Os tecidos estão cada vez mais tecnológicos e adaptados ao dia a dia dos consumidores. Por Mayara Krigner
Há algumas décadas, quando se queria comprar uma roupa nova, era possível escolher entre poucas variedades de tecidos e cores. As estampas eram limitadas e as peças pareciam ter sempre “a mesma cara”. Hoje, além da facilidade e da grande oferta da indústria têxtil, os desenhos são mais coloridos e criativos. Isso só é possível por causa da tecnologia e das inovações desenvolvidas na área.
As estampas ganharam novidades como a impressão digital, que possibilita cores e criações ilimitadas, mais baratas e exclusivas. É só pensar no desenho que se quer, criar no computador e ‘imprimir’ no tecido. Chanel, Missoni e Alexander McQueen são algumas grifes adeptas à novidade que substitui as antigas telas e toners, expande o processo criativo e leva a moda para novos rumos.
Assim como os desenhos, os tecidos sofreram adaptações e interferências ao longo dos anos. A variação do preço das commodities, por exemplo, foi um fator que influenciou a criação dos tecidos mistos, que utilizam a matéria-prima natural juntamente com a sintética. “As mudanças climáticas interferem na produção da safra e isso diz se a indústria vai usar mais ou menos fibras sintéticas nas próximas coleções”, diz Marcelo Pedrozo, coordenador de moda do evento Senac Moda Informação, que apresenta tendências de mercado e comportamento.
Além disso, existe ainda a questão da sustentabilidade. O algodão, por exemplo, é produzido com uma grande quantidade de produtos químicos, pesticidas e inseticidas contrários ao meio ambiente. Segundo dados do departamento de alimento e agricultura das Nações Unidas, cerca de 30 milhões de toneladas de fibras naturais são produzidos anualmente no mundo. Só de algodão são 20 milhões de toneladas.
Mas os sintéticos nem sempre são uma alternativa ‘verde’. “As fibras manufaturadas usam o petróleo como matéria-prima e é durante a extração que ocorrem os vazamentos. Nenhum processo industrial é sustentável. Sendo assim, o que se deve tratar é a maneira como os resíduos químicos são depositados na natureza”, diz Pedrozo.
Uma pesquisa realizada pela consultoria indiana YnFx mostrou que, de 2006 a 2012, a produção mundial de fibras artificiais tem um crescimento estimado de 20,6%, o que representa 44,5 milhões de toneladas. E isso interfere também na cultura do fast-fashion. Roupas cada vez mais baratas e, consequentemente, sem um bom acabamento. São feitas com tecidos de menor qualidade, em sua maioria, vindos da China. “Mas hoje, já percebemos um movimento contrário.Os consumidores voltaram a buscar roupas que durem mais. Eles perceberam que nem sempre o que custa pouco vale a pena”, fala Pedrozo.
E a contramão da moda rápida e barata também pode ser vista nas inovações da indústria têxtil, que estão cada vez mais avançadas. Em 2011, o Geek Down, evento realizado em New York que apresenta criações que mesclam moda e tecnologia, lançou algumas novidades no setor. Um dos exemplos é o projeto CatalyticClothing, uma parceria entre a Universidade de Sheffield, University of the Arts London e London College of Fashion, que desenvolveu roupas que utilizam a nanotecnologia para filtrar e purificar o ar por meio de fotocatalizadores embutidos no tecido que quebram as partículas de poluentes e deixam o ar em volta mais puro.
Outra iniciativa apresentada no evento foi o We-Flashy, criado pelos então estudantes da NYU’s Interactive Telecommunications Program (ITP), Alex Vessels e MindyTchieu. A dupla teve a ideia de criar roupas que brilham somente quando entram em contato com a luz. É uma excelente alternativa, por exemplo, para os ciclistas que não querem sair a noite com coletes luminosos ou que pareçam uniformes. Os modelos podem ser usados em qualquer situação, já que durante o dia as partes que refletem parecem estampas normais.
A tecnologia dos tecidos também pode ser bela, além de útil. Em janeiro de 2010, Giorgio Armani apresentou uma coleção de alta-costura inspirada na Lua. Como sempre, as criações de gala do estilista italiano foram um sucesso, mas alguns modelos ganharam ainda mais destaque na passarela por conta dos tecidos com efeito platinado e futurístico. Feitos com tule de seda e jacquard cintilantes, fios metálicos e micro-organza, essas roupas apresentaram variações dos tecidos clássicos e trouxeram à alta moda algumas inovações têxteis.
