Beatriz Garcia e Gabi Lopes refletem sobre as causas e consequências dos relacionamentos abusivos que viveram
Nos últimos anos, o debate sobre relacionamentos abusivos e tóxicos tem ganhado cada vez mais força na sociedade.
O tema já virou pauta em diversos ambientes onde se discute as formas, jeitos e posturas em que ele aparece diante de uma relação “amorosa”. Desde conversas entre amigas até programas de TV, as divergências entre um relacionamento saudável e um relacionamento abusivo estão sendo comentadas.
Para a psicóloga Daniela Generoso, para identificar um relacionamento abusivo e tóxico, primeiramente, é preciso entender o que um relacionamento saudável possui.
"Quando convivemos com a violência constantemente achamos normal e não conseguimos realizar uma diferenciação. Um relacionamento saudável é baseado em: diálogo, confiança, parceria e respeito. Já um relacionamento tóxico, é baseado em: ciúmes, posse, em não vibrar com a conquista do outro, em ditar para o outro o que é certo e errado e agressão verbal disfarçada de cuidado", relata.
A influencer Beatriz Garcia, participante do reality show Soltos em Floripa, por exemplo, se encontrou vivendo um relacionamento bem turbulento dentro e fora do programa com um outro integrante, Luan.
Desde a primeira temporada, era notável certos comportamentos possessivos do participante, porém foi após a sua expulsão - por conta de uma cena de ciúmes, briga e agressão - na segunda temporada, que o termo relacionamento abusivo veio à tona.
Durante uma conversa com Taynara, Nathalia e Ana, ela falou abertamente sobre a relação entre os dois. “Não foi naquele momento. Apesar das meninas terem me ajudado muito, eu já tinha percebido, só não queria acreditar. Hoje, em plena consciência, considero sim, que vivi um relacionamento totalmente abusivo e tóxico. Dentro e fora do reality”, declarou ela em entrevista para a CARAS Digital.
Bia revelou que, mesmo após o ocorrido, voltou a se encontrar e se relacionar com Luan, por acreditar que ele poderia ter mudado. “Ainda estava vulnerável e presa no relacionamento. Parece fácil, mas é muito difícil sair de um relacionamento abusivo. Dei muitas chances, perdoei muitas traições e quando ele se converteu, acreditei na mudança. Até ele, novamente, continuar a fazer as mesmas coisas que fazia antes. Aí foi o fim pra mim! Cheguei no fundo do poço e foi exatamente por isso que não aguentei mais. Ou era a minha a saúde (física e psicológica), ou era ele”.
“Foi muito difícil, porque por muitas vezes me deixei de lado e não tive amor próprio. Me permitia passar por aquelas situações e não entendia o porquê. E isso foi acabando comigo... até eu acordar de verdade e perceber que não merecia nada daquilo. Ninguém merece passar por isso”, lamentou.
Por ser um programa liberado em uma plataforma de streaming, a participante comentou como se sentiu ao rever as cenas: “Sempre fui uma mulher empoderada e independente. Me ver naquela situação só me confirmou o quão cega estava. Foi horrível! Na minha cabeça tinha sido totalmente diferente, não imaginava a gravidade da situação. Quando eu vi, não acreditei. Foi uma mistura de vergonha com arrependimento absurdo”.
De acordo com a psicóloga Daniela Generoso, a representação de relacionamentos tóxicos e abusivos ajudam ao público identificar semelhanças e entender que não estão sozinhos. “A TV tem um poder de reconhecimento espelhado, quando vejo uma situação semelhante me reconheço e se há reconhecimento e debate sobre o assunto fica mais fácil de entender sobre o assunto. Como se por um momento fico fora do meu problema e enxergo melhor a situação”.
A influencer concorda com Daniela, e espera que a sua história possa servir como incentivo para outras mulheres saírem de situações parecidas ou piores. “Espero que o reality e a minha história sirva de exemplo e dê muita força para as mulheres! É muito importante você aceitar e enxergar a realidade em que se encontra. Ser forte e confiar em você, na sua força. Tudo é possível, basta querer! Você e sua felicidade tem que estar em primeiro lugar. Sempre!”.
Bia ainda confessou que buscou ajuda profissional e tomou medidas de autocuidado para reparar os danos psicológicos que o relacionamento gerou. “Foi muito difícil, até hoje é. Procurei todas as ajudas possíveis e imagináveis! Voltei a fazer terapia, frequentei igrejas, procurei me auto conhecer ainda mais, fiquei mais próxima da minha família e amigos. Todo tempo livre que tinha, focava em mim e na minha carreira profissional. Sempre me mantinha ocupada pra não deixar os pensamentos ruins me dominarem, e deu super certo”.
