<i>Por Priscilla Comoti</i><br><br> Publicado em 14/04/2009, às 20h58 - Atualizado em 15/04/2009, às 11h48
Danieli Haloten - Divulgação TV Globo / Renato Rocha Miranda
A jovem atriz e jornalista de 28 anos é um exemplo de superação e força de vontade para toda a sociedade. Mesmo com sua ainda curta trajetória de vida, esta curitibana tem muita história para contar. Você já deve ter visto Danieli na TV, mas se ainda não viu, vale a pena ligar a TV por volta das 19h e ver sua atuação na novela Caras & Bocas, que estreou segunda-feira, 13, na Globo.
Ao Portal CARAS, ela revelou algumas de suas histórias: Danieli é deficiente visual desde que nasceu, mas sofreu perda total da visão na adolescência. Mesmo com o problema nos olhos, a moça não deixou de estudar e realizar os seus sonhos: ser atriz e jornalista, chegando até a ser apresentadora de um programa, em 1999. Agora, tem a oportunidade de mostrar seu talento na telinha da Rede Globo, como a Anita, uma personagem também cega. Depois de distribuir muitos e-mails, um deles chegou às mãos do autor Walcyr Carrasco. "Minha primeira atuação profissional está sendo agora, com a Anita. Vou estrear com o mundo inteiro me assistindo e isso dá um medinho", confessou em entrevista exclusiva. Veja trechos da conversa:
- Você teve perda total da visão na adolescência. Com que idade? Você frequentava a escola regular quando ocorreu? A perda da visão foi de repente ou gradativa?
- Nasci com glaucoma, uma doença que altera a pressão do globo ocular. Enxerguei razoavelmente bem até os 10 anos de idade, quando perdi a visão do olho esquerdo em uma cirurgia mal-sucedida. Desde então, vinha perdendo progressivamente a visão do olho direito. Aos 17 anos, ocorreu a perda total. Sempre estudei em escola regular, mesmo depois da cegueira.
- Como foram as primeiras experiências com a deficiência visual? Você estranhou muito?
- Como nasci com deficiência, para mim, enxergar pouco sempre foi normal. Aos 9 ou 10 anos, as letras do caderno tiveram que ir aumentando cada vez mais de tamanho. Comecei a trocar o lápis pela caneta, a caneta por canetinha e esta pelo pincel atômico, cada um escrevia mais grosso que o anterior para que eu pudesse enxergar. Até que a leitura à tinta se tornou inviável e tive que usar o Braille. Aprendi a andar de bengala; depois, com cão-guia; e assim fui aprendendo a fazer tudo que eu fazia quando tinha pouca visão, só que agora, sem nenhuma.
- Qual foi a sua maior dificuldade? E a sua maior descoberta?
- Minha maior dificuldade é lidar com a falta de capacidade de algumas pessoas de conviverem com aquilo que está fora do chamado padrão. E a maior descoberta foi que tem lugar para todo mundo. Até para uma atriz cega numa novela da Globo.
- O preconceito é um sentimento muito presente nas pessoas, você sofreu com isso ou teve alguma restrição causada pela deficiência?
- Nunca permiti que o preconceito fosse uma barreira em nada na minha vida. Em se tratando da minha vida profissional, eu só precisava de uma pessoa que valorizasse meu trabalho. Como atriz, foi o Walcyr Carrasco. Como jornalista, o Caco Barcellos. E é isso que importa para mim. Restrição é uma boa palavra para você se referir neste caso. Porque a deficiência não impede ninguém de fazer nada. Mas meu bom senso me impede de dirigir um carro porque posso não sair viva dele. Se bem que já vi uma matéria sobre uma rodovia que estão fazendo que, se der certo, os cegos poderão dirigir com segurança.
- Após ter ficado cega, você começou a frequentar alguma escola especial?
- Sempre frequentei escolas regulares. Alguns professores falavam em voz alta o que escreviam no quadro ou os colegas se revezavam para me ditar. Desde a sétima série, as apostilas eram confeccionadas em Braille.
- Por que escolheu ser atriz? É um sonho de infância? E por que você fez jornalismo? Já exerceu esta profissão de jornalista?
- Desde criança, sempre estive envolvida com arte de alguma forma: escrevendo e atuando em peças da escola, desenhando; quando enxergava, escrevendo poesias e músicas. Eu sempre soube que minha vocação era trabalhar com teatro ou TV. E também que eu tinha um grande desafio a ultrapassar: o preconceito. Mas, eu pensava: "Se Deus me deu essa deficiência e essa paixão enorme pela arte, talvez, eu tivesse uma missão: a de mostrar às pessoas que não era preciso ser 'perfeito' para fazer o que se tem vontade". Aos 14 anos, fiz meu primeiro curso de teatro e não parei mais. Formei-me em Artes Cênicas pela UFPR e em Jornalismo pela PUC-PR. Em 1999, apresentei meu primeiro programa de televisão, na TV Comunitária de Curitiba. O programa era ao vivo e me encorajou a correr atrás de patrocínio para fazer meu próprio programa, o Danieli Multhishow, que estreou em julho de 2000, na TV aberta da Grande Curitiba. Era dominical com entrevistas, musicais e novos talentos. Foi meu sonho realizado. Também trabalhei no Profissão Repórter, do Fantástico, em 2006.
