Entrevista

A genialidade atemporal de Alceu Valença

Em Pernambuco, o cantor Alceu Valença elenca suas paixões e afirma: 'Não sou usual'

por Claudia Bettini Publicado em 30/01/2023, às 11h05

Alceu Valença em entrevista na Revista CARAS - FOTOS: GUSTAVO BETTINI

O ritmo de Alceu Valença (76) não para! Ainda mais em meio à agenda de prévias carnavalescas. Mesmo assim, o cantor e compositor encontrou uma brecha na rotina para receber CARAS com exclusividade em seu lar, doce lar, em Olinda, Pernambuco. O local, aliás, é onde o talentoso artista contempla a folia pernambucana. “Antigamente, eu entrava nos blocos, não tinha o menor problema. Agora não consigo mais. Ficou complicado. Vou para a varanda, o público passa e eu canto”, disse Alceu, que tradicionalmente faz aparições na sacada de casa.

Recentemente, ele ainda presenteou o público com um novo empreendimento cultural: a Casa Estação da Luz. O cantor se denomina patrono do espaço, que é gerido por Yanê Montenegro e Natália Reis, esposa e produtora dele, respectivamente. “A previsão é que no final de maio a Casa abrigue uma exposição permanente sobre Alceu, com acervo, obras de arte, fotografias e figurinos”, anunciou Natália. O local ainda é a sede do Bloco Maluco Beleza e conta com programação que envolve atividades de diversos segmentos culturais, como moda, gastronomia, cinema, literatura e artes visuais. E, claro, ainda reserva espaço para ações de inclusão social. “É a casa dos encontros, é a casa do saber. Eu sou louco por pintura, tenho quadros que não cabem mais nas minhas paredes. Na Estação da Luz, quem faz a curadoria é a Yanê e a Natália, e segue a linha da coisa pura, verdadeira, de autores, cantores, artistas que não se curvam à indústria”, diz Alceu.

Nascido em São Bento do Una, agreste pernambucano, o artista se mudou para Recife com a família com apenas 9 anos de idade. “Na frente da minha casa, morava o poeta Carlos Pena Filho; do lado direito, o maestro Nelson Ferreira, por essa rua passavam blocos carnavalescos... Eu absorvi tudo isso, ficou tudo nos HDs da minha memória e, hoje, são minhas maiores influências”, lembra ele, cuja jornada será eternizada nas páginas de um livro, intitulado Pelas Ruas Que Andei. “O grande intelectual Júlio Moura está escrevendo a minha biografia. É um trabalho incrível, de muitas pesquisas, que está muito bonito”, adianta. A obra vai narrar as trajetórias pessoal e profissional, além de ter intervenções e depoimentos do artista. Deve ser lançado pela editora Cepe ainda neste ano.

Alceu, que sempre se mostrou irreverente, mas muito seguro diante de seu trabalho, fala com orgulho de sua autonomia artística. “Sempre gravei o que eu quis, na hora que eu quis”, dispara ele, lembrando que, quando fez o disco Cavalo de Pau, concluiu o álbum com oito músicas, mas o setor de vendas da gravadora informou que ele deveria colocar mais quatro, pois o usual eram doze. “Não sou usual! E o mais interessante é que foi o disco meu que mais vendeu, com oito músicas! Depois que eu fui saber, porque nunca fiquei olhando. Eu sou pela arte e acabou!”, avisa ele.

Foi com toda essa naturalidade, aliás, que ele recebeu a notícia do prêmio Grammy Latino, no final do ano passado. Alceu venceu na categoria Melhor Álbum de Raízes em Língua Portuguesa. “Eu estava fazendo shows no Rio Grande do Sul. Quando ia entrar no palco, minha mulher gritou: ganhamos! Eu só disse: o quê? Já entrei no show e não deu nem tempo de comemorar. Eu sou meio doidinho, quando entro no show estou totalmente lá”, diz.

Com mais de 50 anos de carreira e mais de 300 composições, o músico ganhou pela primeira vez o gramofone do Grammy Latino pelo álbum Senhora Estrada. Com 11 faixas e lançado em novembro de 2021, o disco já é considerado um grande tesouro da música popular brasileira. “Minha esposa diz que tenho surtos criativos. Foi assim durante a pandemia. Fiquei dentro de casa, sem ter o que fazer, comecei a pegar o violão e compor”, fala Alceu. E os ‘surtos’ de criatividade renderam bons frutos. No período de isolamento, ele entrou em estúdio e produziu três álbuns. “Eu ia neuroticamente, de máscara, voz e violão Gravei um disco, o segundo e gravei o terceiro”, enumera ele, contando ainda que, em um desses picos inventivos, escreveu, em Portugal, o livro de poesias O Poeta da Madrugada, lançado pela Chiado, maior editora lusitana de língua portuguesa, além de um livro de crônicas não lançado. “Ainda não sei qual a hora que quero que aconteça”, explica.

Sobre essa relação com as terras portuguesas, o artista descreve como um namoro. “De tanto viajar, não sei mais onde moro. Então, digo que eu namoro Olinda e Lisboa, porque eu tenho uma relação muito forte com o patrimônio. Sou louco por arquitetura. Olinda é uma coisa que me comove profundamente. É o meu lado romântico”, sentencia.

Quando questionado sobre suas composições preferidas, Alceu é sensato e bem-humorado. “Meu xodó é a música que estou fazendo naquele momento, que estou compondo, estou gostando dela. Depois, chifro tudo que é música, ou seja, namoro todas as músicas. Lembrei de quando perguntavam à minha mãe de qual filho ela mais gostava: de todos! Música é igual a filho. Você não vai gostar mais de um do que de outro”, avalia Alceu, que, apesar de declarar não ser frequentador das redes sociais, celebra o alcance de seu trabalho por meio da internet. “Hoje, as músicas de meu repertório, antigas inclusive, tocam em qualquer lugar do mundo, e sem absolutamente nada de marketing, de maneira natural”, diz ele. Só o vídeo no qual ele canta La Belle de Jour/Girassol está com mais de 240 milhões de visualizações no YouTube. “Não sei explicar isso. Acredito que o viral está próximo da sinceridade. A internet democratizou tudo!”, celebra.

Por falar em celebração, ele anunciou uma música para este carnaval, Estação da Luz em ritmo de frevo. “Fiz essa música quando ia para SP, passei pela Estação da Luz e imaginei um trem imaginário, que podia ir para onde quisesse. Na minha cabeça chegava a Olinda. A cidade que tem a paz dos mosteiros da Índia, mas onde, no carnaval, a festa toma conta de tudo!”, diz ele.

FOTOS: GUSTAVO BETTINI

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