REPRESENTATIVIDADE AMARELA

Caio Mutai confessa que já tentou esconder etnia trocando de sobrenome: 'Como se pudesse'

Em entrevista à CARAS Brasil, o ator Caio Mutai revela que enfrentou inúmeros episódios de preconceito e que despertou para a luta contra o racismo

Thaíse Ramos

por Thaíse Ramos

Publicado em 18/06/2024, às 08h00

A questão de ser "amarelo" sempre esteve presente na vida de Caio - Divulgação/Fabio Audi

Intérprete de PR na série As Five, em que desafiava estereótipos de sexualidade e etnia, Caio Mutai leva para a vida a discussão da representatividade amarela. Em entrevista à CARAS Brasil, o ator revela que só começou a entender e a enfrentar a questão em 2017, quando se envolveu com o grupo Yobanboo. Antes disso, o artista aceitava passivamente as situações racistas, sem reconhecer plenamente o impacto delas. No entanto, ao começar a satirizar e criticar essas experiências através da arte, despertou para a luta contra o racismo e começou a se redescobrir.

Ao longo de sua vida pessoal e profissional, Caio enfrentou episódios de preconceito. "Vejo o racismo como uma semente que cresce, se fortalece, se ramifica. Existe um problema principal que cresce e se ramifica em vários desafios. Penso que a semente é e sempre foi a tentativa ativa e compulsória de quem comanda os grandes veículos e produtoras de perpetuar a cultura eurocentrista. Essa semente cresce e vai se fortalecendo dentro desses veículos quando escolhem personagens também brancos eurocentristas para comandar, dirigir, criar e produzir as obras e produtos diversos", destaca.

"Claramente, esses também vão escolher outras pessoas brancas para que sejam as caras de suas obras e seus produtos, onde toda e qualquer diversidade vai sempre ficar à margem. Então, todos os desafios se ramificam a partir daí e se desdobram do mesmo tema: como enfrentar o nosso apagamento na representação da sociedade e o que isso acarreta como coletivo e em cada artista individualmente. O maior desafio hoje é, primeiro, trazer o entendimento para nós mesmos artistas de que somos merecedores de um espaço digno. Nunca nos foi dado, mas têm sido conquistado por alguns colegas maravilhosos que estão desbravando caminhos lindos. E, sendo assim, esse é um lugar de direito de todos nós", emenda o artista.

Para ele, o próximo passo, é expandir este entendimento. "É levar para os criadores, diretores e produtores, para que entendam de uma vez por todas que somos, antes de mais nada, brasileiros! E que muitos de nós são tão capacitados e aptos como os nossos colegas brancos, de que fazemos parte da mesma sociedade e que podemos ter histórias como qualquer outra pessoa, sem ter que criar uma cidade cenográfica oriental para justificar", diz.

E continua: "Não posso mensurar quantas limitações psicológicas se criam na cabeça de uma criança que nunca se vê representada em lugar de protagonismo e quando vê, é sempre sendo piada ou à margem. Muito diferente da criança que nasce se vendo como princesa, heroi, líder e que vence no fim da novela ou filme. Para finalizar, talvez o que deveria ser o mais fácil, mas tenho entendido que na verdade é um dos mais desafiadores: unir a comunidade. Temos grupos, comunidades menores, páginas no instagram, mas não temos um grande norteador desse movimento. Penso que como ainda é um assunto recente para nós brasileiros, é crucial que demos as mãos".

Caio busca ser um artista multifacetado e uma referência para as próximas gerações - Divulgação/Tony Marquez

 

TROCA DE SOBRENOME

Ao longo de sua carreira, Caio enfrentou desde comentários aparentemente inofensivos até situações mais graves, como ser preterido em trabalhos por sua aparência. Em um episódio particularmente marcante, ele perdeu um grande papel em uma novela porque decidiram remover um elemento que justificava sua presença como mestiço. Esse tipo de discriminação deixou cicatrizes profundas e influenciou suas decisões, incluindo a tentativa de esconder sua etnia trocando de sobrenome.

"Sempre brinco que os casos de preconceito num geral vieram 100% dos trabalhos que eu não fiz. Definitivamente, 90% em testes de publicidade que eu literalmente nunca fui aprovado e os outros 10%, que foram os que realmente me chatearam, estão dentro da dramaturgia. Penso que a publicidade, que tem um olhar completamente comercial e até industrial eu diria - pela velocidade -, tem menos gente paciente e engajada. Talvez hoje mais. Mas há um tempo, parecia que ninguém queria contar história, estavam todos na loucura querendo vender alguma coisa. E aí vem o olhar raso, fácil, onde entram e saem todos os estereótipos possíveis para tudo e para todos", fala.