Como identificar um relacionamento abusivo?
Mislene Gonçalves, psicóloga co-idealizadora do Projeto Conectar-se, que auxilia mulheres vítimas de violência, reforça que reconhecer-se em um relacionamento abusivo não acontece de maneira simples. “Infelizmente ainda é muito frequente a compreensão de uma relação abusiva somente a partir de uma agressão física ou do abuso presente na sua forma explícita, quando na verdade, existem inúmeras formas “sutis” do abuso se apresentar em meio às relações”.
A psicóloga alertou sobre os comportamentos de um abusador. “Quando ele faz com o que você se sinta incapaz de tomar suas próprias decisões, quando rouba suas senhas, invade suas redes sociais e a sua privacidade, quando te expõe, te difama, fala mal de você pra outras pessoas, quando distorce o que aconteceu até mesmo o que você falou moldando a verdade a favor dele, quando faz com o que você se culpabilize o tempo todo inclusive pelas ações dele, te faz constantemente se desculpar e implorar por perdão e você por vezes sequer compreende o porquê ou pelo que está se desculpando”.
“Quando faz com o que você se questione o tempo todo ou com que perca a confiança em si mesma, quando te ignora, te exclui, bloqueia no que chamamos de (tratamento do silêncio) até você ceder e fazer o que ele quer, quando você sente que sua vida paralisou, todas as suas atenções se voltam pra vida do outro, você perde o foco, o prazer se perde de si, se perde em essência na busca incessante de não perder esse outro...o fato dele nunca ter te agredido fisicamente, não o torna menos abusivo”, ressaltou.
Any Borges e Maurício Miguel, participantes da terceira temporada do De Férias Com O Ex Brasil, da MTV, que foi exibido em 2018, se envolveram em discussões no programa que geraram incômodo nos telespectadores.
O motivo principal das brigas entre o casal era o ciúmes. Uma cena do reality que repercutiu bastante nas redes sociais foi quando Any deu um selinho, no canto da boca, em um "amigo" de Miguel no confinamento, Vini Buttel, durante uma brincadeira em uma festa fora da casa com alguns participantes, o que foi suficiente para gerar mais um desentendimento entre o casal.
Any constantemente se sentia culpada e se desculpava por coisas que nem tinha feito. “O abusador frequentemente responsabiliza e deposita toda a culpa na mulher como se ela fosse a única responsável pelo total sucesso ou insucesso da relação", explica Mislene.
A psicóloga também alertou sobre o ciúmes em uma relação. "O ciúme saudável existe e pode se confundir com uma certa dose de preocupação e talvez com um excesso de zelo, de carinho. É um sentimento que faz com que, em uma relação o outro se sinta valorizado e importante no relacionamento. Mas existe uma linha tênue entre o comportamento de estima em relação ao outro (e é até aqui que ele se configura saudável) e a patologia”.
“Quando o ciúme gera problemas, passa do ponto aceitável, se torna uma obsessão constante, com sentimento de possessão, acaba só fazendo mal para quem o sente, gerando brigas, desconfiança e incômodos frequentes, colocando a relação em risco e prejudicando a saúde individual de quem desenvolve estes sentimentos", disse ainda.
Além de terem vivido um relacionamento abusivo, Any e Bia, também tiveram que lidar com as críticas do público após o fim da relação. Como reforçou Mislene, dificilmente o abusador é julgado pelas atitudes que teve e os questionamentos são direcionados às vítimas.
A psicóloga também comentou sobre o que aconteceu com Carla Diaz no Big Brother Brasil 21. No reality, a atriz se relacionou com Arthur Picoli e acabou sendo rotulada como “trouxa” e julgada por atitudes do instrutor de crossfit, o que levou à sua eliminação no oitavo paredão do programa. Quando foi ao paredão falso, o público tinha a esperança de que ela pudesse enxergar que o brother não estava à vontade ao seu lado e já não queria mais se envolver.
Sem conseguir ter acesso a tudo que acontecia no confinamento, quando retornou à casa, a artista se ajoelhou no gramado na área externa e perguntou se Arthur aceitava ser parceiro dela no jogo e no amor. Carla, que estava “apaixonada”, foi duramente criticada por se manter na relação vista como abusiva.
“Percebi muitas pessoas inconformadas com a cena, com o “como ela aceita?”, “como ela não percebe isso?”, e é onde fica ainda mais evidente a necessidade de falar sobre isso. Quantas de nós não já vivenciamos algumas dessas situações sem sequer se dar conta? Quantas de nós não já nos ajoelhamos, talvez não de fato, mas simbolicamente? Imploramos, nos desculpamos em situações em que não cabiam desculpas nossas ou onde sequer sabíamos o que tínhamos feito de errado. E é isso que um relacionamento abusivo faz, ele cega!”, alertou a especialista.
