Em entrevista à CARAS Brasil, Nicole Puzzi fala sobre encarar protagonista aos 66 anos e levar histórias de mulheres maduras para o centro dos palcos
Em cartaz desde o dia 17 de janeiro como Maiara, uma das protagonistas da peça O Mergulho no Mistério Dela, Nicole Puzzi (66) encara um mergulho nas camadas da memória, da amizade e da feminilidade madura presentes no texto de Leilah Assumpção (81), que celebra 55 anos de carreira com a nova temporada do espetáculo em São Paulo. Em entrevista à CARAS Brasil, Nicole fala sobre viver protagonista madura no teatro e destaca resistência: "Desamarrar preconceitos", afirma.
Para Nicole, atriz que acumula uma ampla experiência no teatro, interpretar Maiara tem sido uma jornada transformadora: “No final, o palco vira quase um confessionário, onde as verdades vêm à tona. Cada apresentação é um novo mergulho no mistério dela e, ao mesmo tempo, no meu próprio. É intenso, porém, engraçado e profundamente transformador”, comenta.
A atriz compartilha que sua construção da personagem envolveu uma imersão nas camadas emocionais do texto e em elementos sensoriais, como músicas e perfumes que ela apreciaria. "Mergulhei nas circunstâncias da vida dela e da minha: os traumas, as escolhas, os arrependimentos e as paixões que moldaram sua existência e a minha. Leilah Assumpção tem uma habilidade única de traduzir a alma feminina em palavras, então o texto já trazia camadas muito ricas. Penso que deixei essas camadas transbordarem no palco", reflete.
Com tantos anos de uma trajetória cheia de reviravoltas, a intérprete, que além de atriz é socióloga e já foi considerada símbolo sexual por seus primeiros trabalhos no audiovisual brasileiro, leva um pouco da sua essência para a personagem de Leilah. "Passei semanas revisitando memórias pessoais e imaginando quais poderiam ser de Maiara. Que tipo de amizade teria marcado sua vida? Que perdas deixaram cicatrizes? Foi um processo profundamente emocional".
Os textos de Leilah Assumpção são marcados, também, pela força do não dito, explorando silêncios e pausas como elementos narrativos. Nicole enfatiza que essas “respirações emocionais” são essenciais para acessar a verdade interna da personagem.
“Entendo esses momentos como respirações emocionais, que acessam a verdade interna da personagem. Cada pausa carrega uma intenção: pode ser um pensamento não dito, uma memória que surge, a mágoa não superada ou um sentimento que não encontra palavras. Ensaiamos muito pra que esses silêncios tivessem vida própria, equilibrando tensão e vulnerabilidade”, explica.
Nos momentos de silêncio, segundo a atriz, "o público se conecta profundamente com as personagens, preenchendo o não dito com suas próprias interpretações". No palco do Teatro Oficina, as tensões entre Maiara e Cibele, interpretada por Kate Hansen (72), ganham intensidade.
Segundo Nicole, o espaço, idealizado por Lina Bo Bardi (1914-1992) e Zé Celso (1937-2023), amplifica as emoções. “É um templo maravilhoso e profundamente desafiador, mas também devastador e exigente. Tem de ser forte pra encarar o Oficina. E eu amo esses desafios, porque é isso que mantém a atuação pulsando nas veias de qualquer artista", compartilha.
O Mergulho no Mistério Dela rompe barreiras ao trazer temas como sexualidade, desejo e solidão para o centro das discussões, protagonizados por mulheres na terceira idade. Para Nicole, interpretar Maiara é um ato de resistência: “O etarismo, essa doença amarga de quem o possui, tenta reduzir vidas plenas e complexas a rótulos. O teatro tem o poder de desafiar isso, desamarrar preconceitos e expor as verdades de cada geração. Maiara e Cibele mostram que o desejo, a sexualidade e a solidão não têm data de validade, e que a maturidade é cheia de possibilidades”.
O simbolismo presente no nascimento da neta de Maiara, por exemplo, reflete a transitoriedade da vida. Nicole descreve o momento como “um lembrete poderoso de que somos eternamente substituíveis e de que ninguém é tão grandioso que não vá perecer para dar lugar a uma nova vida. É sobre aproveitar, viver e amar, porque é isso que perpetua a humanidade".
A maturidade trouxe à atriz uma maior tranquilidade para encarar novos papéis, mas também uma contínua busca por desafios. "Ainda há barreiras para mulheres mais velhas nas artes cênicas e em tantos outros meios de trabalho. Essas barreiras são fruto de mentes fragilizadas e amedrontadas pela velhice, que chegará para todos, inevitavelmente. Mas mulheres grandiosas, como Leilah Assumpção, são exemplos brilhantes de como rompê-las", afirma.
Nicole reflete sobre o impacto do tempo na sua arte: “Tenho muito orgulho de, aos 66 anos, estar ativa, pensante, atuante e expandindo meus horizontes. E faço isso sem medo de mostrar minha cara sem maquiagem há décadas, bem antes de virar tendência. Para mim, essa escolha reflete autenticidade e, acima de tudo, respeito por quem sou”.
Embora revisitar o passado não seja uma prática comum em sua vida, a atriz reconhece a importância de honrar as histórias que a moldaram. "Vivo no presente. Sempre vivi no meu presente. Não costumo revisitar o passado buscando novas perspectivas. Fiz o que tinha de fazer, o que era possível e o que achava ser o certo naquele momento, e respeito isso profundamente", destaca.
"Hoje, sou apenas a continuidade momentânea da minha própria história, e é aqui, no agora, que escolho estar", afirma a intérprete, que finaliza com uma reflexão sobre seu ofício e os desafios de estar nos palcos: "Tudo no teatro é um desafio. Se não for, então não é teatro ou você não passa de um disfarce em forma de atriz. A descoberta no palco é contínua, nunca acaba".
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