breves sentenças satíricas, quase sempre proferidos em versos ou com rimas no interior do próprio verso. No provençal e no francês se tornou mot, palavra. Um dos primeiros motes, naturalmente, foi pronunciado em latim: muttum facere, fazer-se de mudo, fazer caretas denunciando isso, não abrir a boca. Em alguns documentos antigos é encontrada a variante moto, do português arcaico. Com o tempo, mote passou a sinônimo de lema, de que é exemplo o da Revolução Francesa: "Liberdade, Igualdade e Fraternidade". Estas palavras, em francês, já apareciam nas moedas
de 5 e 3 soldos, cunhadas em 1792: Liberté, Égalité, Fraternité. Mote também designa tema.
Necessidade: do latim necessitate, declinação de necessitas, necessidade, palavra ligada ao latim antigo necesse, designando o que é necessário, entendido como as funções fisiológicas e também como as carências fundamentais que precisam ser atendidas para a vida em sociedade. Assim, alimentação, teto e saúde são considerados necessidades básicas e devem ser atendidas pela família ou pelo Estado. Existem até programas do governo para socorrer os mais pobres nessas áreas. Mas há outros tipos de necessidade. Uma, curiosa, aparece no quarto dia da novela dois de Il Pecorone, conjunto de narrativas medievais em que muitos escritores se inspiraram. O Capítulo Geral da Ordem dos Frades Menores, instância dos padres franciscanos, solicita a Barnabó Visconte que sejam atendidas as necessidades dos monges do convento. A resposta do frade mensageiro: "O senhor Barnabó vos responde, dizendo que providenciará o atendimento de vossas necessidades, especialmente com relação às mulheres, das quais, ele sabe, vós tereis necessidade; porém, como gostais muito de variar, aquelas que tendes não serão suficientes." Ao saber do ocorrido, Barnabó manda prender o frade e enfiar-lhe um ferro em brasa que atravesse sua cabeça. "O frade viveu ainda alguns dias com muitas dificuldades, morrendo após, desesperado pela dor." Os castigos físicos demoraram a ser considerados desnecessários tanto em processos judiciais, como nas famílias. Apenas neste ano foi aprovada no Brasil lei que proíbe o castigo físico de crianças ou adolescentes por parte de pais, responsáveis ou professores.
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