A atriz Aline Borges, que faz a Zuleica em Pantanal, coloca o racismo em pauta na novela, com a família e na vida
Sucesso em Pantanal na pele da Zuleica, Aline Borges (47) colhe os frutos de seus mais de 27 anos de carreira. No remake, ela interpreta uma personagem que, anteriormente, foi vivida pela atriz Rosamaria Murtinho (86). A carioca discute o racismo em sua trama e exalta a importância da representatividade na TV. Casada com o ator Alex Nader (46), madrasta de Tom (19) e mãe de Nina (11), a artista tenta ensinar à herdeira a valorizar suas origens para não passar pelos mesmos dilemas que ela. “Demorei muito a me reconhecer como mulher preta”, revela.
– O que sentiu quando soube que a família da Zuleica seria composta por atores negros?
– Eu fiquei muito feliz quando recebi o convite para fazer a novela. Primeiro porque a personagem tinha sido vivida por uma grande atriz, a Rosamaria Murtinho. Ela é um ícone, então, me senti honrada. E, depois, entender que tinha sido uma escolha que foi pautada pensando em trazer discussões antirracistas para a novela, aí, para mim, foi mais profundo ainda, porque eu sou uma mulher preta que demorei muito a reconhecer as minhas origens, a entender minha identidade racial, a me reconhecer como mulher preta, por conta do racismo.
– Por quê?
– Eu venho de uma família que demorou ou, talvez, ainda não se reconheça como pessoas pretas. Meu pai, minha mãe, eles são pessoas pretas da pele clara. Eu também sou. No país racista que a gente vive, ninguém quer ser preto, porque ninguém quer ser discriminado, ninguém quer não ter oportunidades. Então, a gente foge da nossa negritude por conta disso, o que está totalmente errado. A vida inteira, enquanto eu estava fugindo das minhas raízes, não sabia nem quem eu era, não tinha força, não entendia sobre a minha potência, eu estava patinando, tentando achar o meu caminho. No momento em que eu fiz o espetáculo Contos Negreiros do Brasil, me conectei com as minhas raízes. Então, entendi que era uma mulher preta e, a partir dali, a minha vida realmente mudou.
– O que mudou de fato?
– Eu fiquei forte, me conectei com a minha luz, com a minha força interior, entendendo que, ao longo da vida, as minhas histórias tinham sido apagadas justamente para que eu tombasse. Porque nenhuma árvore se mantém em pé se você corta as raízes dela. Então, quando o racismo vem e apaga sua ancestralidade, faz você sentir vergonha do seu nariz, do seu cabelo, faz você se distanciar de quem você é... tudo isso para que você tombe. A partir do momento que eu me conectei com as minhas raízes, o mundo foi se abrindo para mim, de verdade.
– Em relação ao quê?
– Trabalho, autoestima. Esse cabelo que hoje eu acho maravilhoso, eu já odiei. Já quis operar o meu nariz, hoje eu acho ele lindo. É sobre isso também. Então, quando entendi que estava sendo chamada para essa personagem por ser uma mulher preta, isso me atravessou de uma maneira profunda e de muita gratidão, entendendo que não estou sozinha.
– Isso é uma coisa que você tenta passar para a sua filha?
– Tento muito. No início, a Nina tinha uma prima loira de olho verde e que era referência para ela de mulher bonita. Ela queria ter um cabelo liso como a prima, os olhos claros e ela foi acompanhando o meu resgate, foi começando a gostar, a entender o valor de ser uma pessoa preta. Eu sou casada com um homem branco. A Nina é filha de uma mulher preta, mas ela é uma menina branca.
– Só que ela tem as raízes pretas.
– O nariz dela é como o meu, o cabelo também. Ela passou a gostar mais da fisionomia dela, só que agora ela retrocedeu nisso.
– O que aconteceu?
– Um dia, deixei o cabelo dela bem ‘blackão’, linda. Quando chegou à escola, os meninos brancos começaram a zoar, falaram que era cabelo de bruxa, que era feio. Agora, novamente, tenho que fazer o trabalho de reconstruir a autoestima dela, porque ela está com vergonha do nariz, do cabelo. Ou seja, a gente vive em um país extremamente racista, em que a gente precisa ficar o tempo inteiro se reeducando. Por isso que é tão importante uma educação antirracista em todos os sentidos, para que as crianças entendam a importância de respeitar a diversidade, para que as crianças pretas se reconheçam na Zuleica, se reconheçam em um comercial.
– Acredita que, lentamente, está começando a ter mais representatividade na TV?
– Lentamente. A gente vê uma igualdade no audiovisual? Ainda não. Eu, junto com a minha família, somos o núcleo preto de Pantanal. Isso é igualdade? Não. Mas é relevante? É, porque é importante ter. Só que a gente precisa de muito mais, as pessoas precisam se reconhecer. A luta é para que a gente, lá na frente, tenha igualdade, chegue a um set de gravação e veja 50% de pessoas brancas, pretas, trans. A diversidade precisa se fazer presente em todos os sentidos. Eu acho que a luta precisa ser essa.
– O que sonha para o futuro?
– Eu já me vi em um momento da minha vida planejando muito o futuro. Hoje, quero viver o presente. Se ficar projetando o futuro, a gente enlouquece! Sei que estou colhendo frutos que foram plantados durante muitos anos de trabalho. Eu não venho de família com tradição artística, não tive ‘QI’, nunca tive nenhum tio, primo, namorado, ninguém que me puxasse. Eu ralei a minha vida inteira para estar aqui, sozinha, acreditando que nasci pra isso.
– Hoje, sente-se uma pessoa mais realizada?
– Meu coração está grato por fazer parte de uma novela como Pantanal. É muito importante a gente entender que quando a gente acredita, bota fé e consegue fazer um trabalho bem-feito, com amor, todos os caminhos se abrem. Com isso, vou seguir plantando. A gente nunca pode estacionar. Não existe essa de chegar a algum lugar. A vida é um percurso em que precisaremos sempre plantar para colher. Afinal, nada está garantido na vida. Por tudo isso, muito obrigada, ancestralidade.
Fotos: Márcio Farias; Stylist: Rodrigo Barros; Maquiador: Diego Nardes; Cabeleireiro: Lucas Tetteo; Assistente de fotografia: Ruan Ferreira; Agradecimentos: Hotel Pestana Atlântico
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