Por estar em um confinamento, a vítima acaba ficando mais vulnerável e torna ainda mais difícil entender que está em uma relação tóxica. “Além da dependência afetiva e a ideia irreal de que você precisa daquele outro pra se sentir completa, protegida, questões ligadas à auto estima, já que se sentir de certa forma “presa” à essas migalhas, a ciclos de desamor, também é um sinal de que você não está pronta para um relacionamento, a desestabilização emocional e os constantes sentimentos de culpa”.
Um confinamento tende a dificultar ainda mais o reconhecimento de um relacionamento abusivo. “A dificuldade já começa pelo viés social, pela forte influência do machismo, do patriarcado, pela forma como fomos socializadas/ensinadas a sermos mulheres e por alguns movimentos que fazem parte de um padrão de comportamento feminino esperado e que mesmo ultrapassado segue sendo imposto a nós".
“Como por exemplo, na forma como somos ensinadas a crer que precisamos estar em um relacionamento para que possamos nos sentir felizes/completas na visão de que “toda mulher já nasce pra morrer de amor” e sempre no viés de um amor romântico, de um amor do outro e nunca o próprio...todas essas questões que acabam naturalizando e velando algumas formas do abuso se apresentar e dificultando ainda mais essa percepção e ciência de se reconhecer em um relacionamento abusivo”, acrescentou.
Além do confinamento, os participantes também tem que lidar com a exposição. “Fora todas as questões provenientes da exposição e do próprio confinamento como o medo do julgamento, da cultura do cancelamento, são questões que podem interferir diretamente na saúde mental das pessoas envolvidas, no jogo, no relacionamento dessas mulheres com as outras pessoas do reality, já que por estarem envoltas, entregues e dispostas a protegerem essa relação e esse parceiro, elas acabam se afastando dos demais e de si mesmas”.
Dentro e fora das telas
Gabi Lopes não viveu um relacionamento abusivo em um reality show, mas dentro de sua própria casa. Em entrevista para a CARAS Digital, a atriz contou que chegou a ser alertada por amigos sobre o relacionamento que estava vivendo. "Passei a entender que vivia um relacionamento abusivo quando amigos mais experientes me abriram os olhos, dizendo que eu também tinha mudado, minha luz tinha se apagado. E eu sempre fui alegre e interagia com todos, passei a ficar mais retraída. Hoje, entendo muito melhor sobre o tema e sei ao certo o que vivi".
Como acontece com a maioria das mulheres que passam por um relacionamento abusivo, "no começo, tudo são flores". “Eu estava apaixonada, ele dizia sentir o mesmo por mim. Só comecei a achar estranho quando ele passou a agir com um ciúme muito excessivo a ponto de querer brigar com fãs que me pediam fotos", disse.
Gabi revelou por qual motivo acredita ser tão difícil sair de um relacionamento abusivo. “Primeiro, pelo fato de não entender que o comportamento de seu parceiro ou parceira não é normal dentro de uma relação, que existem limites e é preciso um respeito mútuo. Outra dificuldade está no "pós-briga", em que geralmente a pessoa vem cheia de carinho e amor como se nada houvesse acontecido e te faz se sentir culpada pelo ocorrido. É uma espécie de manipulação e por isso o rompimento se torna tão difícil”.
Ela também contou sobre outras situações que passou durante o namoro. “Além dos ciúmes, coisas que poderiam ser resolvidas numa simples conversa passaram a se tornar discussões muito ríspidas por parte dele. Lembro de uma vez que esqueci a chave do apartamento na casa de uma amiga, e como já morávamos juntos ficamos presos do lado de fora. Ele gritou comigo e me ofendeu de uma forma desproporcional até o chaveiro chegar para resolver nossa entrada".
A influenciadora digital também sofreu com as consequências da relação tóxica e buscou ajuda profissional. "Desde que passei a fazer terapia, por conta de um outro problema que foi minha depressão hormonal, passei a lidar melhor também com os traumas desse relacionamento. Confesso que demorei um pouco a me abrir novamente para outra relação e ajudou no meu amadurecimento enquanto mulher".
Gabi ainda ressalta que decidiu dividir sua experiência com o público no intuito de ajudar e mostrar que é possível superar um relacionamento abusivo, reforçando ainda a importância do suporte familiar e ajuda de profissionais. "Hoje, uso minhas redes para falar sobre o tema e precisamos usar todo o espaço possível para termos voz", concluiu.