Fiz jornalismo com o intuito de trabalhar na televisão e consegui. Também fiz estágios em jornais impressos, assessorias de imprensa e rádios. Tenho um projeto inédito de televisão chamado Faro, onde meu cão-guia e eu "farejamos" a notícia. Os direitos autorais da ideia já foram registrados, já tenho um piloto do programa e o primeiro lugar do prêmio Sangue Novo, destinado aos estudantes de Jornalismo de todo o Paraná.
- Como você fazia para acompanhar as aulas?
- Nos cursos de teatro, as aulas eram 100% práticas. Então, eu assistia às aulas e fazia o que os professores propunham. Já na faculdade, algumas aulas eram teóricas, onde eu lia os livros em áudio ou os colegas liam comigo. Nas aulas práticas, eu também fazia o que os professores propunham. E, quando eu tinha que circular por algum cenário, eu dava uma andadinha por ele para reconhecê-lo. Curiosamente, Anita é a primeira personagem cega da minha vida.
- Quando você era pequena costumava assistir às novelas?
- Saí do berçário assistindo a novelas. Acho que foi daí que surgiu meu interesse pelo teatro. E agora eu costumo parar para ouvir as novelas.
- O que você se lembra de mais marcante como atriz?
- Foi o teste final da faculdade, onde interpretei a personagem grega Lisístrata num teatro de Arena. Eu fiz só um "bife". Mas ainda quero fazer a peça inteira. Meu professor ficou emocionado com minha atuação. Outra coisa que me marcou muito foi quando estreei a apresentação do meu próprio programa de TV. Foi meu sonho de criança realizado.
- Você tem um cachorro que a auxilia. Para consegui-lo, você fez algum curso no exterior ou no Brasil?
- Fiz um treinamento intensivo de um mês nos EUA. Mas, antes, o cachorro passa por um treinamento desde filhote até um ano e meio de idade. Escolhi um cachorro para me guiar porque ele supre necessidades que a bengala não atende, como desviar de obstáculos que estão acima da cintura e encontrar a saída mais próxima de um lugar que não conheço, por exemplo.
- Como você cuida dele?
- Tirando a disciplina que tenho que ter com ele para manter o treinamento, cuido dele como um membro da família. Ele dorme ao meu lado, em uma cama pra cachorro tamanho GG; tem os brinquedos dele, horário sagrado de brincar... Quando está em casa, ele é um bebezão. Adoramos caminhar juntos. Escovo seus dentes com uma gaze enrolada no dedo, é a parte que ele mais gosta. Escovo seu pelo diariamente e dou banho a seco sempre quando chegamos em casa. Sem falar no banho de mangueira. Aproveito para fazer uma observação: o cão-guia é treinado basicamente para desviar de obstáculos e encontrar os lugares que lhe foram ensinados. Mas o sucesso do seu trabalho também depende da colaboração das pessoas. Por isso, quando você vir um cão-guia, não tente chamar atenção dele, nem queira brincar com ele, porque você pode distraí-lo e causar um acidente com o dono dele.
- Como você faz para decorar os textos para a novela Caras & Bocas? Tem alguém que te ajuda?
- Leio os capítulos e roteiros no computador, usando um software leitor de tela. Decoro as cenas da Anita em Braille. Sempre tive facilidade para memorizar os textos. E eu tenho uma preparadora, a Rosana Garcia. A função dela é ensaiar comigo, me ajudar a encontrar o tom da personagem, atenuar meu sotaque curitibano e me supervisionar enquanto gravo. Ela mal terminou de trabalhar com a Cláudia Raia e logo foi chamada pra trabalhar comigo.
- Qual o seu maior sonho? E sua maior realização, até hoje?
- Meu maior sonho é continuar trabalhando com teatro ou televisão. Minha maior realização foi meu próprio programa de TV, no qual eu fazia tudo sem a ajuda de nenhum outro profissional. Eu comercializava, produzia, dirigia e apresentava. Contava com a ajuda da minha irmã, ainda adolescente, e de meus pais, caminhoneiros. Além de realizar um sonho, depois do meu programa, eu tinha mais coragem para seguir minha carreira.
- Em relação à política para deficientes, não somente os visuais, mas também os auditivos e físicos, como você as vê no Brasil? Ainda falta muito a fazer? O quê?
- Mais do que política, é preciso a conscientização das pessoas em conviver com a diversidade. Não consegui meu trabalho na Globo graças a nenhuma lei. Foi através de um homem consciente: o Walcyr Carrasco.
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