Falta de foco leva ao desejo de ter muitos parceiros ao mesmo tempo

Paulo Sternick Publicado em 20/05/2014, às 12h33 - Atualizado em 10/05/2019, às 11h20

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Quando pensamos nos mistérios do amor, temos o hábito de ligar o sentimento de carência à falta que ele ou ela experimentam por causa da ausência de uma companhia, ou de uma insuficiência da relação existente. Hoje em dia, porém, uma nova e paradoxal carência emerge exatamente do contrário: das múltiplas e variadas possibilidades de relações que trafegam pelas ruas e redes sociais! Trata-se de um sentimento melancólico por não conseguir dar conta do amplo leque de possibilidades que estaria ao alcance em nossa complexa e inesperada época. Com licença do trocadilho, e do sotaque interiorano, a situação seria bem descrita como “a fartura que farta”.

Imaginem um exemplo: ele ou ela entristecidos por estar casados (ou namorando) e, ao mesmo tempo, se sentindo excluídos da festança das paqueras que amigos relatam ou que vislumbram na televisão. Ou seja, de não poder dispor ao mesmo tempo das vantagens do estar a dois e da liberdade do descompromisso! E de até quando sós não terem o dom de desfrutar simultaneamente muitos ‘ficantes’. Essa é a contraditória ‘carência da abundância’. Pois, como diria o pensador francês Pascal Bruckner (65), “não dá para refutar esses fabulosos rostos que nos provocam. Há mais sobre esta Terra do que jamais poderemos obter; coisas demais para agarrar, para cobiçar. A fonte transborda a sede”. Será que a melancolia encontrou uma nova causa? Sofrer com a renúncia ao desejo de abarcar a tudo e a todos, quase como se ele ou ela fossem seres solitários? Diante desse cenário, constituir um par, ou se casar, pode ser percebido como um “comportamento alternativo”. Foi o que disse recentemente a atriz brasileira Carol Castro (30): “Os jovens que se casam são minoria. Está todo mundo num grande oba-oba. Quando casamos, parece que vamos no fluxo contrário”.

Nem tanto a minoria: igrejas e sinagogas estão com agenda lotada. Mas será que esse oba-oba, traduzindo uma sede que carece de foco, acontece porque há muita água rolando, a tal da fonte de prazer transbordando? Em parte sim, pois isso estimula a ilusão de que a falta poderia ser satisfeita com a abundância e a variedade: haveria um harém masculino e feminino capaz de suprir todas as carências, sem riscos de sofrimento, dos encargos e dos compromissos, e sem as frustrações inerentes a qualquer par estável.

Mas os mais focados não se deixam iludir e conseguem se proteger dessas fissuras pós-modernas. A abundância de possibilidades eróticas também pode se converter em fonte de carência não só porque é inatingível, mas porque os humanos precisam de apenas uma “cara-metade” para suprir sua ânsia por um vínculo realmente afetivo, singular e significativo.

A boca empanturrada, mas insaciável e insatisfeita, fica à espreita de mais e mais satisfação, não por falta de alimento ou sexo, mas por causa da incapacidade intrinsecamente humana de se satisfazer meramente com quantidade. Ao contrário, na impossibilidade de obter gozo emocional, qualitativo, um alívio no vínculo afetuoso e singular, necessita-se de mais satisfação quantitativa — cujo viés é o vazio que vai requerer, num círculo vicioso, cada vez mais e mais, sem nunca se bastar. Porque se tenta matar a falta e a sede com água errada e pouco filtrada. 

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