Como os sapatos passaram de meros protetores a uma obsessão feminina
Redação Publicado em 08/07/2010, às 17h05 - Atualizado às 21h13
É difícil explicar o fascínio que os sapatos exercem. Mesmo as mulheres mais desencanadas mantêm pelo menos algumas dezenas de pares em seu closet. Nada mais natural, diriam elas, considerando a variedade de modelos, estilos, materiais, acabamentos e usos.
Esse fascínio não vem de hoje. Criado pelos povos mesopotâmicos por volta de 3.000 a.C. por uma necessidade prática de proteção, o sapato já foi usado como símbolo de distinção social em diferentes épocas. No antigo Egito, a sandália de palha era indumentária comum a todos, incluindo escravos, mas para os faraós havia modelos exclusivos feitos de ouro.
Durante o Império Romano, a cor dos sapatos indicava a classe social do indivíduo. No final da Idade Média, os bicos longos eram sinal de nobreza. "Quanto maiores os bicos, maior o grau de nobreza do usuário. Há relatos de sapatos com 45 centímetros só de bico", diz João Braga, professor de História da Moda das Faculdades Anhembi-Morumbi e FAAP, em São Paulo.
Mas mesmo com toda essa aura envolvendo os pisantes, sua evolução pré-século 20 foi bastante lenta. Até o início do século 19, não havia diferenças de um pé para outro e os materiais variavam pouco. A Revolução Industrial foi fundamental na popularização do calçado e criou condições para que essa indústria se desenvolvesse livremente.
Veja a seguir os principais marcos dessa evolução e alguns dos sapatos que fizeram história.
PRIMÓRDIOS Os primeiros sapatos, feitos de couro macio, surgiram na Mesopotâmia, berço da civilização e atual Iraque, em 3.000 a.C. O borzeguim, espécie de coturno, já aparecia entre os assírios por volta de 2.000 a.C.. Era feito com uma grossa sola de couro ou madeira, com o cano de tecido, preso à perna por correias. Foram usados também na Grécia Antiga, junto com as sandálias de tiras amarradas na perna. No Império Romano, os sapatos distinguiam as classes sociais: senadores usavam modelos marrons, os cônsules, brancos e os gladiadores usavam as sandálias que foram febre nas últimas temporadas: as gladiadoras. Os romanos, aliás, foram os primeiros a produzir pares com diferenças entre os pés direito e esquerdo, prática abandonada nos séculos seguintes.
IDADE MODERNA Nesse período de transição, começam a surgir novidades. A criação do salto, atribuída à rainha da França, Catarina de Médicis, é uma das mais significativas. Ao desembarcar em Paris, em 1.533, a monarca trazia em sua bagagem vários calçados de salto produzidos por um artesão italiano. Logo seu gosto foi absorvido pela aristocracia europeia. Cerca de um século depois, o rei Luís 14 instituiu o salto alto para os homens. Mas os nobres, e apenas eles, podiam usar o salto vermelho, ou talon rouge, geralmente bordado com fios de ouro e revestido de seda pura ou brocados.
SÉCULO 19 Durante todo o período, o modelo mais popular foi a botinha da Rainha Vitória: fechada até o tornozelo e com um pequeno salto. Os modelos de noite tinham alguma variação, com aplicações de bordados, pedrarias, fitas e saltos mais altos. A Revolução Industrial, ocorrida na metade final do século 18, serviu apenas para democratizar a aquisição dos sapatos pelas camadas menos favorecidas da população, mas não teve efeito imediato sobre a modelagem das peças. A mudança mais significativa aconteceu com a diferenciação dos pés, quando a indústria passou a produzir pares com pés direitos e esquerdos.
ANOS 10 O estilista Paul Poiret propõe uma moda oriental e os sapatos ficam mais exóticos e coloridos. Mas durante a Primeira Grande Guerra, de 1914 a 1918, com as mulheres indo trabalhar nas fábricas no lugar dos homens recrutados, os calçados tiveram que ficar mais práticos e confortáveis. Além disso, roupas e sapatos menos frívolos faziam parte do esforço de guerra. Em 1917, os Estados Unidos descobrem a borracha e criam o primeiro tênis da história, chamado Keds e fabricado até hoje. Com o fim da guerra, a moda esportiva ganha popularidade e, acompanhando uma mudança drástica no jeito de se vestir, as indústrias passam a produzir vários estilos de calçados.
ANOS 20 A euforia pós-guerra toma conta do mundo. Com as inúmeras mortes de jovens soldados, criou-se um culto à juventude que lhes atribuiu uma liberdade inédita. As saias subiram acima dos joelhos e o movimento art déco influencia as estampas e cortes geométricos. Na era do jazz e do charleston, os pés viram foco: para fazer os movimentos frenéticos da dança da moda, os sapatos precisavam ser confortáveis e ficar presos nos pés. Surgiu assim o modelo boneca, com uma tira fechada em botão,bico arredondado e de salto baixo e grosso.