Mas a parceria entre moda e tecnologia não é nova. “A fibra artificial utilizada pela primeira vez na moda era o raiom, inventado no século 19. Foi usado como um substituto para a seda no início do século 20, mas os tecidos de raiom raramente eram utilizados em alta costura”, conta Patrice George, professora assistente do departamento de desenvolvimento têxtil e marketing do Fashion Institute of Technology (FIT), em New York. ”O náilon foi outra grande inovação na moda. Quando foi introduzido aos consumidores em 1939, por exemplo, criou uma demanda por meias-calças que influenciou a forma como os designers criavam os vestidos das mulheres”, diz.
“Durante as décadas de 1950 e 1960, novas fibras sintéticas como o próprio náilon, o poliéster e o acrílico, juntamente com novas tecnologias para tricô e tecelagem, inspiraram novos estilos de moda para homens, mulheres e crianças”, fala Patrice. Mas foi o esporte que aproximou a tecnologia dos consumidores em geral e transformou a relação entre moda e inovação. “As roupas esportivas foram as primeiras e utilizar o stretch e fibras elásticas, mas agora isso é visto em todos os tipos de roupas e de todos os preços. As fibras e a tecnologia dos tecidos não influenciam a moda até que os designers criem peças que as pessoas gostem de usar”, completa Patrice.
E foi nessa área esportiva que a indústria têxtil começou a desenvolver artifícios para auxiliar a performance dos atletas durante o exercício. “As inovações são importantes para quem pratica atividade física. Mas as pessoas precisam conhecer bem para comprar. Existe, por exemplo, uma calça legging que tem um design calculado para comprimir as veias e aumentar a oxigenação do sangue, o que promove a recuperação muscular mais rapidamente e queima calorias”, diz José Roberto D’Elia, consultor e fisiologista.
A fábrica Santaconstancia produz tecidos tecnológicos para melhorar o desempenho de atletas. “Fabricamos as camisetas de poliamida que, depois de diversos testes, provaram ser mais adequadas para o esporte porque esse tecido melhora a performance e interfere na quantidade de batimentos cardíacos após o exercício”, diz Luca Pascolato, diretor da Santaconstancia.
Mas, inevitavelmente, as inovações esportivas foram incorporadas à moda porque a indústria têxtil sentiu a necessidade de criar tecidos que pudessem ser usados no dia a dia e que facilitavam e promoviam mais conforto aos consumidores. “Usamos uma tecnologia chamada easy care, que não deixa a roupa amassar e não precisa passar com o ferro, o que diminui a energia gerada. Além disso, desenvolvemos também fibras que bloqueiam a luz solar, são antibacterianos e até que repelem insetos”, diz Pascolato.
Além de ser inteligente e ajudar nas práticas cotidianas, a fibra deve ser confortável e macia, porque é isso que leva o consumidor a comprar ou não a roupa. O estilista Jefferson Kulig, que desfila suas coleções no SPFW, faz do tecido o ponto de partida para suas criações. “No meu processo criativo a matéria-prima vem antes da forma. Primeiro, pesquiso os tecidos, depois trabalho com a construção desse material e, na sequência, cuido da forma”, diz. “O conforto, a modelagem que não marca o corpo e a liberdade de movimento são as vantagens dos tecnológicos, mas o custo ainda elevado restringe o uso a um público muito limitado”, completa Kulig.
A designer inglesa Chloe Scadding foi na contramão da grande indústria têxtil mundial e desenvolveu uma técnica própria de combinação de materiais, que unea tecnologia de corte a laser, com as tradicionais técnicas de impressão de tela e cria uma gama de tecidos em camadas. Hoje, ela vende seus projetos para clientes como Calvin Klein, Donna Karan, Armani e Diane Von Furstenberg. “Eu não tento competir com empresas maiores, eu foco na inovação. Como uma designer independente, tenho a liberdade que empresas maiores não têm”, diz.
A exclusividade é outra característica da inovação, como é o caso da estilista holandesa Iris van Herpen, que desfila seus modelos criados a partir da técnica de impressão 3D na semana de alta-costura de Paris. A técnica permite criar o modelo em um computador e imprimir a peça em uma grande impressora. “Assim as possibilidades são infinitas porque você não precisa mais de molde. É revolucionário”, disse em recente entrevista. Formada em design de moda pela ArtEZ e vencedora de diversos prêmios na área, Iris já foi estagiária de Alexander McQueen e hoje veste celebridades como Björk e Lady Gaga. “O primeiro protótipo em impressão 3D levou sete dias inteiros para ficar pronto”, conta.
Por enquanto a técnica de impressão 3D é usada para criar modelos conceituais, com silhuetas fortes e que lembram esculturas e obras de arte. Mas a moda e a evolução tecnológica caminham mais depressa para que os tecidos sejam cada vez mais adaptados a uma nova realidade: o futuro. E, enquanto isso, nós esperamos o dia em que poderemos imprimir nossas roupas em casa!
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