Walkiria Ribeiro, de 'Tempo de Amar', fala sobre as emoções ao viver Balbina dos Anjos

A atriz destaca a força da sua personagem e revela que se inspirou na lealdade e na dignidade de sua sogra para compor a Balbina dos Anjos

Camilla Queiroz Publicado em 15/03/2018, às 10h44 - Atualizado em 14/03/2019, às 13h53

Walkiria Ribeiro - Danilo Donadeli / foto e make

Walkiria Ribeiro celebra as emoções finais da trajetória de Balbina dos Anjos, que vive uma história de lealdade e amizade na casa da família em que trabalha. Ama de leite de Celina Torres (Bárbara França), filha de uma rica família da década de 1930 na trama de Alcides Nogueira e Bia Corrêa do Lago, a personagem é assediada pelo patrão, Bernardo (Nelson Freitas). Dessas investidas, nasce Pepito (Maicon Rodrigues), seu único filho. Tempo de Amar, em seus capítulos derradeiros, mostra a nova fase de Balbina, agora em um empasse com a patroa e amiga, Alzira (Deborah Evelyn), quando ela resolve contar a verdade sobre a paternidade do herdeiro. "Um menino que escolhe pelo certo e pelo trabalho para poder tirar a mãe daquela labuta e sofrimento", relembra a atriz sobre o papel de Maicon Rodrigues. 

Walkiria orgulha-se de representar a força feminina no século XX. Através de sua atuação, levanta a discussão para um tema atual (fora das telas) que é a relação sem consentimento. "É tão doido. A gente avançou um século e muitas mulheres ainda não têm certeza do que é o assédio", admite. "Senhoras me questionavam na rua: 'Por que você não sai daquela casa? Dá um empurrão naquele cara, ele fica assediando. É justamente por conta dessa mulher de hoje, tão independente, tão dona de si e do próprio corpo, que elas não conseguem entender que nem sempre foi assim", completa. "Nos anos de 1930 foi quando as pessoas começaram a questionar estes porquês. A gente está falando do começo do movimento social e feminista. Até então, as mulheres não tinham coragem de denunciar. Elas eram mal vistas", explica.

"Balbina ainda terá um dia de princesa ao lado do filho", diz Walkiria Ribeiro

A atriz, que após sucessivas novelas na Rede Record (se destacou como Juliana, em A Escrava Isaura, e também fez parte do elenco de Essas Mulheres, Prova de Amor, Vidas Opostas, Amor e Intrigas, Vidas em Jogo e Máscaras), foi convidada para viver a personagem na Globo após o autor, Alcides Nogueira, vê-la no palco no espetáculo Bruta Flor, com texto de Vitor de Oliveira e Carlos Fernando de Barros e dirigida por Marcio Rosario. "Lembro como se fosse hoje. Quando deixei o camarim, ele estava me esperando e falou: ‘Olha, eu sou muito difícil de sair de casa, mas você foi a melhor coisa que me fez sair de casa hoje’. Na hora, comecei a chorar nos braços dele", recorda a artista que ainda participou das séries A Lei e o Crime (também na Record) e Toc's de Dalila (no Multishow).

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Nesta entrevista exclusiva para a CARAS Digital, Walkiria, com as emoções afloradas pela fase final da trama e também por reconhecer na sua trajetória ficcional aspectos e histórias que trouxe de sua vida real - revelou que a personagem foi inspirada em sua sogra e que a relação de Balbina com o filho é semelhante a do seu marido, Claudio Norberto, com a mãe, Dona Cida -, pontuou suas inspirações, seus medos - "o ator é um furação de incertezas" - e falou sobre as emoções finais do folhetim das 6. "Balbina ainda terá um dia de princesa de contos de fadas", torce sua intérprete.

 

CARAS DIGITAL: O que você pensa desse momento-limite, desta reviravolta da sua personagem? 

