Em entrevista à edição de 21 de novembro da revista Veja, o filósofo norte-americano Michel Sandel (59), autor do livro O que o Dinheiro não Compra, falou sobre a lógica do mercado nos dias de hoje, quando pessoas colocam à venda seu sangue, seus órgãos e até a sua virgindade. Deixando de lado a importantíssima questão dos limites morais que deveriam ter as relações mercantis, abordada pelo estudioso, sua fala me fez lembrar do Natal e da ansiedade com que todos correm às lojas nesta época, comprando furiosamente e gastando inutilmente — sim, porque não é incomum que os presentes sejam deixados de lado, sem merecer qualquer atenção e sem deixar nenhuma marca no presenteado. Será que esta é realmente uma boa forma de demonstrar o seu amor?
Eu acho que não. Por isso pensei em propor para este ano um Natal diferente, no qual parceiros, parceiras e seus filhos, quando houver, pudessem se presentear com algo diferente, algo que não se possa comprar em lojas. Presentes que teriam de ser procurados dentro de cada um e seriam feitos de valores morais, carinho, amor, companheirismo, ternura, preocupação com o próximo, amizade, fidelidade, lealdade. Nada que esteja à venda. Nada que tenha preço, mas apenas valor. Assim acho que seria possível resgatar o verdadeiro espírito de Natal, a paz na Terra aos homens de boa vontade.
Para se realizar essa troca, imaginei uma reunião da família em que cada um escrevesse em um pedaço de papel o que gostaria de ganhar e de quem. O marido poderia pedir à mulher “carinho, compreensão e o prazer de relaxar ao chegar em casa, sem precisar ouvir cobranças e reclamações”, ou ainda “que façamos muito amor, com muitos beijos e muita vontade”. Ela pediria ao marido “que não se exalte quando eu não for tão racional quanto você” ou “que tenha paciência com as crianças”. Os filhos, tão acostumados a comprar e comprar, não iam entender muito bem a proposta, mas só no começo, porque logo saberiam o que pedir ao pai: “que me ouça, converse comigo e entenda que adolescentes têm altos e baixos, e que precisamos que você seja nosso herói”; ou à mãe: “que seja carinhosa, não grite e entenda que criança dá trabalho, mas também dá prazer, e que lembre que não sabemos tudo, respeite nossa alegria, nossa bagunça, e nos ensine com bons exemplos”; ou aos dois, pai e mãe, juntos: “que não briguem tanto”. A mãe pediria ao filho adolescente “que avise quando sair, me ajude nos serviços da casa, não jogue as roupas no chão.” E assim por diante, expondo uma série de desejos muito simples, mas que dizem respeito à convivência em paz, ao amor, ao prazer de se estar junto de quem se ama.
E então? Qual seria o seu pedido, caro leitor ou leitora? O que faria você realmente feliz na vida a dois ou na vida em família? O que anseia de verdade e acredita que seu amor poderia lhe dar? Depois dos pedidos, na minha ceia imaginária, nada precisaria ser prometido. Todos se comprometeriam apenas a receber suas demandas e considerá-las. Se quisesse, a família poderia então trocar presentes comprados ou feitos em casa, porém simples e simbólicos. Tenho certeza de que um Natal assim jamais seria esquecido e que no futuro, quando se falasse nele, todos diriam que foi “o melhor Natal de nossas vidas”.