Ele fala sobre a morte da mãe e explica por que é feliz vivendo cada vez mais recluso
Redação Publicado em 18/10/2010, às 21h29 - Atualizado em 20/10/2010, às 17h26
O silêncio e a introspecção valem muito para Diogo Vilela (52). Valem tanto que ele admite que vem
atravessando um processo de transformação em sua vida íntima. Pouco sai de casa, cada vez mais gosta de viver recluso e não esconde o desapontamento com os rumos que sua profissão tomou nos últimos anos. Reconhecidamente um dos maiores atores do país, estrela de programas que mudaram a televisão brasileira, como o TV Pirata, ele aceitou abrir uma exceção em sua regrada rotina para passar uma temporada no Castelo de CARAS, em New York. Às vésperas de estrear em São Paulo a peça A Gaiola das Loucas, na qual divide o palco com Miguel Falabella (54), após temporada de sucesso no Rio, Diogo explicou sua particular forma de encarar o mundo. Apesar de ainda abalado com a morte da mãe, Iolita, há cerca de três meses, aos 84 anos, o ator não quer ser visto como um sujeito pessimista. Muito pelo contrário. "Sou feliz porque vivo de acordo com minhas convicções", avisa ele, que diz atravessar sua melhor fase. "Comemoro 40 anos de profissão saboreando o sucesso da Gaiola, com a vida pessoal mais tranquila, em paz e feliz", celebra o ator, que em 2011 vai escrever, produzir e atuar em musical sobre o compositor Ary Barroso (1903-1964).
- Por que você optou por esse processo de reclusão?
- Desde 2000 vivo assim, me preservando mais, frequento menos. Sei de tudo o que acontece, mas não vou a lugar nenhum.
- E por que isso?
- Nunca entendi por que mudei tão radicalmente. Adoro as pessoas, mas convivo cada vez menos. Talvez tenha que assumir que sou retraído e tímido. Às vezes, o outro precisa gostar de mim para me entender. Era mais extrovertido na juventude. A partir de 2000, mudei muito. Com a morte do meu pai e da minha mãe, há o luto. Optei por viver para o trabalho e para as pessoas íntimas.
- É uma busca da solidão?
- Solidão é um título. Você pode estar nela para melhorar, se aprimorar, refletir, uma coisa que dou muito valor. Sou budista há 19 anos e isso me fez viver mais em reflexão. É uma filosofia humanista com a qual me identifico bastante. Então há uma solidão, mas é opcional. E não me sinto só quando estou só. Às vezes, quanto mais gente em volta, mais só me sinto. Quando fico comigo, me sinto ótimo. E me considero muito amado. Nunca formei uma família porque iria trair a ideologia da minha vida, que é o teatro. Sou muito intenso e se tivesse que me dividir, acho que iria sofrer muito. Tive que fazer uma opção e sou feliz assim. Não vivo abandonado. Nunca tive casamento, filhos. Mas tenho meus sobrinhos, amigos, meu trabalho e eles constituem a minha família.
- O budismo mudou sua vida?
- Não. Mas faz a pessoa pensar no próximo. Um ator costuma pensar muito em si próprio. No teatro, com as pessoas rindo na plateia, vi que gostava de viver para o outro. E isso, de certa forma, me levou ao budismo, a querer deixar algo. Sou muito interessado no ser humano, embora viva retirado.
- O que gosta de fazer em casa?
- Leio sem parar. Antropologia, filosofia, me proponho a certos estudos. Estou lendo Tristes Trópicos, de Claude Lévi-Strauss. E também vejo novela, filmes, muito documentário, acompanho o trabalho dos meus amigos. E, quando quero ficar calmo, leio Proust. Falavam que Em Busca do Tempo Perdido era uma obra detalhista, que talvez eu não fosse gostar. Depois entendi que essa era a linguagem do sentimento. Passei a entender o ciúme. E foi a primeira vez que chorei com um livro, No Caminho de Swan, que ganhei da minha mãe, há três anos. E isso me deixou muito impressionado.
- E como você vem reagindo à a morte dela?