Walkiria Ribeiro: Tempo de Amar começa com a Balbina totalmente omissa. Depois a gente vem para um momento em que ela recusa este papel. Ela não verbaliza, não tem a discussão propriamente dita, mas rejeita, foge. Fica claro que ela não compactua mais com aquela situação. Ela entende, enfim, o que é o assédio e que ela é uma vítima. 'Realmente, não sou eu a safada mau caráter, eu fui usada', se dá conta. A novela narra o momento em que isso era velado, quando os homens achavam que tinham poder sobre as mulheres. Ainda sofremos com os resquícios desta sociedade machista. Por isso foi muito difícil me colocar nesse papel. Mas esta curva dramática é muito bonita porque a gente conseguiu sair de uma situação de conflito interno para mostrar o amadurecimento dela. 

Você se inspirou em alguém ou em alguma história real para compor a Balbina?

Eu não tinha texto, não tinha a sinopse da novela, só as informações da personagem mesmo. E, do nada, entrei em um estúdio para fazer dez cenas. Eu me entreguei muito e precisei me despir de outros trabalhos sem ao menos fazer laboratório. Então me armei com as ferramentas que tinha na minha vivência. Tenho uma mulher muito próxima a mim, minha sogra, a Dona Cida, que serviu como inspiração. Ela trabalhou 30 anos na casa de uma senhora, cozinhava lá, depois tornou-se uma faz tudo e, mais tarde, uma dama de companhia. O elo que não deixa elas se separarem é a amizade. Ela morava no trabalho, ficava lá. Ela pôs a amizade a lealdade com essa patroa à frente dos filhos e da convivência com os netos. Há 11 anos, quando a conheci, não tinha a figura da minha sogra dentro de casa todos os dias. Vejo a Balbina exatamente assim. Quando comecei a ler o papel e ele foi ganhando forma, pensei: ‘Gente, é a Dona Cida’. Posso dizer que a Balbina é uma imagem fiel da minha sogra, da lealdade dela, a dignidade que ela carrega e a mulher que ela é na vida real. E a lealdade é um sentimento pouco visto hoje. A lealdade da Balbina com a Dona Alzira é muito grande, por isso falar sobre a paternidade do Pepito é um assunto tão delicado. Ao mesmo tempo em que ela quer contar que não teve culpa, que não fez isso por mal, de ter tido esse relacionamento por tanto tempo com o patrão que deu esse fruto que é o filho, ela não quer magoar a Dona Alzira.

Seu marido, Claudio, também sente essa proximidade entre a sua personagem e a vida da mãe dele?

Totalmente. Nesses últimos capítulos, comentei com ele: 'Cara, é a sua mãe!'. Teve uma gravação com o Pepito e eu falei assim: 'Fiz uma cena que é você e sua mãe!'. A mãe do Claudio já tem mais de 60 anos e ainda trabalha. Todas as vezes que a gente vai fazer um almoço, ou alguma comemoração, ele fala para ela: 'Mãe, eu trabalho todos os dias para tirar a senhora dessa vida. A senhora precisa parar'. [Walkiria vai às lágrimas ao comparar vida e arte. Ela faz uma pausa e continua...]. E é exatamente isso que o Pepito diz para a Balbina

Ele sempre acompanha você nas suas aparições públicas. Como lida com seu trabalho? 

Ele também é um artista. A gente vem do carnaval. Casei com um cara que também era dali. Ele foi dançarino de uma ala, depois foi ritmista e também chegou a ser diretor da Vai-Vai. Ele me conheceu com pouca roupa porque eu era passista. Quando decidiu me namorar, já sabia tudo o que vinha junto. Essa coisa de ciúme físico a gente nunca teve. Ele é o meu centro. E é telespectador de novela. Quando acabo uma cena, pergunto: ’Nego, cê viu?'. E Claudio faz críticas e elogios, bate o texto comigo. Às vezes acho que ele foi o maior incentivador para eu me apropriar deste meu ofício. Ele fala 'vai malhar' porque entende que meu corpo precisa estar à disposição da minha arte. Ele é quem me puxa. Vivo um furação de emoções, a gente grava sempre com a sensação que podia ser melhor. Na semana passada, por exemplo, um dia antes de fazer a cena em que ela conta tudo [sobre o filho com o patrão], eram 3 horas da manhã e eu não dormia. O Claudio perguntou o que eu estava fazendo acordada e eu: 'Não consigo, estou com medo'. E ele: ‘Respira, toma uma água, você já sabe o que tem que fazer. Você está decorada, não cria monstros na sua cabeça’. Então dentro desse furação de incertezas que todo ator tem, porque a gente não é tão dono da gente assim, ele é o meu eixo. Não é à toa que ele é o filho da Dona Cida! 