"Já cheguei a ser jogado de uma sala para outra com as seguintes frases de uma diretora e um diretor, daqueles bem sem saco por estar ali há horas: "Você não é muito japonês, né? Pode ir pra outra sala, aqui tem que ser bem japonês'. Pois bem, chegando na outra sala, escuto: "Não, querido, você é meio japonês né? Aqui tem que ser galera'. Ou seja, entende-se que para estar entre a galera, eu teria que ser branco ou preto, que é o máximo que eles conseguiram entender que existe. Para estar entre os japoneses, eu teria que ter um rosto 100% japonês, mesmo sendo brasileiro. O mestiço, como eu, vive num limbo. Para publicidade não serve, porque precisa ser claramente uma coisa ou outra", acrescenta.

De acordo com o ator, na dramaturgia tudo foi mais velado. "Porém, os resultados foram piores, pois vieram em forma de perder papéis, ficar na final de trabalhos que quero muito e absolutamente na última hora ser trocado por atores brancos. A primeira vez que isso aconteceu, foi um choque muito grande, pois eu já estava aprovado há meses e a justificativa foi apenas 'trocaram a trama'. Ali eu entendi que alguma coisa estava errada e que minha jornada certamente não seria como a de meus colegas", confessa.

Após esse primeiro episódio, Caio conta que passou a usar o sobrenome do pai para tentar erroneamente fazer com que os produtores de elenco o enxergassem "menos" japonês e mais "brasileiro". "Como se fosse mudar alguma coisa no meu rosto, como se eu pudesse apagar ou trocar quem eu era. Depois desse primeiro, tive outros inúmeros papéis perdidos com trocas súbitas e por vezes sem sentido ou explicações melhores", salienta.

Hoje, o ator usa, orgulhosamente, seu nome verdadeiro e trabalha para que sua presença na arte seja vista de forma normalizada, sem a necessidade de estereótipos ou justificativas. Ele busca abrir caminhos para outros artistas amarelos, para que possam existir e ser representados de forma autêntica e sem preconceitos.

Pensando nisso, Caio dá conselhos para jovens artistas asiáticos que estão começando agora. "Sejam firmes e não escutem nem por um segundo quem desacredita do caminho de vocês. Preocupação é uma coisa, desacreditar é outra. Estejam atentos aos sinais. Fiquem perto de quem construiu alguma coisa na vida. Aprendam com eles. Tem gente por aí sem nada no currículo com a boca cheia pra falar do seu trabalho. Estudem muito, para serem o melhor de vocês mesmos. Não só artistas, mas seres humanos! Procurem os melhores profissionais de cada área. Procurem os mestres desses profissionais", ressalta.

TRABALHOS FUTUROS

Caio está desfrutando de uma ótima fase e revela novos projetos. "Tenhos dois projetos audiovisuais para estrear, dois para começar e duas peças em produção, uma de prosa e um musical da Broadway. O longa chamado Furnas Fundas, no qual serei o vampiro Yukun, deve estrear no final do ano ou primeiro semestre do ano que vem. O outro, é um curta metragem criado pelo premiado autor Vitor Rocha, que finalizamos recentemente. Também deve estrear nesse mesmo período", conta.

"No início do ano, recebi convite para dois novos filmes e um deles serei protagonista. Ainda não posso dar nenhum detalhe, mas será diferente de tudo que já fiz. E estreando como produtor, estou com alguns parceiros produzindo uma peça inspirada no dorama 'Navillera'. Será um elenco inteiramente de amarelos. Também estarei no elenco, junto do meu parceiro Edson Kameda. E para os musicais, com outros parceiros, estamos trazendo pela primeira vez o musical premiado da Broadway 'Once On This Island', para 2025, mas também não posso dar muitos detalhes além de que estarei também à frente dos palcos", finaliza.

Thaíse Ramos

Thaíse Ramos é repórter do núcleo de pautas especiais do Grupo Perfil. Formada em Jornalismo, integrou as equipes de entretenimento do Estadão e Gshow e atuou ao lado do colunista Leo Dias. Ama música, cinema, moda e beleza. Instagram: @thaiseramoss

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