Em um artigo muito comentado, publicado em julho na revista Época, Eliane Brum (45) nos fala do engano que é a crença no direito à felicidade irrestrita. Essa crença, capaz de causar dificuldades em vários setores da vida de uma pessoa, incluindo-se aí as relações afetivas, pode nos dias de hoje ter duas origens: a) o modo atual dominante de criação dos filhos; e b) a mentalidade contemporânea.
Para desenvolver o primeiro item, recorro ao psicanalista e pediatra inglês D.W. Winnicott (1896-1971). Segundo ele, ao nascer, o bebê tem suas necessidades logo preenchidas por uma mãe “suficientemente boa”. Uma memória desta fase permanece no inconsciente de todos os adultos. Após alguns meses, a mãe passa a adiar o atendimento — até a não atender — das solicitações de seus rebentos. Essa nova atitude propicia o desenvolvimento do ser humano, que, incorporando ao seu repertório psicológico a frustração, aprende a lidar com um sentimento que terá de encarar ao longo da vida. Teremos então um adulto com maiores probabilidades de ser psiquicamente saudável. A mãe que não consegue dizer “não” impede o crescimento do filho e consequentemente sua boa inserção na sociedade, pois ele se sentirá no direito de ter tudo que quer, sem levar em consideração as necessidades e desejos de seus semelhantes.
Quanto ao segundo item citado no início deste artigo, lembro que do século XIX ao XXI passamos de uma sociedade repressiva para uma permissiva. Com isso, o instinto de proteção das mães tornou-se exagerado. Elas passaram a se exceder nas tentativas de evitar frustrações na vida dos filhos, ansiosas por oferecer-lhes um mundo maravilhoso no qual reinaria a felicidade. Tal desejo inconsciente, no entanto, é impossível de ser realizado. Em vez de felicidade, gera dor, conflito e trauma. Nas relações amorosas, por exemplo, o parceiro espera que, tal como a mãe, o companheiro realize todos os seus desejos, expectativa que, obviamente, inviabiliza a relação. Diante das primeiras frustrações os amantes se separam e procuram novo parceiro na esperança de que este lhes proporcione a felicidade absoluta. O fracasso das sucessivas tentativas pode levar a pessoa a uma vida sem parceria, a uma falsa parceria superficial ou à bem-vinda aceitação das frustrações — o que, no entanto, exigirá uma reestruturação psíquica.
Pessoas que não foram frustradas no início da vida desenvolvem a convicção de que o mundo funciona tendo-as como centro privilegiado a ser atendido a qualquer custo. Estamos diante de um estado narcísico exacerbado. Três fatores, agindo conjuntamente, podem ajudá-las a modificar esse funcionamento psíquico: a ação do mundo, que as trata como a qualquer outro ser humano; a percepção de que o vivido na infância manteve-se espuriamente como ilusão da qual terão de se livrar; e um trabalho psíquico doloroso de aceitação da realidade, de modo que percebam que não são o centro do mundo e não têm direitos especiais em detrimento do direito de outras pessoas. Esse processo de transformação do psiquismo, que muitas vezes requer a ajuda de um psicoterapeuta, poderá lhes permitir conviver cordialmente com o outro e estabelecer relações de afeto amoroso/sexual. Trata-se de um processo difícil e sofrido, mas vale a pena tentar.