A Balbina e o Pepito também inspiraram espectadores. Uma fã entrou em contato com você para falar sobre ela e o filho, não?

Sim, uma moça que tem uma pequena fábrica de coxinhas. Ela escreveu para mim: "Olha, a gente assiste a novela todo dia, eu e meu filho". O menino tem 14 anos e é o braço direito dela no negócio. E eu perguntei: "Como assim, ele trabalha?' E ela: ‘Desde os 9 anos. Faço as massas e ele levava para vender'. Hoje os dois abriram uma garagem, uma portinha, e vendem coxinhas de vários sabores. E ela me contou que a trajetória do Pepito é a história do filho dela e revelou ainda que teve coragem de sair de um relacionamento em que apanhava do marido e que fez isso por causa do menino.

Ainda sobre inspiração do seu trabalho. O próprio Alcides Nogueira elogiou sua atuação e agradeceu a você "por estar nessa novela dando esse brilho todo".

Quando li, sentei e fiz assim: 'Gente, ele falou isso mesmo? Vocês têm certeza?' Fiquei meio atônita. Não vou dizer que a Balbina é um presente, ela é fruto de muito trabalho. Então quando escuto ele falar que sou incrível, penso: 'Jesus do céu, ele está me comparando com quem?'

O retorno do público mudou?

Quem assiste a Balbina se choca quando vê a minha imagem e isso, para mim, tem sido tão gratificante. Mas quase ninguém me reconhece. Tem o figurino, o cabelo... a personagem não usa nada de maquiagem, ela só tira a sobrancelha porque realmente falo com os olhos. A Balbina tem uma expressão daquela mulher que não tem mais tanta esperança. Está tão ocupada com as tarefas que não consegue olhar para o futuro. Quando tiro a sobrancelha é como se eu tivesse me despindo de Walkiria e me vestindo de Balbina. É muito impressionante. A minha mãe teve câncer e outras amigas também. E não é piegas quando a gente fala que quando a mulher perde o cabelo ela perde a identidade, porque é ela crua ali. Sinto que quando tiro ao sobrancelha, perco a identidade. Para mim é mesma sensação das mulheres que tiveram câncer, é como começar de novo.

É difícil abdicar da vaidade para as cenas?

Neste país ser bonito atrapalha. Tive muitas oportunidades em que o diretor de casting olhou para mim e disse: 'Não, ela é bonita demais'. Quando fiz uma sem terra em Prova de Amor, a produtora me ligou e pediu para colocar um lenço na cabeça porque eles queriam me ver menos bonita. No Brasil, tudo está ligado à imagem. Por isso anseio tanto por tempos melhores, com oportunidades iguais. Para que um dia um roteiro venha e não tenha escrito nele 'personagem negro' ou 'atriz negra'. Toda vez que vejo isso, tenho a certeza de que perdi a chance de dar o meu melhor para tantos outros personagens. Quando um autor ou um diretor decide que aquele personagem é negro, ele acabou com tudo. Desejo um núcleo de novela com 40, 50 personagens em que possa fazer teste para qualquer um.

E quais seus planos para depois da novela? O que você ainda quer fazer?

Sempre tive a sorte de ter personagens bem variados. Já fiz rica, já fiz pobre, já fiz sem terra, como falei. Nunca fiz uma vilã e tenho vontade de viver uma personagem com alguma deficiência física. Contar a historia de um privilégio que você tem, e a personagem não tem, deve ser um laboratório genial. Um cego, alguém que não pode falar, um paraplégico, deve ser bem difícil. Como atriz, uso todos os sentidos. Ter uma personagem que me prive de um ou de alguns sentidos é o que eu desejo muito.

Se pudesse resumir a experiência de fazer parte do elenco de Tempo de Amar em uma palavra, qual seria?

Realização. Tenho certeza que vou lembrar desta novela - e as pessoas também. A gente vive um tempo de amar naquele Projac.

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