Christina Oiticica enterra suas telas na Ilha de CARAS
A artista plástica em busca da interferência dos quatro elementos: água, terra, fogo e ar
Redação Publicado em 19/04/2010, às 13h43 - Atualizado em 20/04/2010, às 17h04
Com seis telas de 70 cm X 70 cm da série Primavera, pintada no Caminho de Santiago de Compostela, Espanha, a artista plástica Christina Oiticica (58) chegou à Ilha de CARAS. Olhou o mar e a paisagem ao redor como que avaliando as condições para a finalização das obras de inspiração floral. O objetivo era enterrá-las em busca da interferência da natureza de Angra dos Reis."Aqui tem muita energia, é perfeito para o trabalho com os quatro elementos, água, fogo, ar e terra. Eu os uso com bastante respeito. Também me emociona muito saber que a capela da Ilha tem a imagem de Nossa Senhora de Montserrat, uma das santas de quem sou devota. Trago a medalha dela sempre comigo", comentou ela, que mora com o seu marido, o escritor Paulo Coelho (62), na França.
A artista, que desde 2001 utiliza essa técnica, já deixou quadros enterrados na França, Suíça, Japão, Espanha, Índia, Áustria e no Brasil, na Amazônia. "A Ilha tem vegetação luxuriante, com muita raiz. Aqui também é bastante úmido. Acredito que terá boas interferências. Para o resultado ser melhor, vou pôr três telas juntas em cada lugar", disse ela, que escolheu um ponto perto de um bambuzal e um local cheio de flores maria-sem-vergonha. Christina pode demorar de seis meses a um ano para resgatar os trabalhos.
- Como você começou a enterrar suas pinturas?
- Foi por acaso. Eu e Paulo morávamos em um hotel nos Pirineus e precisava trabalhar nas telas, porque havia uma exposição marcada. Mas o quarto era muito pequeno e o quadro, enorme. Então, levei a tela para a floresta e fiquei pintando lá. Quando caía uma folha ou um inseto, ficava supernervosa e dizia: ai, vai estragar meu quadro. Em um determinado momento, percebi que poderia fazer essa parceria com a natureza, usando os seus elementos. Depois, como a tela era muito grande, vi que era mais fácil deixar enterrada e abrir cada vez que fosse trabalhar nela. Retratei as quatro estações do ano, que é o nome da obra.
- Quando viu a capela de Nossa Senhora de Montserrat aqui na Ilha, você entrou e rezou...
- Há mais de 40 anos, sonhei que deveria deveria ir à Igreja de Nossa Senhora de Montserrat e que, a partir daí, tudo seria maravilhoso. Eu fui a uma na zona portuária carioca. Em Barcelona, também há um pequeno templo da santa. Já fiz duas promessas de ficar lá dez dias. Sempre dá certo.
- Você está casada há 30 anos com Paulo Coelho. Como ele demonstra admiração por sua arte?
- Ele senta ao meu lado para dar opinião, troca ideias comigo, mostra os quadros para outras pessoas.
- Vocês moram e trabalham no mesmo lugar. É desgastante?
- É a mesma casa, mas a gente não ocupa o mesmo espaço físico. Às vezes, ele está no térreo e eu, no primeiro andar ou no ateliê. Mas viajamos muito a trabalho sozinhos e isso enriquece o relacionamento, temos coisas diferentes a contar. Por exemplo, vim ao Brasil lançar meu livro de gravuras A Nuvem e a Duna, baseado em um conto espanhol adaptado pelo Paulo. E ele ficou na Europa.
- Fazem trabalhos juntos?
- É raro. Gostamos de deixar o trabalho bem separado em nossas vidas para as pessoas não confundirem também. Mas já ilustrei obras dele. Ajo como se não fosse meu marido, sou totalmente profissional. Mas sempre é uma tensão fazer ilustração para outros.
- Há sintonia entre vocês?
- Muita. É uma sintonia de emoção, não só intelectual. Quando nós conversamos sobre o que estamos fazendo, vemos que tem tudo a ver um com o outro. Aconteceu isso quando ele estava escrevendo acho que Na Margem do Rio Piedra Eu Sentei e Chorei, que tem essa conexão com a Grande Mãe, com Nossa Senhora, e eu também desenvolvia um trabalho igual nas artes plásticas. Às vezes ele fala uma coisas e eu percebo que pensava exatamente o mesmo.
- E a exposição com Paulo e o artista plástico Romero Britto em julho na Espanha?
- Romero propôs fazer algo sobre o Caminho de Santiago de Compostela durante uma vernissage dele em Genebra. Paulo escutou e disse: também vou entrar. Vamos fazer no Hostal de Los Reyes Católicos. A ideia é pôr os quadros dentro das janelas, que serviriam de molduras. Vou usar as obras que foram pintadas no caminho, com portais e pontes. Meu marido até brincou: "Deve estar pensando em ganhar muito dinheiro, porque é como a imagem estampada em notas do euro: de um lado é portal e do outro, ponte". Romero fará a interferência, pondo signos presentes no local: as setas amarelas, o peregrino, a cruz. Já Paulo pôs textos manuscritos dos seus livros e palavras, como energia. Todos ficaram muito bonitos.
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