No calor da discussão, a pretexto de dizer “poucas e boas”, veredictos são emitidos, julgamentos são feitos, sentenças são atribuídas. Que hora mais infeliz para se dizer qualquer coisa: o emissor da mensagem não consegue se fazer ouvir e, consequentemente, respeitar, e o receptor perde a chance de ser nutrido com algo que, se dito em momento mais oportuno, poderia ser precioso. Nesse embate, só há perdedores.
Bate-bocas ativam nas pessoas o que nelas há de mais irracional, trazendo para o primeiro plano a impulsividade, a impetuosidade, a falta de filtro. Quem não viveu ou testemunhou situação desse tipo? Os interlocutores dizem coisas acreditando que o “sujeito” de suas falas seja sua personalidade consciente. Engano. Em situações passionais, a consciência é engolida pelo inconsciente, isto é, pelo elemento primitivo, associado ao plano dos instintos, que, em condições normais de temperatura e pressão, mantémse silencioso, embora não morto. As pessoas imaginam ter domínio sobre a situação, mas são meros ventríloquos de parcelas poderosas de seu inconsciente. Uma vez desencadeado, é praticamente impossível brecar o fluxo desenfreado das emoções. Os atacantes proferem “verdades”, no estilo “E digo mesmo! E você isto e aquilo e aquilo outro. E tem mais isto! E fique sabendo que você..., porque você nunca... e você sempre... E sua mãe, então...”, desenrolando um carretel de impropérios e desqualificações de toda ordem.
Se o interlocutor morde a isca e embarca na mesma viagem (na mesma “maionese”, talvez se possa dizer), é o que basta para que, em lugar de um diálogo, se instale um embate titânico entre forças jurássicas. O elemento humano, em situações como essa, já escorreu pelo ralo. Quanto desperdício de energia psíquica!
A incidência de episódios assim, passionais, na vida de um casal costuma indicar que poeiras foram varridas para debaixo do tapete; quinquilharias foram ocultadas no porão; mágoas foram negadas; dores, sonegadas; amores, não amados como deveriam ser. É só mexer no vespeiro para que todo esse entulho apareça, em geral com consequências desastrosas.
Quem ama não sonega. Nem do outro, nem de sua própria consciência. Dores e desagrados são elementos integrantes da experiência amorosa. No entanto, incluí-los e comunicá-los apenas no momento do desespero e da ira é a mesma coisa que entregar um bebê aos cuidados de uma hiena. O bebê pode se desenvolver, mas de modo catastrófico.
Críticas, queixas, assinalamentos, protestos, tudo isso requer tratamento requintado. São joias. Precisam ser reveladas em caixinhas de veludo. São expressões da faceta difícil, mas legítima, do amor. Não antagonizam com o amor. Servem para torná-lo mais forte, mais maduro. Por isso mesmo, para serem reveladas, requerem a mais amorosa das atitudes. Isso não significa que devam ser dissimuladas ou distorcidas. Devem — isto sim — ser veiculadas com clareza, com comedimento e sem presunção (sem que a elas se imprima o caráter de “verdades”) e com profundo respeito pelo outro. Se são coisas amorosas — e, em princípio, são —, devem ser entregues como presentes. O outro se sentirá visto com olhos límpidos e profundamente considerado, o que nele promoverá acolhimento e gratidão.