O que leva uma pessoa a deixar de amar alguém que amava muito

Maria Vilela Nakasu Publicado em 02/01/2014, às 15h39 - Atualizado em 10/05/2019, às 11h20

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Em sua bela música Acontece, o cantor, poeta e compositor brasileiro Agenor de Oliveira (1908-1980), mais conhecido como Cartola, diz: “Esquece o nosso amor, vê se esquece./ Porque tudo no mundo acontece./ E acontece que eu já não sei mais amar./ Vai chorar, vai sofrer, e você não merece./ Mas isso acontece./ Acontece que o meu coração ficou frio./ E o nosso ninho de amor está vazio./ Se eu ainda pudesse fingir que te amo./ Ah, se eu pudesse./ Mas não quero, não devo fazê-lo./ Isso não acontece”. E você poderia perguntar: o que acontece para uma pessoa não mais amar alguém que amou muito? Como um coração que aquecia o outro pode ficar frio e o ninho de amor ficar vazio? Meu foco, hoje, será falar do amante que deixa de amar, não do amante rejeitado. Em Psicanálise, fala-se muito em “investimento libidinal”. É como se nós tivéssemos uma quota de amor para empregar nas relações. Essa quota de amor é sempre dividida entre seu emprego no próprio  ego da pessoa e o investimento de objeto: daí as expressões do psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) “amor egoico” e “amor objetal”. Mas, voltando ao nosso assunto e usando palavras bem mais simples,  pergunto: o que acontece com uma pessoa para ela deixar de amar o outro? Não há uma única resposta para isso. Vejamos algumas possibilidades  que conduzem o amor ao fim: frustrações recorrentes, ódios não verbalizados, sentimentos de rejeição, mudanças de jeito de ser; projetos de vida desencontrados, traições não perdoadas, ciúme patológico, medo de se entregar e de confiar no outro, assim por diante. Algo acontece que faz com que um universo a dois perca sentido para a pessoa. Então, ela passa a olhar o outro com indiferença: não se preocupa mais tanto em se arrumar, em usar aquele perfume de que ele gosta ou fazer aquele agrado  predileto. Deixa de dar a atenção que antes dava, não tem mais paciência para escutar as histórias do outro, acha-o chato, irrita-se facilmente. Existe um processo de distanciamento. A energia amorosa antes investida  no ficante, no namorado, no marido, começa a ser retirada e, aos poucos, a ser empregada em outras coisas: em outra pessoa ou em outra esfera da vida, como o trabalho ou as amizades, ou simplesmente pode se retrair para o ego da pessoa e ela pode passar a se cuidar mais ou a achar que não quer mais estar com outrem. E enfim, aos poucos, naturalmente, a pessoa vai percebendo com clareza que não o ama mais. Precisa vir, então, a coragem para falar, para terminar. Nesse momento, é comum a pessoa voltar atrás e permanecer no relacionamento. O rol de argumentos que podem ser usados compõe uma lista interminável, que vai do “Não quero fazer os filhos sofrerem”, até “Acho que é apenas uma fase, vai melhorar”. Parece que, quando a pessoa desconstrói um argumento, logo constrói outro para si mesma e, em certa medida, pode iniciar um processo de “autotraição”.  Em outros termos, é como se ela desconsiderasse a sua verdade, o fato de que não ama mais seu par e a vida com ele não faz mais sentido. Aí, a pessoa tem duas opções. Ou ela perpetua seu processo de “autotraição”, ou enche o peito de coragem e fala para o outro: “acontece que eu já não sei mais te amar...”

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