- É algo muito psicanalítico. Embora tenha sofrido muito com meu pai, em 2000, fiquei impressionado
em ver como a falta da mãe nos atinge. Você se sente só no mundo. Parece que nunca mais vai ser amado profundamente. No dia em que ela morreu, fiz a peça. Recebi o amor de tanta gente e vi que isso não estava esgotado. Tenho sofrido muito, estou aqui por causa disso. Viajei para dar uma distraída, tentar espairecer de uma barra muito pesada. Quando você perde a mãe, sente que o cordão umbilical é realmente cortado. A gente fica meio solto no espaço.
- E o que mais faz você chorar?
- O teatro. Na vida, não sou chorão. Me preocupo até em ser durão para poder suportá-la.
- E não tem mesmo mais vontade de sair de casa?
- Cada vez menos. Tenho até levado muita bronca dos amigos como Ney Latorraca, uma das pessoas mais carinhosas que conheço da classe artística, Louise Cardoso, Falabella. Mas não estou deprimido. É minha maneira de ser. Isso não quer dizer que eu não goste de ficar com as pessoas. Mas adoro ler em silêncio. Sempre gostei da introspecção. Isso ajuda meu trabalho, preciso me concentrar. Não tiro as coisas de letra. Foi então um processo natural, mas vem ficando mais intenso. Tenho bons amigos e gosto das pessoas. Só que, se quiserem me ver, precisam freqüentar minha casa. Cada vez mais tenho certeza de que quero ficar recluso. É bom para minha profissão. Faço muitas aulas, de canto, ginástica, essas coisas..
- Sente falta de algo?
- Sou disciplinado. Se precisar fazer algo, faço. Sou caxias mesmo. Gosto de regras definidas para me sentir seguro. Preciso fazer o bem a mim mesmo para ser bom ator. Quando comecei, com 12 anos, nunca quis ser famoso, mas ter um trabalho de qualidade. É o que busquei a vida toda. Fama é consequência da qualidade.
- E isso mudou atualmente?
- Levei um susto quando percebi que não haveria mais classe artística, mas sim uma sociedade. Todo mundo virou artista. Isso também fez com que me afastasse. Não estou lançando um movimento, mas confesso que sofri uma decepção porque me preparei desde criança para exercer bem meu ofício. E quando vi que isso estava diluído, e é um fenômeno no mundo todo, percebi que precisava criar minha individualidade. Não quis dispersar para salvar o que aprendi com Ziembinski, Sérgio Britto, Henriette Morineau, Fernanda Montenegro, Nanini, Marília Pêra, Eva Todor, Pedro Paul o Rangel. Hoje se confunde talento com desinibição, dom de representar com espontaneidade, estar à vontade com naturalismo. E por aí vai.
- E como está o trabalho com o Miguel Falabella?
- É a primeira vez que divido o palco com ele e nos conhecemos desde a adolescência. Líamos gibi juntos e, mais recentemente, trabalhamos em Toma Lá, Dá Cá. São muitas afinidades. Moramos em comunidade, vários grupos teatrais viviam assim. Pertenço à geração Cazuza, que teve relevância, fizemos coisas que marcaram as pessoas, que têm uma singularidade. Gosto do verso 'ideologia, eu quero uma para viver'. E eu buscava justamente isso. Tinha interesse em teatro, em cultura. Isso até hoje nos dá muito respeito. E, com o olhar de hoje, vejo como foi interessante.
- As gerações atuais são muito diferentes da sua juventude?
- Existe um fenômeno no começo de cada século, é uma fase de mudanças e descobertas. E tudo o que muda abre um hiato. E isso cria uma interrogação. Não dá para avaliar agora. Só sinto um certo vazio nas pessoas. A tecnologia tornou o mundo mais prático, mas emocionalmente esvaziado. Todo mundo está começando a se acostumar com a violência visual e auditiva. Todo mundo está pouco focado. Na essência, essa praticidade trouxe uma falta de questionamentos. Houve globalização e individualização. Não sei explicar onde está o erro. Ninguém tem saco para a emoção. Mas muita gente quando vai ao teatro se emociona. E isso resgata bastante coisa. Filósofos dizem que no futuro as pessoas vão se relacionar através da tela de um computador e só vão se encontrar no teatro e nos estádios. Não estamos longe disso.
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