ANOS 30 A Grande Depressão convive com o glamour do cinema falado e de suas estrelas. A escassez de matérias-primas leva à busca de novos materiais, como madeira, cortiça, ráfia e plástico. Surge a pequena notável Carmen Miranda que, para compensar seus 1,52 m de altura, cria um modelo de salto enorme, feito de cortiça ou madeira: a plataforma. Salvatore Ferragamo é o primeiro a usar uma estrutura de aço para dar suporte aos pés, o que permitiu que os saltos ficassem ainda mais altos. A editora de moda Diana Vreeland descobre as sandálias no Museu Erótico de Pompeia, e é a primeira mulher a mostrar os pés no século 20.
ANOS 40 Mais uma guerra mundial, e a moda incorpora a silhueta austera, em estilo militar, com sapatos pesados e pouca feminilidade. Os materiais mais uma vez têm que ser reinventados, devido à escassez de couro e borracha. As calças compridas invadem o guardaroupa feminino. Em 1947, com o fim da guerra, Christian Dior propõe uma volta ao feminino com seu New Look: saias amplas, bem acinturadas e com ombros naturais. Entram em cena os sapatos escarpim, resultado da parceria de Dior com o designer de sapatos Roger Vivier.
ANOS 50 Os adolescentes dominam a moda novamente, com o sucesso de James Dean e Marlon Brando. Os tênis e as sandálias casuais entram em evidência. E as sapatilhas, originalmente usadas por criados no século 18, viram cult nos pés de Audrey Hepburn e Brigitte Bardot, acompanhadas das calças capri. A feminilidade também está em alta, e o estilista Charles Jourdan lança o salto agulha em 1951. É o fim dos sapatos robustos-pelo menos pelas próximas duas décadas.
ANOS 60 No início da década, Coco Chanel populariza o modelo que levaria seu nome: um escarpim aberto no calcanhar, com o bico em tom mais escuro, para disfarçar o tamanho dos pés. Mary Quant cria a minissaia, e o microvestido com bota de cano alto é difundido pela modelo Twiggy. Com o interesse crescente pela conquista da Lua e a corrida armamentista, os looks futuristas ganham destaque na moda, com botas à la Barbarella - filme de ficção científica protagonizado por Jane Fonda.
ANOS 70 Nesse período tumultuado, os designers de sapatos, assim como boa parte dos jovens, puderam experimentar de tudo. Dos chinelos de couro hippies às excêntricas plataformas disco, dos coturnos do movimento punk às psicodélicas sandálias glam. A extravagância foi a marca registrada dessa década. Entre os materiais mais usados estavam os vernizes, com muito brilho e em cores contrastantes. Em 1972, surge a Nike. O culto à forma física, que tomaria ainda mais vulto na década seguinte, elege o tênis como calçado popular.
ANOS 80 A década dominada pelos yuppies teve como característica o consumismo desenfreado. As grifes de luxo se unem aos publicitários para conhecer as demandas dos novos consumidores e direcionar o marketing de vendas. As mulheres precisavam se autoafirmar, e por isso investiam em saltos altíssimos, como símbolo de poder. Do guarda-roupas masculino vieram os ternos e as ombreiras que marcaram época. Ao mesmo tempo, na moda casual, o new wave amplia a cartela de cores para os neons, cítricos e fluorescentes.
ANOS 90 Democracia é a palavra. Na década da diversidade cultural e da internet, valem plataformas, bicos finos, saltos baixos e todas as gamas de cores. A mulher volta a ser feminina, e os sapatos primam pela beleza, mas não necessariamente pelo conforto. Na década das celebridades, o sucesso de um modelo ou designer é influenciado diretamente pelas famosas e por suas personagens. Grandes nomes, como Jimmy Choo, Christian Louboutin e Manolo Blahnik, conquistaram fama internacional graças ao seriado Sex and the City.
ANOS 2000 A ordem ainda é democratizar, mas algumas tendências se sobrepõem aos vários estilos pulverizados: escarpins de cores cítricas convivem com meiapatas e sapatilhas de todos os tipos, cores e materiais. O animal print volta com tudo, e as botas dominam não só os dias mais frios, com modelos como o cowboy, as ankle boots e as sandal boots. Velhas marcas ganham novos ares, e viram must-have: as sandálias Melissa e os tênis Converse e Keds nunca foram tão desejados. Ícones do passado passam por releituras e buscam novos caminhos. Lady Gaga ocupa o lugar que foi de Madonna. Alexander McQueen aponta novos caminhos nas passarelas. E a união de Gaga e McQueen, representada nos figurinos da cantora pop, conquista e choca o público.
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